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quinta-feira, 16 maio 2019 06:37

Dívidas Ocultas: Especialista defende haver condições para recuperação de activos

O advogado e especialista em assuntos relacionados à anti-corrupção, Richard Messick, defende haver condições para Moçambique recuperar o dinheiro “lavado” no estrangeiro, no âmbito das “dívidas ocultas”, contratadas entre 2013 e 2014, pelas empresas EMATUM, MAM e ProÍndicus, no valor superior a 2.2 mil milhões de USD.

 

 

Segundo o especialista norte-americano, que falava na manhã desta terça-feira, em Maputo, durante o Seminário Internacional sobre Recuperação de Activos, organizado pelo Centro de Integridade Pública (CIP), a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC, sigla em inglês), da qual o país é subscritor desde 2006, permite que qualquer país (dos que ratificaram) solicite o repatriamento do dinheiro ou bens existentes nesse país, cuja origem seja ilícita.

 

Para atingir o objectivo, Richard Messick apontou três mecanismos legais que Moçambique pode accionar para reaver os milhões de dólares que, não só levaram o país a uma crise sem precedentes, como também conduziram à sua descredibilização na praça financeira internacional.

 

O primeiro mecanismo, segundo a fonte, encontra-se no artigo 53 da UNCAC (medidas para a recuperação directa de bens), onde o nosso país pode pedir à Suíça a compensação pelos danos causados aos moçambicanos, devido aos empréstimos concedidos às três empresas pelo banco suíço (Credit Suisse), à margem da legislação nacional. Para tal fim, deverá invocar o comportamento dos funcionários daquele banco (Andrew Pearse, Surjan Singh e Detelina Subeva), envolvidos no escândalo das “dívidas ocultas”.

 

O artigo 53 da UNCAC define, entre outros aspectos, que “Cada Estado Parte deverá, de acordo com sua legislação interna, tomar as medidas que sejam necessárias para permitir que outro Estado Parte inicie uma acção civil em seus tribunais para estabelecer a titularidade ou propriedade de bens adquiridos, através da prática de um delito estabelecido de acordo com esta Convenção”.

 

Como exemplo da aplicação desse artigo, Richard Messick citou o caso do repatriamento de 56 milhões de Libras, em 2005, que o antigo Presidente da Zâmbia, Frederick Chiluba (1991-2002), tinha depositado nos bancos ingleses. A Zâmbia, afirma a fonte, provou que o valor tinha sido ganho ilegalmente.

 

O outro exemplo, que também corre seus trâmites nos tribunais ingleses, provém da Nigéria, onde o Estado reclama 85 milhões de USD, que uma empresa pertencente a um ministro da área de petróleos recebeu, através de um acordo fechado.

 

O segundo mecanismo, conforme disse o especialista, está no nº 3, do artigo 57, que fala sobre o “retorno e alienação de bens”. Aqui, afirma Messick, o Estado moçambicano pode solicitar a recuperação do dinheiro que tenha sido depositado nesse país, proveniente de subornos a funcionário do governo. Porém, o pedido terá de se basear numa sentença proferida por um tribunal (em sede do julgamento), confirmando que o funcionário do governo recebeu subornos numa certa operação e que o dinheiro está depositado naquele país.

 

Neste ponto, clarifica o norte-americano, não há espaço para o pagamento da compensação, apenas para o repatriamento dos “subornos” recebidos pelo governante, que estejam depositados nesse país.

 

O terceiro e último mecanismo citado pelo advogado é o do nº 5 do artigo 57, que determina: “Quando apropriado, os Estados Partes também poderão dar especial atenção à celebração de acordos ou acordos mutuamente aceitáveis, para a disposição final do bem confiscado”. Isto é, Moçambique pode assinar acordos mútuos com os Estados detentores dos activos da “lavagem” de dinheiro, proveniente das “dívidas ocultas”, para reaver os seus activos.

 

Outras opções de recuperação de activos

 

Para além destes mecanismos, Richard Messick afirma que o Estado moçambicano tem outras opções para reaver o dinheiro, mas que estão dependentes da legislação dos países envolvidos no escândalo, tal como a França, Emirados Árabes Unidos, Líbano e Suíça.

 

Uma das opções é reclamar junto das autoridades norte-americanas a reparação dos danos causados pelas dívidas ocultas, no âmbito da acusação que pesa sobre os três funcionários do Credit Suisse e contra o Executivo da Privinvest, Jean Boustani.

 

Outra é o Estado abrir uma acção civil no Líbano (terra de Jean Boustani) e na França (onde está a filial da Privinvest) a pedir a reposição dos danos causados por estas entidades ou exigir a investigação das empresas que forneceram os equipamentos.

 

Por essa razão, Messick defende haver espaço para o Estado recuperar activos que possam estar “espalhados” pelo mundo, resultantes de actividades corruptas dos servidores públicos, sobretudo das “dívidas ocultas”. Entretanto, sublinha que a batalha não será fácil, devido ao tempo que separa a data da prática dos crimes (entre 2013 a 2015) e a da solicitação de recuperação de activos (ainda não conhecida).

 

Confrontado com o alegado silêncio das autoridades estrangeiras em relação à solicitação de informação, pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o especialista sublinhou que a Convecção obriga todos os Estados signatários a colaborar com as solicitações feitas pelo Estado lesado.

 

“Porém, penso que, neste caso, os EUA e a Suíça devem, primeiro, investigar para perceber o problema, principalmente, quando o Estado solicitante não tem dados concretos sobre o processo”, disse, garantindo que a situação é diferente quando se trata de casos em que o Estado solicitante indica o local, onde o dinheiro foi depositado ou foi investido.

 

Durante a sua locução, Messick fez referência à necessidade de se elaborar uma lei que versa sobre a recuperação de activos, de modo a desencorajar a corrupção. Aliás, nesta quarta-feira, durante o primeiro dia de perguntas ao Governo, na Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, Carlos Agostinho do Rosário, garantiu o governo estar a preparar a referida lei, mas não avançou a data da sua submissão ao Parlamento.

 

OAM defende a criação de uma Entidade de Recuperação de Activos

 

 

Por sua vez, o Bastonário da Ordem dos Advogados (OAM), Flávio Menete, defende a criação de uma Entidade responsável pela Recuperação de Activos. A entidade, segundo este, deverá ser investida de todos poderes e recursos financeiros, humanos e técnicos, de modo a desenvolver um trabalho de qualidade. A instituição deverá ser criada pela Assembleia da República.

 

Segundo Menete, a recuperação de activos é uma urgência nacional, olhando sobretudo para o futuro, pois, a corrupção visa a produção do lucro, pelo que, há necessidade de desencorajar esta prática.

 

Por sua vez, o cientista social, Joseph Hanlon, reiterou que, mais do que recuperar os activos, os moçambicanos não querem pagar as dívidas consideradas de “odiosas”. Salientou a necessidade também de se calcular os danos causados à economia nacional. (Abílio Maolela)

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