A ousadia de Samito não é propriamente um tema de agenda; mas ela marcou timidamente todos os discursos e foi largamente mencionada em murmúrios nos corredores. É aliás o grande tabu do evento.
Ou seja, a rebeldia de Samito, o processo contra ele e a sua defesa fracturante (onde confrontou abertamente Filipe Nyusi) não foram temas de agenda. Mas marcaram de mansinho a abertura do evento: expurgar a rebeldia e o pensamento diferente, eis a ladainha dominante.
Coincidência ou não, todas as intervenções da abertura desaguaram no mesmo denominador comum: a necessidade do respeito escrupuloso da disciplina partidária. Nas entrelinhas, o principal visado estava claro: Samito, o quasi-pária.
Outro consenso notável: declarações de lealdade a Filipe Nyusi. O candidato a candidato já é mesmo o candidato final. Ninguém esboçou o leve suspiro de oposição. Embrenhado na bancada dos “veteranos”, donde ele faz parte, Samito fez sua rebeldia uma ausência: cantarolou nas danças de saudação ao líder (seu carrasco!?).
Enfim, as organizações sociais da Frelimo, nomeadamente a Organização da Juventude Moçambicana (OJM), a Organização da Mulher Moçambicana (OMM) e a Associação Combatentes Luta de Libertação Nacional (ACLLN), até o próprio Presidente do Partido, Filipe Nyusi, estiveram sob o signo do unanimismo. Uma palavra de ordem: coesão interna e obediência aos ditames estatutários.
No seu discurso, Filipe Nyusi começou por dizer que os membros da Frelimo são “um só”, a recorrente ideia da unidade na diversidade. O partido não se parte, parece. Adiante, Nyusi anotou que os membros da Frelimo não deviam “permitir que os nossos inimigos de ontem e de hoje nos usem com se fôssemos fraldas descartáveis. Juntos podemos vencer todos os obstáculos”.
O discurso mais musculado da manhã viria da ala conservadora e mais radical, a associação dos veteranos (donde Samito é oriundo, repita-se), presidida por Fernando Faustino. Para ele, existem membros que não respeitam os órgãos do partido e fomentam a intriga e a divisão interna. Para bom entendedor, meia palavra basta!
Faustino, um “nyusista” inveterado, disse que ninguém estava acima do partido e que todos os membros deviam, independentemente da sua qualidade, respeitar a disciplina partidária. Faustino, uma espécie de chefe direto de Samito no partido, deixou claro que o candidato da Frelimo para o pleito de Outubro não era outro senão Filipe Nyusi.
Ontem, o braço juvenil da Frelimo, a OJM, já estendera a passarele a Filipe Nyusi. Hoje, o líder da “jota”, Mety Gondola recuperou o discurso de ontem, voltando a chamar de “indisciplinados” os camaradas que ignoram os órgãos do partido e vão discutir assuntos internos na praça pública. Nada de extraordinário!
E a Secretária Geral da OMM, Mariazinha Niquice, para além de, também em diapasão geral, apelar à coesão interna e ao respeito pela disciplina partidária, garantiu que é em Filipe Nyusi que as mulheres da Frelimo depositavam total e incondicional apoio na caminhada para o pleito de Outubro.
Esta manhã, nos corredores do conclave, “Carta” tentou um exercício: ouvir membros de proa do partido sobre o caso Samora Machel Jr.. Todos os abordados, declinaram prestar declarações, deixando no ar a ideia de que o tema era mesmo um grande tabu. Um tabu que percorreu hoje nas entrelinhas, qual fantasma omnipresente, a narrativa oficial da corrente dominante. Um tabu para expurgar, para uns. Ou o tabu da rebeldia necessária mas indizível? (IB e MM)