Se até ontem nenhum interessado se tivesse manifestado, Chang estaria com o caminho desimpedido para regressar à “pátria amada”. Mas o requerimento do FMO tem quase o mesmo efeito suspensivo que teria um recurso americano: desencadear uma revisão da decisão política de Masutha mas com Chang mantido em reclusão. Ou seja, o novo Ministro da Justiça e Serviços Correcionais da África do Sul, Ronald Ozzy Lamola, tem semanas para rever a decisão. O facto de o requerimento ter sido submetido ao High Court obriga também a uma intervenção desta instância na revisão do processo de extradição. Aliás, o requerimento solicita mesmo que o High Court avalie se a decisão de Masutha de extraditar Chang para Moçambique serve os interesses da justiça. E essa análise dever ser feita com Chang detido da RAS.
O requerimento do FMO (que congrega 19 organizações) é um longo dossier feito de argumentos factuais, legais, de jurisprudência e doutrina para convencer as autoridades sul-africanas que o melhor destino de Chang não é a cadeia civil da Sommesrchield (ou a nóvel prisão do Língamo) mas uma cela em Brooklyn (em Nova Iorque) onde se encontra detido outro co-acusado do caso do calote, nomeadamente o libanês Jean Boustani.
O FMO pede para ser ouvido pelo High Court e, para isso, exige o adiamento do pedido de Chang para ser extraditado para Moçambique o mais rapidamente possível. O requerimento do FMO é assinado por Ian Levitt, advogado duma firma de Sandton contratada pelo FMO para tratar de toda a papelada relevante na RAS. Levitt escreve que a decisão de Masutha é inconstitucional.
Desde que Masutha tomou a decisão em Maio, membros do FMO têm procurado aconselhamento legal na África do Sul, na busca de encontrar a melhor forma de agir. O requerimento submetido é o produto final desse aconselhamento. No passado dia 1 de Julho, o FMO escreveu uma carta ao novo Ministro da Justiça Ronald Ozzy Lamola, solicitando uma análise profunda do caso.
O FMO defende aguerridamente que a decisão de Masutha seja suspensa e a extradição de Chang para Moçambique adiada. “Se isso não acontecer, as consequências seriam terríveis. O Ministro estaria subscrevendo uma decisão ilegal e Chang seria extraditado para Moçambique em contravenção aos direitos sul-africano e internacional. A reputação internacional da RAS estaria severamente afectada. E os direitos da sociedade moçambicana estariam afectados”, alega o FMO.
Entre os argumentos legais que Ian Levitt arrola para exigir a revisão da decisão de Masutha consta a ideia de que Manuel Chang ainda não é acusado em Moçambique. Ou seja, junto do pedido de extradição moçambicano não foi anexada qualquer acusação contra Chang em Moçambique (diferentemente do pedido de extradição americano que anexa o “indictment” já publicamente conhecido). Depois tem a questão da imunidade de Chang como deputado da AR, que ainda não foi levantada. Levitt desdobra-se em argumentos legais de vária ordem, compulsando também o Protocolo da SADC sobre extradição.
Os próximos dias vão ser decisivos para o processo. Para já é esperada a audiência do dia 16 de Julho. O desfecho do caso é ainda insondável, mas uma coisa é certa: Manuel Chang já não regressa a Moçambique tão já. E não porque os americanos tenham decidido recorrer. São organizações moçambicanas que conseguiram alcançar o efeito do que seria um recurso americano: a revisão política e legal da decisão de extradição de Manuel Chang para Moçambique. O antigo Ministro vai continuar por longas semanas como recluso numa prisão sul-africana. (Marcelo Mosse)