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quarta-feira, 09 setembro 2020 04:43

Indústria Extractiva: CIP considera que actual modelo de transferência dos 2,75% gera desigualdades

O Centro de Integridade Pública (CIP), uma organização da sociedade civil que se dedica à defesa de boa governação, integridade e transparência na gestão do erário, defende que o actual modelo de transferência, para as comunidades, dos 2,75%, provenientes das receitas geradas pela extracção de recursos minerais e petrolíferos, tem potencial para gerar “desigualdades muito profundas e críticas para a estabilidade social e política”, devido à concentração de recursos em comunidades exclusivas no distrito.

 

A tese está expressa num estudo publicado, este domingo, pela organização, que versa sobre as dinâmicas da determinação, canalização e alocação das transferências dos 2,75% da receita do imposto sobre produção mineira e petrolífera para as comunidades e as suas consequências no desenvolvimento local.

 

De acordo com o estudo, de 26 páginas, o actual quadro legal de partilha dos 2,75%, em vigor no país, reproduz um “padrão excludente” e de “desproporcionalidade severa” da redistribuição dos ganhos gerados pelo sector extractivo, pelo facto de definir a alocação dos fundos apenas às comunidades, onde estão implantados os projectos.

 

Para aquela organização da sociedade civil, o modelo definido nas Leis nº. 20/2014 e 21/2014, ambas de 18 de Agosto – Lei de Minas e Lei de Petróleos, respectivamente – coloca as demais comunidades adjacentes do mesmo distrito sem quaisquer benefícios da exploração de recursos, sendo, por isso, importante repensar a adopção de mecanismos adicionais de transferência horizontal, exclusivos dos distritos de produção, inspirados na distribuição por indicadores.

 

“Algumas jurisdições, como por exemplo na Indonésia e Bolívia, para além da partilha com os distritos produtores, os não produtores também recebem uma parcela da receita, ainda que seja numa proporção menor em relação àquela dos distritos produtores. Os arranjos são claros no modelo de partilha de receitas do sector extractivo. No entanto, para o caso de Moçambique, não existe nem uma fórmula e tão pouco um modelo que prevê a integração de distritos ou de regiões não produtores de recursos naturais como beneficiários das receitas geradas na indústria extractiva”, constata a organização, apesar de reconhecer que, em alguns distritos, a prática tem sido observada.

 

“No distrito de Montepuez, por exemplo, o governo distrital chegou a alocar os fundos para implementar projectos em outras comunidades diferentes daquela de Namanhumbir, que é o local onde decorre a extracção de rubis, pela companhia Montepuez Rubi Mining Limitada (MRM), com a alegação de que se tinham realizado muitos projectos naquela localidade”, destaca.

 

A organização argumenta que tal facto (falta de um quadro compreensivo e equilibrado de partilha de receitas das actividades mineiras) pode derivar, por um lado, do “nível prematuro”, em que o país se encontra em matéria de desenvolvimento da indústria extractiva e de gestão de receitas dela provenientes, e, por outro, pode ser consequência da “fraca capacidade” do país em gerar renda para a economia.

 

Por isso, o CIP advoga a adopção de um modelo de transferência baseado na derivação, que, na sua óptica, privilegia transferências para as regiões de produção, mas também se estende para o âmbito do governo do distrito produtor para permitir que as receitas provenientes dos recursos extraídos no distrito sejam partilhadas com todas as comunidades que compõem o distrito produtor. “Este pressuposto sugere uma abordagem de redistribuição horizontal no distrito produtor”, considera.

 

Na sua análise, os pesquisadores do CIP dizem, igualmente, não haver clareza sobre o cálculo dos 2,75%, nos casos em que as receitas são pagas em espécie, tal como aconteceu nos anos económicos de 2017 e 2018, em que o imposto sobre a produção de gás natural, na província de Inhambane, foi pago em espécie: em 2017, o Governo recebeu cerca de 4.620 milhões de Gigajoules (GJ) de gás natural produzido pela Sasol, em Pande e Temane, e, em 2018, recebeu cerca 6.170 milhões GJ de imposto sobre produção.

 

O estudo, realizado este ano, com recurso à análise documental e a entrevistas a membros das comunidades beneficiárias, nos distritos de Inhassoro (Inhambane), Larde (Nampula) e Moatize (Tete), ilustra ainda que a percentagem de 2.75% é demasiado baixa, comparando com a maioria dos países africanos.

 

“Em África, países como a RDC [República Democrática do Congo], Nigéria e Uganda estabeleceram uma percentagem de 15%, 13%, e 6%, respectivamente, partilhada com as regiões produtoras dos recursos. Com excepção da Nigéria, nos outros dois, a percentagem de partilha incide sobre o imposto de produção, tal como, em Moçambique. O Gana é dos países africanos com a percentagem mais baixa, a seguir a de Moçambique, estabelecida em 4.95% da receita do imposto sobre a produção mineira”, revela aquela organização da sociedade civil, que esclarece que, nestes países, o fundo é partilhado a nível do distrito produtor e não apenas com a comunidade abrangida, como é o caso do nosso país.

 

Por isso, a organização liderada por Edson Cortez propõe o incremento de mais 3%, passando dos actuais 2,75% para 5,75%, sendo que do valor correspondente, 2,75% devem ser transferidos para as comunidades afectadas pelos projectos e 3% pelas restantes comunidades do distrito produtor.

 

“A percentagem de 3% é também extraída do imposto sobre a produção do conjunto das concessões do distrito produtor. Esta taxa é alocada ao governo distrital para investimentos em infra-estruturas indispensáveis à promoção do desenvolvimento comunitário, que privilegia projectos agrícolas nas demais comunidades não directamente afectadas pelos empreendimentos extractivos”, esclarece o documento.

 

O CIP assinala, aliás, que, desde 2013, o Governo já transferiu, para as comunidades, um total de 309.7 milhões de Meticais, sendo que, entre os anos de 2019 e 2020, foi transferido um total 171,4 milhões, que correspondem a 55.3% do total já transferidos durante os oito anos.

 

O processo, refira-se, abrange nove distritos, dos quais os de Moatize (Tete) e Govuro e Inhassoro (Inhambane) recebem os valores desde o primeiro ano da implementação da iniciativa. O fundo é aplicado na construção de infra-estrutura, tais como salas de aulas e equipamento; postos e centros de saúde e seu apetrechamento; regadios comunitários ou represas; mercados; estradas e pontes; sistemas de abastecimento de água e saneamento; e actividades relacionadas com a silvicultura. (A. Maolela)

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