Chama-se Paul Fauvet. Foi colega de Carlos Cardoso na Agência de Informação de Moçambique (AIM) entre 1981 e 1989 e é co-autor (em colaboração com Marcelo Mosse) da Biografia daquele que é considerado o ícone do jornalismo investigativo, em Moçambique. Lembre, a Biografia de Carlos Cardoso foi publicada em 2004 e é intitulada “É Proibido pôr Algemas nas Palavras - Uma Biografia de Carlos Cardoso”, em referência à célebre frase do finado, segundo a qual “no Ofício da verdade, é proibido pôr algemas nas palavras”.
Em entrevista à “Carta”, Fauvet caracteriza o seu primeiro Editor, na AIM, como um profissional extraordinário, o que faz dele “uma excepção”, pelo facto de ser difícil encontrar pessoas das suas qualidades “na mesma altura” e “em pouco tempo”. Por isso, sublinha que o seu assassinato “foi um golpe contra o jornalismo moçambicano”.
Acompanhe:
Que memórias ainda guarda de Carlos Cardoso?
“Trabalhei com Carlos Cardoso aqui na AIM [Agência de Informação de Moçambique]. Cheguei em Fevereiro de 1981 e trabalhei com ele, enquanto Director, até 1989 [ano em que se desvinculou da AIM, devido a interferências políticas]. Depois envolveu-se com a imprensa independente, primeiro, com o mediaFax e depois com o Metical, mas continuamos a nossa amizade e ligações profissionais”.
Quando e onde é que se conheceram?
“Cardoso foi uma das pessoas que me recrutou para trabalhar na AIM, mas o meu primeiro encontro com Cardoso foi em Fevereiro de 1981”.
Como foi trabalhar com Carlos Cardoso, enquanto Director e colega de profissão?
“Acho que Cardoso tinha uma relação sã com o pessoal da Agência. Não havia dúvidas de que ele era a pessoa que tomava decisões. Por isso, penso que o ambiente, na Agência, era saudável e nós discutíamos os assuntos na Redacção, mas Cardoso era quem tinha a última palavra. O compromisso e engajamento de Cardoso era importante, em alguns dos momentos críticos da Agência, por exemplo, as agressões do Regime do Apartheid contra Moçambique e as investigações da morte do Presidente Samora Machel.
Como ficou a Redacção, quando Carlos Cardoso deixou a AIM?
“Cardoso demitiu-se da AIM. Obviamente, que perder um quadro de tal capacidade é sempre difícil. Não havia outros jornalistas do tipo de Carlos Cardoso. Tivemos de continuar da melhor maneira que pudemos. Cardoso saiu, Fernando Lima saiu, Fernando Gonçalves saiu e várias outras pessoas saíram da AIM. Aliás, naquela altura, formamos muitos jornalistas, como Francisco Júnior, Salomão Moyane (que trabalhou como Delegado em Nampula), entre outros quadros. Depois, tivemos de operar num cenário de meios de comunicação social diferentes, após a aprovação da Constituição da República, em 1990, e da Lei de Imprensa, em 1992. Mas, sempre tentamos manter vivo o espírito que Carlos Cardoso imprimiu na Agência”.
Ainda se recorda onde estava e de que jeito soube que Carlos Cardoso tinha sido assassinado?
“Eu estava na Agência. Eu recebi telefonema de alguém que me disse que ouviu que tinha acontecido algo com Cardoso e que eu devia confirmar-lhe. Liguei o rádio e a notícia já estava lá. Imediatamente comecei a escrever a notícia sobre o seu assassinato e as primeiras reacções”.
Pode contar-nos como nasceu a ideia de escrever a obra “É Proibido pôr Algemas nas Palavras – Uma Biografia de Carlos Cardoso”?
“Logo depois do assassinato, alguns de nós falamos da maneira apropriada de como homenagear Carlos Cardoso. A importância particular era a viúva, Nina Berg, e este trabalho não teria sido possível sem o apoio de Nina porque ela tinha todos os documentos e arquivo pessoal de Carlos Cardoso, que tinha todas as suas correspondências, poemas, artigos publicados e não publicados e uma riqueza de material bibliográfico que era fundamental para escrever o livro”.
Como olha para o jornalismo, 20 anos após a sua morte. Será que encontra, hoje, a continuidade do trabalho desenvolvido por Carlos Cardoso ou terá sido uma excepção?
“Bom, Cardoso foi uma excepção, no sentido em que pessoas excepcionais e extraordinárias não encontramos muitas na mesma altura. A morte de Cardoso era um golpe contra o jornalismo moçambicano. Mas, não vamos regressar aos tempos áureos (risos), aos dias do nascimento do jornalismo moçambicano, logo depois da independência (risos). Esses não vão regressar. Nunca vamos ter um grupo de pessoas tão talentosas, mas diferentes, como Carlos Cardoso, Kok Nam, Leite Vasconcelos, Lina Magaia, entre outros criadores da imprensa independente no país”.
Na sua óptica, houve justiça no “caso Carlos Cardoso”?
“Houve justiça. Mas, houve justiça porque as pessoas pressionaram. Havia campanhas para exigir a justiça de Carlos Cardoso e essa campanha existia no estrangeiro, onde havia pressão sobre o Estado moçambicano. Penso que isso foi fundamental. Penso que foi um julgamento bem feito, no geral. Temos de saudar o juiz Paulino pela sua decisão de abrir o julgamento. Foi transmitido em directo, todos os dias, apesar de algumas pessoas não terem gostado disso. Aliás, devido a isso, acabaram mudando a lei [actualmente, permite-se a captação de imagens e som durante a abertura (leitura da acusação) e encerramento do julgamento (leitura da sentença). Durante os “interrogatórios, os jornalistas apenas tomam notas]. Foi muito importante ver os criminosos em directo e também ver algumas figuras em frente às câmaras. Mas, agora essa possibilidade está vedada. Actualmente, os julgamentos estão fechados, o que é ilegal e inconstitucional. Temos o caso do julgamento dos insurgentes, em Cabo Delgado, onde estão a ser julgados à porta fechada. Ninguém sabe o que as pessoas disseram ao Tribunal”. (Abílio Maolela)