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sexta-feira, 06 setembro 2019 14:52

Morreu Robert Mugabe, o libertador que se tornou ditador do Zimbabwe

Morreu Robert Mugabe, que durante 37 anos governou o Zimbabwe. Começou como libertador, herói da independência, e tornou-se um ditador de um regime marcado pela violência, perseguição, corrupção e descalabro económico. Tinha 95 anos e morreu em Singapura, segundo a Reuters, onde estava internado desde Abril.

 

Mugabe foi o primeiro chefe de Governo eleito depois da independência do Reino Unido, em 1980 – cargo que o próprio aboliu anos mais tarde, tornando-se Presidente. Foi afastado do poder em 2017, pressionado pelos militares.

 

 

A sua morte foi anunciada pelo Presidente Emmerson Mnangagwa: “É com a maior tristeza que anuncio a morte do pai fundador e antigo Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe”. Foi um “ícone da libertação” e um “pan-africanista que dedicou a sua vida à emancipação e empoderamento do seu povo”, considerou Mnangagwa, que foi vice-presidente e sucedeu a Mugabe num golpe palaciano quando ocorria uma luta interna pelo poder dentro do partido dominante, a União Nacional Africana do Zimbabwe-Frente Patriótica (ZANU-PF). “A sua contribuição para a história da nossa Nação e continente nunca será esquecida”, rematou o Presidente.

 

Da libertação ao autoritarismo

 

Robert Gabriel Mugabe nasceu numa missão católica em Kutama, na Rodésia do Sul, a 21 de Fevereiro de 1924. Filho de um carpinteiro, foi educado em escolas missionárias católicas e formou-se como professor.

 

Estudou na Universidade de Fort Hare, na África do Sul, onde conviveu com alguns dos futuros líderes históricos africanos como Julius Nyerere (Tanzânia) ou Kenneth Kaunda (Zâmbia). Foi depois para o Gana ensinar e regressou à Rodésia do Sul para se juntar ao movimento de libertação.

 

Nos anos 1960 foi preso pela primeira vez por chefiar a luta contra a minoria branca que governava a Rodésia. Sem julgamento, passou dez anos nas cadeias do regime colonial de Ian Smith de onde saiu para Moçambique. Continuou a organizar os ataques de guerrilha na Rodésia, desta vez a partir de Maputo.

 

Negociador experiente, conseguiu os acordos políticos necessários para dar a independência ao Zimbabwe, com as primeiras eleições (que ganhou) a acontecerem em 1980.

 

Em 1982, enviou o Exército para a província dissidente de Matabeleland (sudoeste). A repressão provocou, até o final de 1987, mais de 20 mil mortos.

 

Mas o mundo fechou os olhos. Só na década de 2000, quando começa a política de expropriações de milhares de fazendas de ocidentais para distribuir a terra entre a população negra do país, e após vários abusos contra a oposição e fraude eleitoral, a comunidade internacional muda de atitude sobre Mugabe.

 

Começa a acumular poder, afastando qualquer voz crítica, e nos anos 1990 escolhe como alvo os latifundiários brancos, fazendo expropriações violentas. Centenas de milhares de negros tornam-se proprietários de terras; 4500 fazendeiros brancos abandonaram o país.

 

As expropriações não foram acompanhadas de um plano estratégico para a agricultura e a produção caiu a pique, a crise económica instalou-se rapidamente. Milhões de pessoas emigraram em poucos anos, e a inflação disparou de tal forma que a moeda local acabou por ser abandonada em 2008.

 

Mugabe tornou-se uma figura que dividia não só o Zimbabwe, mas todo o continente africano.

 

A crise culminou com o seu afastamento, em 2017, uma saída forçado pelos militares perante uma tentativa palaciana de levar para o poder a primeira-dama, Grace Mugabe. Mugabe viu os veteranos da “guerra da libertação”, onde forjou a sua legitimidade, organizarem manifestações contra si, mas resistiu a todos os apelos para abandonar o poder.

 

Robert Mugabe responsabilizou o Ocidente por todos os males do país, em especial a ruína financeira, e rejeitou todas as acusações de desvio autoritário. A sua fobia em relação aos homossexuais, que classificou como “piores que porcos”, também causou indignação internacional.

 

Os últimos anos

Aos 93 anos, Mugabe anunciou a intenção de se recandidatar à presidência. Porém, em 14 de Novembro de 2017, as ruas de Harare encheram-se de tanques. E na noite desse dia, o Exército assumiu o controlo do país. Mugabe e a família saíram ilesos, mas foram retidos na sua residência.

 

O que desencadeou esta manobra militar foi a demissão do então vice-presidente e hoje Chefe de Estado, Emmerson Mnangagwa, um veterano de guerra, no meio de tensões entre este e a primeira-dama, Grace Mugabe, sobre quem deveria suceder a Robert Mugabe.

 

Mugabe foi demitido sete dias mais tarde, a 21 de Novembro, e substituído três dias depois por Mnangagwa, de 76 anos, uma alteração histórica que levou a população às ruas em todo o país para festejar a sua partida.

 

O afastamento de Mugabe representa “o fim de um capítulo triste e doloroso da história de uma jovem nação”, disse à Reuters Chris Mutsvangwa, do muito influente movimento de veteranos da guerra de libertação. “À medida que envelheceu, ele rendeu-se ao gangue de ladrões que rodeavam a sua mulher”.

 

Mnangagwa apresentou-se a eleições a 30 de Julho de 2018 e ganhou. O seu opositor, Nelson Chamisa, do Movimento Mudança Democrática (MDC) rejeitou o resultado eleitoral.

 

Os últimos anos de Mugabe fora do poder foram marcados por vários internamentos hospitalares. A última vez que apareceu em público foi há pouco mais de um ano, quando convocou uma conferência de imprensa para declarar, de forma surpreendente, o seu apoio ao rival de Mnangagwa nas primeiras eleições presidenciais em que não participou.

 

Quando foi afastado, acusou as Forças Armadas de terem cometido uma traição “inconstitucional e humilhante” ao partido, ao povo e sobretudo a si próprio. (Público.pt)

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