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segunda-feira, 02 dezembro 2019 05:46

“Deus e o diabo” na… IURD

A Televisão Miramar iniciou com pompa e circunstância a edição de sábado do “Fala Moçambique”  – seu jornal informativo em “prime time” – com uma espécie de “breaking news”: um Comunicado Oficial da Igreja Universal do Reino de Deus em reacção a uma “rebelião” que acabava de se desencadear em Angola, onde mais de três centenas de pastores (angolanos) anunciaram o seu rompimento com a cúpula (brasileira) da IURD naquele país, liderada pelo bispo Gonçalves da Costa – o mesmo, aliás, que dirige superiormente os destinos da congregação em Moçambique e nos restantes países africanos de expressão portuguesa.

 

Os 330 pastores, subscritores de um abaixo-assinado, acusam a cúpula de – entre outras coisas – ter arquitectado um “esquema mafioso” visando transaccionar todo o património que a igreja possui naquele país, para pessoas ligadas à política e à alta finança angolana.

 

Segundo os revoltosos, os bispos (brasileiros) Honorilton Gonçalves da Costa e Carlos Alberto – respectivamente nºs 1 e 2 da hierarquia em Angola – foram os cabecilhas da dita “tramoia” que teve a aprovação superior do Bispo Edir Macedo.

 

De acordo com o documento assinado pelos 330 pastores desavindos, todo o património da IURD Angola – que inclui catedrais, igrejas de média e pequena dimensão, terrenos para construção de futuras catedrais e empreendimentos sociais – foi secretamente colocado à venda. Dizem os acusadores que se trata de um “esquema mafioso” posto em marcha há já algum tempo, porém só muito recentemente descoberto. Mais precisamente, tudo veio à tona após a realização de uma reunião secreta, em Luanda, para a qual foram convidados apenas bispos e pastores brasileiros, e onde foi decidida a tal venda do património da IURD Angola.


Em concreto, terá sido elaborado um Plano de Negócios para convencer os potenciais compradores (ministros, deputados, governadores, empresários e outros) que “existe uma grande procura daquele tipo de património por parte de outras congregações religiosas neopentecostais, tais como as Assembleias de Deus Pentecostal, Igreja Josafat, Bom Deus, Igreja do Deus Vivo Shekinah, Igreja Hospital da Fé, entre outras”…

 

Nesse contexto, a principal directriz emanada da suprareferida “reunião secreta” foi a de que os participantes deveriam “intensificar os contactos com ministros, deputados, empresários, governadores provinciais de modo a convencê-los que comprando os bens patrimoniais da IURD poderiam depois capitalizá-los”.


Entretanto, como uma operação de “lobbing” dessa natureza, além de levar o seu tempo, pode ou não alcançar os resultados almejados, os revoltosos alegam que já terá sido elaborado um “plano B”, pronto para ser posto em prática, caso falhem as intenções iniciais.


E esse passou pela criação de uma série de empresas pertencentes aos bispos brasileiros, junto do Guiché Único de Angola (uma espécie de BAU de Moçambique).


Pois então, serão essas mesmas empresas que comprarão e colocarão a arrendar o património da IURD, caso os potenciais compradores, contactados e a contactar, não se decidam nas próximas semanas.


Ou seja: as empresas dos bispos e pastores estarão elas próprias a lucrar com o arrendamento do património que a IURD vem edificando há cerca de 28 anos, e agora terá alegadamente decidido colocar à venda.


“É tudo fake news” – garante a IURD


Conforme referido acima, a cúpula “universalista” desmentiu tudo.


Em Comunicado Oficial (o tal passado em destaque no Tj da TV Miramar) assinado pelo bispo António Pedro Correia da Silva, Presidente do Conselho de Direcção, a IURD afirma que se trata de uma “rede de mentiras arquitectada por ex-pastores desvinculados da instituição por desvio moral, e de condutas até criminosas com o único objectivo de terem sua ganância saciada”.


E diz mais: “A IURD está tomando medidas judiciais cabíveis para responsabilizar os autores dessa rede difamatória”.

 

Além desta nota oficial, a IURD publicou ainda, no seu site oficial, um vídeo no qual o bispo Gonçalves da Costa, conversa com (outros) bispos e pastores angolanos, os quais desmentem as “fake news” e explicam que se trata de uma trama dos ex-oficiais contra a Igreja e seu corpo eclesiástico.


No entanto, uma coisa é certa: 330 signatários é muita “fruta” para ser ignorada… Portanto, não pode ser encarado como simples “fake news”

 

Outras “makas” em Moçambique


Diferendos entre a cúpula brasileira e pastores nacionais (dos países onde a igreja opera) não são apenas assunto em Angola.


