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sexta-feira, 28 fevereiro 2020 06:27

Caso Embraer: Ministério Público exige indemnização de 83 milhões de meticais

Foto: O PAÍS

Arrancou, tal como previsto, esta quinta-feira, o julgamento do “caso Embraer”, que tem no banco dos réus Paulo Zucula (antigo ministro dos Transportes e Comunicações – MTC – do Governo de Armando Guebuza), José Viegas (ex-Presidente do Conselho de Administração das Linhas Áreas de Moçambique) e Mateus Zimba (antigo gestor sénior da Petroquímica Sasol e da General Electric).

 

A sessão de ontem foi, na verdade, preenchida pela leitura da acusação, a leitura do despacho de pronúncia e apresentação da contestação por parte da defesa dos três réus. Hoje, sexta-feira, a sessão de produção de prova continua na Oitava Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, estando a mesma reservada à audição dos réus Paulo Zucula, José Viegas e Mateus Zimba.

 

O Ministério Público (MP), na ocasião representado por Naftal Zucula, foi, praticamente, o “primeiro” a tomar a palavra em sede do julgamento. Depois da leitura do libelo acusatório, cujo acto durou aproximadamente quatro horas, exigiu uma “salgada” indemnização de 83 milhões de meticais.

 

Os 83 milhões de meticais correspondem ao somatório do valor que os três arguidos do caso devem ressarcir o Estado pelos danos causados, pela materialização, “à margem da lei”, do negócio da compra de duas aeronaves E-1890 junto da Embraer, construtora brasileira de aeronaves.

 

Concretamente, o MP exigiu que Paulo Zucula, Mateus Zimba e José Viegas indemnizem o Estado Moçambicano, sequencialmente, com 40 milhões, 33 milhões e 10 milhões de meticais, respectivamente. As três parcelas totalizam 83 milhões de meticais, valor que foi fixado, segundo Naftal Zucula, tendo em conta o facto de o Estado, na sequência do negócio, ter sido privado de desenvolver acções para o desenvolvimento social.

 

De acordo com o MP, os três réus urdiram um plano com o fito de lesar o Estado no valor de 800 mil USD. A empresa Xihivele Consultoria e Serviços Lda., da pertença do co-réu Mateus Zimba, foi, de acordo com o MP, o canal usado para drenar os fundos. O MP refere que, no negócio firmado entre a LAM e a Embraer, o valor pago para aquisição das duas aeronaves foi sobrefacturado com o objectivo de garantir a comissão, que mais tarde foi canalizada à Xihivele, empresa sediada na República de São Tomé e Príncipe.

 

O preço de cada aeronave passou de 32 milhões para 32.690 mil USD, para não comprometer os lucros da construtora brasileira de aeronaves e garantir os 800 mil USD de comissão.

 

Foi, de acordo com Naftal Zucula, Paulo Zucula quem meteu Mateus Zimba no negócio, precisamente por existir entre ambos uma relação de afinidade que dura há anos.

 

Do “bolo” global (800 mil USD), arrolou ainda o MP, o antigo Ministro dos Transportes e Comunicações embolsou 430 mil USD e Mateus Zimba 370 mil USD. O MP não faz menção ao facto do antigo PCA da LAM ter recebido qualquer valor proveniente da Xihivele. Aliás, Naftal Zucula afirmou que foi Mateus Zimba, na qualidade de único trabalhador (proprietário) e assinante das duas contas da empresa, que se encarregou de fazer a distribuição dos 800 mil USD, que, na essência, foram para Paulo Zucula e em seu próprio benefício.

 

No seu libelo acusatório, o MP destacou que Mateus Zimba nunca chegou a colocar os pés em São Tomé e Príncipe e sequer chegou a conhecer a sede da sua própria empresa naquela nação lusófona. Toda a distribuição dos fundos foi autorizada via correio electrónico, dirigidos a funcionários do Banco Internacional de São Tomé e Príncipe.

 

Essencialmente, o Ministério Público acusa os três arguidos dos crimes de participação económica em negócio e branqueamento de capitais.

 

De acordo com o MP, José Viegas foi peça chave, por via de chamadas telefónicas e e-mails enviados aos executivos da Embraer, para que pudesse ser paga a comissão “choruda” de 800 mil USD à Xihivele de Mateus Zimba. Paulo Zucula, anota igualmente, deu luz verde à LAM sem, no entanto, colher a sensibilidade dos seus assessores no MCT. Mateus Zimba foi, em virtude de os fundos terem sido depositados na sua empresa, quem, tal como refere o MP, se encarregou pela partilha dos dividendos.

