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sexta-feira, 06 dezembro 2019 05:55

Cresce cepticismo sobre progresso do país com o gás do Rovuma

Com as Decisões Finais de Investimento, que têm vindo a ser tomadas para a exploração do gás natural na Bacia do Rovuma, constrói-se no seio da classe política a ideia de se estar a dar um passo real para o progresso dos moçambicanos. Essa ideia que se fundamenta no aumento do fluxo de receitas para o Estado, desde o início da exploração dos minérios, suscita críticas por parte de alguns analistas.

 

As críticas chamam a atenção para a necessidade de se olhar para a estrutura dos investimentos e dos custos dos projectos, para os mecanismos de recuperação desses custos, para a estrutura de benefícios fiscais e como estes são alterados à medida que as várias fases da produção desses projectos avançam, bem como para o fluxo de entrada destas receitas.

 

Partindo dos referidos pressupostos, uma reflexão do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) diz e, sem entrar em estimativas sobre o volume de receitas, que nos primeiros anos de produção não se deve esperar receitas fiscais significativas ao nível do que tem sido anunciado oficialmente, mesmo tomando em consideração os três principais projectos de gás no Rovuma, nomeadamente “Mozambique LNG”, na Área 1, “FLNG Coral Sul” e “Rovuma LNG” na Área 4.

 

Para fundamentar a análise, tomando em conta o potencial de fluxos de receitas ao longo do tempo, o IESE avança três possíveis fontes de receitas para o Estado.


O primeiro imposto é de produção (ou royalties), que varia de 2% a 6%, dependendo dos anos de produção dos projectos. Há também o imposto de rendimento sobre pessoas colectivas (IRPC) que não é considerável nos primeiros anos de realização de lucros (por exemplo, o projecto “Mozambique LNG”, a quem, à luz do contrato assinado em 2006, o Governo concedeu uma isenção de 25 por cento na taxa de IRPC para os primeiros oito anos de produção.


Finalmente, há também o Imposto sobre o Gás Lucro, que não é considerável, tomando igualmente o facto de que a entidade que representa o Estado, a Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH), tem tido dificuldades de realizar financeiramente a sua participação nos projectos.

 

Perante dificuldades de financiamento, o jornal @Verdade apurou que a ENH endividou os moçambicanos em 2018, em mais de 1,5 bilião de USD, para, de entre vários fins, ressarcir os seus parceiros na Área 1 e 4 pelas despesas que incorreram desde o início das actividades de pesquisa em 2006. Face a esse cenário, o periódico problematiza: “Será interessante ver a Autoridade Tributária tentar cobrar impostos a estas petrolíferas a quem o Estado já deve biliões de dólares norte-americanos”.

 

Na análise, o IESE olha também o limite de entrada de divisas para o país, uma vez que a legislação em vigor retira a anterior obrigatoriedade de conversão em Meticais de 50 por cento do valor das exportações.

 

“Portanto, o volume de receitas, nestas fontes, varia de acordo com os custos de investimento dos projectos que, de acordo com a dinâmica de funcionamento destes, devem ser recuperados nos primeiros anos de produção, independentemente do tipo de contrato de fornecimento de gás que estes projectos possam ter firmado com seus clientes”, concluiu a fonte.

 

De acordo com a análise daquele Instituto de pesquisa, um outro aspecto é a volatilidade dos preços de produtos primários no mercado internacional, que, a qualquer momento, pode colocar em causa todas as expectativas de receitas para o país. No entanto, saúda as intenções de criação de um Fundo Soberano para gerir as receitas que provirão da exploração dos recursos.

 

O IESE lembra ainda a questão do conteúdo nacional na indústria de petróleo e gás, que é parte deste debate e sobre as possibilidades de desenvolvimento nacional, particularmente, o desenvolvimento de ligações entre as Pequenas e Médias Empresas nacionais e os mega-projectos.

 

No entanto, nota-se no seio do Governo um certo desinteresse para a aprovação da Lei de Conteúdo Nacional, em preparação há 11 anos. Para o IESE, a ausência de uma Lei de Conteúdo Local muito clara é vista como uma limitante para tal quadro progressivo.



O realismo do progresso do país com o gás do Rovuma questiona-se ainda, depois que um estudo realizado este ano pelo Centro de Integridade Pública (CIP) concluiu haver riscos de fuga ilícita de receitas, em caso de transferência (ou transacções) de bens, serviços ou propriedades entre empresas relacionadas ao projecto FLNG Coral Sul.

 

“Os riscos concentram-se especificamente na estrutura comercial desenhada pelo projecto, bem como a estrutura de financiamento à embarcação que vai transformar o gás natural para o estado líquido”, explicou a investigadora do CIP, Inocência Mapisse, tendo alertado para a necessidade de se fazer uma análise sobre esses dois elementos, para garantir que não haja Preços de Transferência abusivos, permitindo que, efectivamente, as receitas projectadas cheguem aos cofres do Estado.

 

Outrossim, a Bacia do Rovuma localiza-se na província de Cabo Delgado, que desde 2017 sofre ataques (que nos últimos dias tendem a intensificar-se) protagonizados por insurgentes até agora não identificados e cujo fim não se perspectiva.

 

Perante essas realidades, o IESE critica a retórica inflacionista sobre o volume de receitas provenientes da exploração do gás e o sentido desta retórica na construção de um quadro optimista sobre o progresso do país.

 

É que, em reacção à crítica do discurso realista do progresso do país com o gás do Rovuma, feita em Julho passado pelo antigo Ministro das Finanças e dos Recursos Minerais e Energia, Abdul Osman, o Governo, através do Instituto Nacional de Petróleos (INP), diz que o Estado vai, sim, arrecadar receitas acumuladas na ordem dos 30,9 biliões de USD durante os 25 anos do projecto “Mozambique LNG”, na razão de 2.1 biliões de USD por ano.


De acordo com o INP, tais receitas estão repartidas entre o imposto de produção (4,4 biliões de USD), a quota-parte do petróleo líquido (10,3 biliões de USD) e o IRPS (15,9 biliões de USD) e 300 milhões de USD de taxas e bónus.

 

Contudo, tomando em consideração os elementos críticos acima levantados, nomeadamente os custos de investimento, a sua recuperação, os benefícios fiscais e as diferentes fontes de receitas, Osman disse que o Estado poderá arrecadar cerca de 600 milhões de USD em receitas por ano, a partir de 2026, quando todos os três projectos estiverem a produzir. (Evaristo Chilingue)

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