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BCI
quinta-feira, 18 julho 2019 05:49

Abdul Magid Osman adverte que encaixe de bilhões de USD no gás do Rovuma é uma miragem

A classe política e os principais gestores do sector do gás (no caso, o PCA da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos, Omar Mithá) têm dito recorrentemente que Moçambique vai estar, a muito breve trecho, mergulhado em dezenas de bilhões de USD provenientes da exploração do gás do Rovuma. Os principais motores dos projectos do Rovuma (a italiana ENI na exploração no mar e a americana Anadarko na exploração em terra) têm também centrado seu discurso na entrada de bilhões de USD no país.

 

No passado dia 18 de Junho, quando a Anadarko tomou sua Decisão Final de Investimento em Maputo, Al Walker, seu CEO, disse que o projecto vai investir 25 bilhões de USD. Há dias na Itália, Cláudio Descalzi, da ENI, com o PR Filipe Nyusi ao seu lado, disse que o projecto (no alto mar) já investiu 8 bilhões de USD e espera gastar outros 25 bilhões de USD até 2024. Todos falam destes bilhões de uma forma que cria na opinião pública uma imagem de abastança a breve trecho. Ninguém explica que o grosso destes bilhões vai de volta para os bancos que estão a investir nos projectos. Ninguém explica que não se trata de receitas para o Estado moçambicano.

 

 

Mas ontem surgiu, e bem, o economista Abdul Magid Osmam (antigo Ministro das Finanças) a colocar o dedo na ferida. Quem lhe conhece, sabe do seu optimismo reservado quando se trata de abordar os benefícios, em receitas para o Estado, do gás do Rovuma. Em entrevista à STV, Magid Osman foi taxativo, mostrando que essa imagem de abastança é uma falácia.

 

Ele lembrou que, no gás do Rovuma, há três fontes de receitas para o Estado, que entram para o Orçamento, nomeadamente o Imposto de Produção(IP), o Lucro do gás (Profit Oil) e o Imposto de Rendimento de Pessoas Colectivas (IRPC). O Imposto de Produção é hoje de apenas 2%, mas já esteve a 6%. “Carta” sabe que as multinacionais influenciaram a sua redução. Mas Magid clarificou que dos actuais 2%, passará para 4% depois de 10 anos de produção, e para 6% depois doutros 10 anos de produção. Enfim, nada de extraordinário.

 

Ele explicou que, quanto ao lucro do gás este depende do volume de investimentos que fizermos (no caso, o investimento da ENH nos dois projectos [com os ratings da dívida soberana no lixo em função das “dívidas ocultas”, não é garantido que a companhia petrolífera nacional se consiga financiar sem grandes dificuldades nos mercados internacionais]) e depende também dos preços do gás nos mercados.

 

Para ser mais assertivo, Magid ateve-se ao caso do “floating LNG” (exploração no mar, pela ENI). Quando a ENI começar a produzir gás em 2023, lembra Magid (depois dos bilhões de investimentos anunciados), a grande preocupação da empresa vai ser começar a fazer “depreciações” (abater os custos do investimento). “Se eu invisto 8 bilhões de USD, e tenho de recuperar o investimento em 10 anos, só num ano tenho de fazer depreciações de 800 milhões de USD. Para além desses 800 milhões de USD, há ainda os custos das operações e os juros. Portanto, só em 2032, é que este projecto vai começar a produzir lucro e aí começa a pagar impostos em centenas de milhões de USD”.

 

Magid Osman tem feito contas e desse exercício já concluiu que, no caso específico do projecto da ENI, a partir de 2023 o Estado vai receber entre 50 a 60 milhões de USD de Imposto de Produção (para 3 milhões de toneladas) e em 2026, com a entrada em produção dos “trains” da Exxon e da Anadarko, subindo a produção global para 30 milhões de toneladas e consequentemente a receita fiscal para 600 milhões de USD. Isso é muito menos que o que anda por aí a ser propalado (2 bilhões de USD de receitas fiscais).

 

A retórica inflacionista da receita do gás ignora aquilo a que na indústria se chama de “custos recuperáveis”, o que significa que todo o investimento feito deve ser pago logo que a produção iniciar. No caso da Anadarko, com um investimento de 25 bilhões de USD, o projecto vai ter de fazer depreciações de 2.5 bilhões de USD nos primeiros 10 anos de produção, o que significa que, nesse período, a fatia de lucro não vai ser grande e, por consequência, o IRPC também. Em suma, Magid Osman disputa essa retórica inflacionista, nomeadamente aquela que insiste em dizer que os bilhões de USD de receitas para o país “estão aí ao virar da esquina. Isso não é verdade”.(Marcelo Mosse)

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