 

Contestação da Defesa

 

Abdul Gani, advogado de José Viegas, foi o primeiro a apresentar a contestação. Gani disse não constituir a verdade a ideia de que houve sobrefacturação do valor final pago à Embraer pelas duas aeronaves E-190. E que a ideia do MP, segundo a qual foram acrescidos valores para acomodar eventual comissão do agente desafia todos os níveis de razoabilidade.

 

Gani explicou que a LAM pagou por cada aeronave 31.100.000 USD, muito em consequência dos timings da efectivação do negócio, algo que estava previsto quando as duas entidades chegaram ao entendimento de que o negócio iria avançar.

 

Por este facto, disse Gani, escasseiam elementos para suportar a ideia de que houve sobrefacturação do valor pago pelas aeronaves e, consequentemente, afigura-se inútil falar de eventual prejuízo ao Estado Moçambicano.

 

Aliás, Gani fez questão de trazer ao tribunal as declarações dos executivos da LAM, presentes nos autos, em que manifestamente avançam que não foi extrapolado o valor das aeronaves, ainda para pagar eventual comissão à Xihivele.

 

O Advogado de Paulo Zucula, Damião Cumbane, começou por dizer que ao seu constituinte não lhe são imputados factos e que a acusação do MP é baseada em presunções. Os crimes de que é acusado não passam de mera fabricação do MP.

 

Sobre os crimes de Branqueamento de capitais, Cumbane disse que não tinha cabimento tal acusação, precisamente porque o seu cliente não cometera nenhum crime que pudesse ser associado a este. Disse, de seguida, que o seu cliente recebeu sim dinheiro da Xihivele, mas desconhecia a verdadeira origem do referido.

 

O valor que recebeu da empresa de Mateus Zimba resulta de um negócio que ambos pretendiam firmar, uma vez que Zimba pretendia ser sócio de Paulo Zucula nos empreendimentos turísticos em Vilanculos, detidos pela Green Point, da pertença deste último.

 

Debruçando-se sobre a tese de que foi Paulo Zucula que levou Zimba para o negócio com a Embraer, Cumbane disse que sobre este aspecto não haveria melhor pessoa senão o próprio Mateus Zimba a explicar como é que entrou no negócio. Sobre a ideia de que Zucula ignorou os assessores na hora de dar luz verde à LAM, o causídico de Zucula começou por explicar que no MCT não existiam, à data, assessores de aviação e nem de aviões e que o seu constituinte tomou uma decisão estratégica. Aliás, também recordou que durante uma visita à companhia aérea de bandeira, na qualidade de ministro, foi informado sobre o processo de renovação da frota e que, para o efeito, dois consultores internacionais haviam sido auscultados sobre o assunto.

 

Já Tomás Timbane, advogado de Mateus Zimba, também atacou as alegacões do Ministério Público, no tocante ao crime de branqueamento de capitais. Timbane atirou que o crime de branqueamento de capitais só tem corpos quando se está em presença de um crime a ele associado, o que não era o caso.

 

Timbane disse, de seguida, que o seu cliente não causou qualquer prejuízo à LAM e, consequentemente, ao Estado, pois, fora contratado pela construtora brasileira de aeronaves. Disse que a relação entre Mateus Zimba e a Embraer começou de forma informal e mais tarde foi formalizada com a assinatura do contrato no negócio com a LAM, ressalvando que o seu cliente tem uma longa carreira como gestor, conhecedor do mercado moçambicano e das dinâmicas do país.

 

Timbane anotou ainda que o seu cliente recebeu os 800 mil USD na qualidade de “agente” contratado pela Embraer, daí não fazer sentido a ideia de que o Estado Moçambicano foi lesado no negócio. O valor pago ao seu constituinte, tal como disse Timbane, já estava previsto (na política da empresa) e não houve necessidade de se fazer qualquer ginástica para empolar os valores das aeronaves.

 

O causídico de Zimba disse igualmente que a LAM pagou por cada aeronave 31.100.00 e que se o valor chegou a estes montantes foi precisamente devido aos atrasos na celebração dos contratos e não por consequência de um acréscimo para permitir que o agente pudesse ter a comissão.

 

No final das contestações, os três causídicos pediram a absolvição dos seus constituintes. (Ilódio Bata)

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