Em Moçambique esse choque vem sendo reportado há já algum tempo. Só para recordar, em finais do ano passado deu entrada na Comissão de Petições, Queixas e Reclamações (CPQR) da Assembleia da República (AR), um documento subscrito por vários pastores nacionais que acusavam a liderança de IURD de vários desmandos – principalmente depois da chegada do (mesmo) bispo Honorilton Gonçalves da Costa, em 2017.


No documento lê-se, entre outras, que “o bispo Gonçalves da Costa trata os pastores moçambicanos de forma opressiva, ante o olhar impávido e sereno do presidente da Igreja, José Guerra, que nada faz em defesa dos seus compatriotas”.


Do rol de queixas apresentadas à AR, consta que os pastores moçambicanos se sentem revoltados, na medida em que são forçados a fazer vasectomia – para não poderem gerar filhos biológicos – e caso não cumpram com essa directriz são automaticamente expulsos sem apelo nem agravo.


Além disso, e de acordo com o relatório da CPQR da AR, depois de atingirem um certo número de anos de trabalho (ou então uma certa idade), os pastores correm igualmente o risco de serem expulsos. Os que têm a sorte de permanecer ligados à instituição, não poucas vezes acabam assumindo outro tipo de ocupações que passam pela realização do chamado “trabalho sujo” da igreja – o qual inclui tarefas como: invadir casas e desalojar (ex) pastores expulsos; corromper agentes policiais para ajudá-los a desalojar quem se recuse a sair das casas onde vivem após o seu despedimento; influenciar os proprietários dos imóveis a usarem da violência para expulsar os ditos pastores despedidos; amedrontar os obreiros socorrendo-se de passagens bíblicas de modo que estes jamais se relacionem com pastores que tenham sido despedidos e/ou expulsos”.


Tudo isto – reiteramos – vem incluído no relatório da Comissão de Petições, Queixas e Reclamações da Assembleia da República, de finais do ano passado.

 

Já no início deste ano, outro assunto gerou polémica na IURD Moçambique: foi emitido um apêndice aos regulamentos internos da instituição, onde ficou expressamente proibido aos pastores, e outros voluntários que servem aquela confissão, de criar e publicar informações em plataformas digitais, designadamente nas redes sociais, sob risco de cessação imediata do trabalho em caso de incumprimento.


Em quinhentas: ninguém pode criar e publicar o seu próprio conteúdo que inclua fotografias, testemunhos, apelos à oração, notificações, painéis publicitários ou cartazes para qualquer evento, encontro ou serviço da igreja. O pastor da igreja também não pode divulgar nada relacionado com ofertas, dízimos, sacrifícios, promessas de campanha ou outras manifestações de fé; nada sobre os objectos ou elementos dados durante um encontro, como por exemplo um pedaço de pano, óleo ou sal ungidos, uma cruz, etc.


“Somente conteúdos preparados e publicados em plataformas oficiais (Ex: site da IURD, página do Facebook da igreja, “blog” do líder do país, FB da esposa do líder, comunicados de imprensa publicados pelo gabinete de comunicação da IURD) podem ser partilhados em redes sociais” – determina o regulamento, frisando que “somente os líderes da IURD e porta-vozes oficiais podem falar em nome da Igreja”. 

 

O caso das adopções ilegais em Portugal

 

De recordar que também em Portugal aconteceu um outro escândalo envolvendo a Igreja Universal do Reino de Deus.


Na sequência de uma reportagem da TVI que denunciava a alegada existência de uma rede ilegal de adopção de crianças, que teria sido montada pela IURD na década de 1990, foi aberto um inquérito-crime, em finais de 2017.

 

Entretanto, o Ministério Público (MP) português acabou determinando o arquivamento do processo, em Maio deste ano, alegando que todos os crimes que estavam em investigação já prescreveram.


O procurador fez, ainda assim, questão de revelar que as alegações dos pais biológicos foram desmentidas pela investigação, nomeadamente pelas perícias da PJ às assinaturas de duas mães que garantiram à TVI nunca ter assinado qualquer documento relacionado com a adopção dos filhos, o que fizeram.

Segundo o MP luso, “foi igualmente desmentido por parte das restantes diligências de prova” que o único pai que aparecia na reportagem “desconhecia que a filha tivesse sido entregue” a um bispo da IURD.


O procurador salientou ainda que nunca os pais biológicos apresentaram queixa pela alegada retirada ilegal dos filhos, até à reportagem da TVI, sendo que a queixa que esteve na origem do inquérito-crime foi apresentada pela própria Alexandra Borges, a jornalista que conduziu a reportagem. (Homero Lobo)

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