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BCI
segunda-feira, 20 abril 2020 07:30

De como os mercenários russos da Wagner perderam a guerra contra os terroristas no norte de Moçambique

Apesar da supremacia aérea total, da mobilidade em terra, excelentes comunicações e acesso a equipamento sofisticado - incluindo drones - mercenários russos no Norte de Moçambique acabaram se retirando face a uma terrível força jihadista com raízes somalis. 

 

Um relatório confidencial de um alto funcionário das Nações Unidas que já trabalhou no Afeganistão, no Sudão do Sul e do Norte, no Iemen e noutros países, apontou que a presença dos homens no norte de Moçambique, chamados de Estado Islâmico, é apenas um degrau antes de se tornar totalmente activo no Sul da África.

 

Ele disse que este movimento radical já tem uma forte presença e isso inclui bases de treino militar. O grupo de mercenários russos Wagner empreendeu numerosas acções contra os insurgentes entrincheirados na selva, mas sem sucesso. 

 

Mais complicado ainda foi saber quantos homens são, como conseguem a logística, incluindo armamento e como são capazes de trazer armas - possivelmente incluindo pequenas armas portáteis para ataques aéreos para dentro do país (provavelmente através da Tanzânia) - e como se explica a presença de estrangeiros dentro das suas fileiras. Além disso, não está devidamente explicada a origem da insurgência e como consegue enfrentar o exército moçambicano.

 

Mais ainda, as Forças Armadas de Defesa de Moçambique operando na região - largamente constituídas por soldados do Sul - são vistas com suspeita pela população da tribo makonde.

 

Há relatos segundo os quais as FADM são mesmo vistas com uma alguma hostilidade. 

 

Da mesma forma, os mercenários russos foram vistos como 'estrangeiros' com intuito de subjugar os nativos à semelhança do que aconteceu com a dominação colonial portuguesa.

 

De acordo com várias fontes em Pemba, mercenários da Wagner foram mortos em emboscadas em Macomia e Muidumbe, não obstante a diplomacia russa ter alegado que não teve conhecimento das baixas. 

 

 

Na fase inicial, as FADM realizaram operações aéreas e terrestres contra bases de insurgentes empurrando-os para o interior, mas os insurgentes retaliaram, lançando ataques contra bases das forças militares, resultando em dezenas de baixas de ambos lados.

 

Com a chegada dos mercenários russos a Moçambique, aumentaram as investidas contra os insurgentes como se fosse uma provocação ao ninho de vespas.

 

Mas antes, o comando mercenário havia alertado o governo de Maputo que as condições no Norte eram "insustentáveis", embora uma fonte credível na África do Sul tenha indicado que houve sérias diferenças entre a estrutura de comando do Grupo Wagner e as FADM na região.

 

Curiosamente, o governo de Moçambique e os russos fizeram pronunciamentos diferentes sobre o papel do Grupo Wagner. Por exemplo, o ministério da Defesa de Moçambique declarou que não sabia de nada sobre o assunto. Contactado pela Carta de Moçambique, o porta-voz do ministério, Custódio Massingue, disse que é uma "novidade" saber que o país recebeu apoio militar russo apesar dos enormes carregamentos de armas e helicópteros que haviam chegado a Nacala por via marítima e aérea.

 

Seja como for, as tensões entre os mercenários do Grupo Wagner e as Forças após várias operações militares Armadas de Defesa de Moçambique e após operações fracassadas também pesaram naquilo que era o objectivo inicial. Consequentemente, as patrulhas no mato foram interrompidas e foi relatado em Pemba, Nacala e noutros pontos do Norte que, aparentemente, houve uma quebra de confiança entre os homens de Moscovo e as FADM. 

 

Não é mais um segredo que o Grupo Wagner considera as Forças Armadas de Defesa de Moçambique não apenas inadequadas, mas mal treinadas, ineficientes e desmotivadas. "Eles simplesmente não estão à altura da tarefa em questão", disse um observador que passou algum tempo na região. Parte do problema que só surgiu recentemente foi o facto de muitos soldados moçambicanos terem tido problemas para serem pagos. 

