Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI
quinta-feira, 02 julho 2020 04:44

Carta ao Leitor |||João Bernardo Honwana e os “jihadistas” moçambicanos: Negociar como?

O conceituado diplomata moçambicano com carreira de topo nas Nações Unidas apresentou ontem, em Lisboa, sua proposta para debater o conflito em Cabo Delgado. Honwana defende que Maputo pode tentar negociar com os moçambicanos arregimentados no “jihadismo” e demovê-los, com uma abordagem de reintegração social.

 

Logo se vê, Honwana é daqueles que vê o conflito como tendo motivação endógena (Joe Hanlon, João Feijó, Igreja Católica). Há um batalhão de jovens marginalizados em Moçambique, sem esperança de futuro. O Estado deu-lhes costas. É preciso reverter isso! João Honwana está nos antípodas do “status quo” do regime.

 

A abordagem reactiva do Governo, apoiada pela SADC e pelo ocidente (incluindo os actores do gás) envolve uma escalada militarizada, com enorme potencial destrutivo do tecido social local, lançando-se sementes para clivagens étnicas, como aliás ficou evidente no recente ataque a Macomia, onde se relatou que “os mwanis – marginalizados ao longo dos anos – estavam a incendiar as casas dos macondes – os beneficiários dos sucessivos Governos da Frelimo, pelo seu papel na luta armada”.

 

Há que ter em conta, nessa onda repressiva, as incursões indiscriminadas dos mercenários do DAG, que acabam vitimando cidadãos inocentes. E depois a perseguição dos nativos suspeitos de darem guarida aos insurgentes. A consequência é lógica: há cada vez mais apoios locais aos “insurgentes”, de nativos que buscam protecção dentro do “jihadismo”, contra um Estado que os brutaliza.

 

Então, a questão que se coloca é: como negociar com os “jihadistas moçambicanos”? Sobretudo quando, em face de um ataque, há uma reivindicação do “jihadismo” central (externo) e nenhuma reivindicação “de nacionais” que permita perceber como se movem os eventuais “subgrupos nacionalistas” dentro dos grupos atacantes? Eis o dilema!

 

A proposta de João Honwana é uma lufada de ar fresco no presente arrazoado de soluções sugeridas (de fora e de cá dentro) sobre como tratar o conflito. O problema é que o Governo esteve todo este tempo usando o terror para combater o terror (Yussuf Adams), uma repressão sem paralelo contra figuras influentes locais (veja-se o caso de “Mericano”), e, portanto, a dimensão de estragos na sociedade local é horrífica que, provavelmente, já nem interlocutores haja com que dialogar na perspectiva apresentadas por Honwana. (Marcelo Mosse)

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