 

O dinheiro havia sido despachado para o Norte, mas muitas vezes parecia estar nos bolsos dos oficiais ou retido num canto qualquer do país, a 1.000 milhas da capital. Logo depois, todo o contingente do Grupo Wagner - junto com todos os seus meios aéreos - retirou-se do Norte de Moçambique e retornou à sua sede regional em Nacala, uma grande base aérea ao Norte da Beira, onde a força havia desembarcado originalmente. Seguiu-se o raio de segurança montado por toda a área pelas Forças de Defesa e Segurança (FDS).

 

Jornalistas que cobrem a insurgência ou que tentam entrar na área são frequentemente presos e no terreno já foram reportados casos em que não são apenas as forças de segurança de Moçambique que ameaçam alguém que se aproxima do teatro das operações.

 

A cidade de Nacala, a sede da força mercenária em Moçambique, é uma das maiores do Norte e enquanto ainda funcionava como sede operacional, foram daí despachados os russos para três quartéis militares, nomeadamente, em Macomia e Mueda na província de Cabo Delgado.

 

De acordo com John Gartner, um ex-agente das forças especiais da Rodésia e chefe da OAM International - uma empresa militar privada (PMC) que originalmente havia licitado o contrato de segurança, mas perdeu a favor do Grupo Wagner - o exército moçambicano não foi o único culpado; os russos também estavam totalmente "fora de hipótese" no teatro das operações, "apesar de dominar completamente o espaço aéreo", disse ele a um colega.

 

Antes e depois da chegada do Grupo Wagner à África Oriental, o veterano aviador mercenário africano Neall Ellis disse que duvidava que os russos fossem capazes de lidar com o ambiente hostil de Moçambique, no qual os vôos são frequentemente afectados pelo clima, más comunicações e falta de logística básica como combustível, que deve ser transportado por terra numa região onde as emboscadas são frequentes. 

 

A força mercenária russa chegou com muitos equipamentos militares avançados, incluindo helicópteros, drones e veículos de combate de infantaria, mas obviamente sabia pouco sobre as condições reais no campo, disse Ellis. O terreno no Norte de Moçambique tem muitos problemas, acrescentou: "É um tipo de guerra totalmente diferente do que eles experimentaram na Síria ou na Líbia". 

 

 

A percepção imediata de Ellis foi de que os comandantes do grupo mercenário haviam feito muito pouco trabalho de base. "O rio Rovuma também pode ter sido uma nova marca de creme dental". O principal problema que a força mercenária enfrentava era que ela não estava totalmente familiarizada com uma série de características difíceis contra um inimigo completamente familiarizado com as condições do seu próprio quintal. A maioria das emboscadas feitas pelos insurgentes aconteciam em zonas inóspitas.

 

Além disso, as patrulhas do grupo Wagner enfrentavam, às vezes, leões e leopardos durante as patrulhas nocturnas em terra e, por outro lado, centenas de crocodilos e hipopótamos em todos os rios e riachos, resultando em fatalidades para quem ignora as disciplinas básicas orientadas para o mato.  Fontes indicam que os mercenários estavam equipados com uma série de boas armas da Europa Oriental e da China, a maioria “fresca”, mas isso por si só não era suficiente. 

 

O Grupo Wagner não é o primeiro a tentar ajudar Moçambique na sua luta contra insurgentes. Mas os mercenários russos no geral nunca provaram ser os melhores operativos e estrategas para o cenário africano e neste caso contra os insurgentes. 

 

Daí que entrem em jogo outros contratos de segurança envolvendo outras empresas num jogo de negócios, alguns dos quais obscuros.

 

(Traduzido e adaptado de Air War Analysis, Número 386, Maio 2020)

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