Por Abilio Maolela
Cresce no país, em particular na cidade de Maputo, o uso de serviços de táxi por aplicativo, uma solução considerada acessível e cômoda ao precário serviço de transporte público de passageiros e às proibitivas tarifas do denominado “táxi tradicional”. Trata-se, na verdade, de um serviço que conecta, através do aplicativo, o motorista e o passageiro, permitindo uma viagem rápida, fácil e cômoda, evitando a habitual disputa física e verbal entre passageiros nos terminais e paragens de autocarros.
Desde 2019, o país já registou perto de uma dezena de serviços de táxi por aplicativo, sendo que alguns já estão descontinuados. Viva Táxi (tida como pioneira), táxiBlack, TáxiCima, Yango, Bolt e Táxi Marcelo são alguns dos serviços de táxi por aplicativo que já transportaram passageiros na capital moçambicana, numa disputa que deixou os serviços “tradicionais” quase sem mercado.
“Os táxis por aplicativo reduziram os nossos rendimentos. Antes de termos Yango e outros, era possível conseguirmos 10 mil Meticais por dia, mas agora é difícil ganhar esse dinheiro. Muitos passageiros já não aceitam pagar a tabela do município”, conta Armando Matha, taxista há seis anos.
Matha, que opera na praça de táxis do Cine África (Avenida 24 de Julho), afirma que agora tem trabalhado com os clientes conhecidos, sobretudo para entrega de encomendas. “Agora é difícil prever as receitas, o táxi já não é lucrativo”, sublinha.
Entretanto, de um serviço inovador num dos sectores-chave da nossa economia, os serviços de táxi por aplicativo são descritos igualmente como vulneráveis, tanto na relação entre o motorista e o passageiro – cujo contacto directo entre estes ocorre no interior da viatura – assim como no tratamento e protecção de dados, visto que os usuários (motorista e passageiro) são obrigados a registarem-se no aplicativo, de modo a aceder àqueles serviços.
Desde o boom dos serviços de táxi por aplicativo, várias situações criminais foram reportadas por motoristas e passageiros, tendo como supostos protagonistas passageiros (no caso de denúncias feitas por motoristas) e motoristas (nos casos em que as denúncias são feitas por passageiros). No entanto, pouco se fala do tratamento e protecção de dados dos usuários destes serviços.
Entende-se por protecção de dados, sublinhe-se, ao processo que visa garantir a restauração, segurança e privacidade dos dados de empresas e indivíduos. Trata-se, na verdade, de medidas preventivas contra a perda, o acesso, o uso, a divulgação, a modificação ou destruição de dados de forma não autorizada.
“Carta” iniciou uma investigação acerca deste tema fulcral na sociedade moderna, tendo como caso de estudo o aplicativo Yango, um dos mais concorridos da actualidade, devido às suas baixas tarifas, por um lado, e por servir de alternativa de emprego e/ou de geração de rendimento a centenas de jovens desempregados, por outro.
Francisco Machel, de 38 anos de idade, residente no bairro de Mahlazine, na Cidade de Maputo, é um dos beneficiários do aplicativo. Em conversa com “Carta”, afirma ter uma viatura registada no aplicativo, que está a ser operada pelo primo, que se encontra desempregado desde Janeiro último.
“Tenho um carro que não uso com frequência, então, decidi registá-lo para fazer táxi de Yango e conversei com o meu primo para que conduzisse, uma vez que ele não trabalha. Posso dizer que Yango ajuda, já que ele consegue trazer-me, por semana, pelo menos 5.000,00 Meticais, valor que uso para pagar algumas contas em casa porque o salário não chega para pagar tudo”, defende.
Quem também relata ganhos com a entrada da Yango e outros serviços de táxi por aplicativo é Verónica Mahumana, usuária frequente dos serviços. “Trabalho com vendas e a melhor forma de fazer entregas aos meus clientes é pegando táxi e Yango é barato e flexível, diferentemente dos táxis que são muito caros”, afirma.
A Yango é uma subsidiária da MLU BV, uma empresa holandesa inicialmente resultante de uma joint venture da Yandex NV com a Uber NL Holdings 1 BV para compartilhamento de viagens e entrega de alimentos. Em Abril de 2023, passou a ser detida integralmente pela Yandex NV, uma subsidiária da Yandex LLC, uma empresa multinacional russa de tecnologia que fornece produtos e serviços ligados à internet, com destaque para os serviços de informação, comércio electrónico, transporte, mapas e navegação, aplicativos móveis e publicidade online.
Refira-se, no entanto, que, em 2022, a Yandex LCC foi alvo de uma investigação do jornal norte-americano Financial Times, após uma auditoria ter descoberto que um kit de desenvolvimento de software (SDK), chamado AppMetrica, produto da Yandex, estava colectando dados de mais de 52.000 aplicativos, como a impressão digital do dispositivo do usuário e o endereço IP e armazenando-os na Rússia nos servidores da Yandex.
O aplicativo Yango está em Moçambique desde Novembro de 2022 (depois de ter sido lançado em Angola, em Abril do mesmo ano), porém, o registo da empresa gestora (Ridetech Moz – Sociedade Unipessoal, SAS), na Conservatória do Registo de Entidades Legais, foi feito no dia 17 de Maio de 2023, sob NUEL 105004117, sendo representada por Henrique Amone Massango Júnior. Além de Moçambique, o aplicativo está presente em mais de 20 países, entre eles, Argélia, Angola, Costa do Marfim, Gana, Camarões, Senegal, Zâmbia, República Democrática do Congo e Congo (Brazzaville).
“Carta” não conseguiu apurar o número de usuários registados no aplicativo, em Moçambique. O Country Manager da Yango no país, Zameer Adam, garante que o aplicativo “é a escolha do povo”, porém, não avançou números, alegando “políticas internas”. “O aplicativo teve uma boa aceitação, tanto dos passageiros, como dos motoristas. Em menos de um ano, tornamo-nos líderes do mercado, tanto para os passageiros, como para os motoristas”, afirma.
Aliás, Adam nega que a Yango esteja a fazer serviços de táxi. “A Yango é apenas uma plataforma digital e não faz táxi por aplicativo. As empresas que fazem táxi por aplicativo, aquelas que designamos de ‘parceiros’, é que utilizam a nossa tecnologia para fazer serviços de transporte”, defende, sublinhando que, no princípio, “houve instituições públicas que não perceberam bem o nosso modelo de negócio”.
Banco de dados de acesso “exclusivo” da Yango
Tal como todas as plataformas digitais, o acesso aos serviços de táxi por aplicativo é feito mediante um registo. A Yango dispõe de dois aplicativos, um destinado aos motoristas (Yango Pro) e outro aos passageiros (Yango). O aplicativo Yango Pro permite aos motoristas receberem, visualizarem e aceitarem pedidos de viagem (localização e destino dos passageiros, incluindo rotas), enquanto o aplicativo Yango destina-se à solicitação e partilha de viagens.
Para operar como motorista do aplicativo Yango, os interessados são obrigados a fornecer dados pessoais (nome completo, idade, contacto, entre outros, acompanhados de fotografia do Bilhete de Identidade), dados da carta de condução (acompanhada de uma fotografia do documento) e dados da viatura (marca, modelo, cor e matrícula). Por último, os motoristas devem enviar fotografias das suas caras, segurando a carta de condução para validação do registo.
Valério Conjo, de 33 anos de idade, é motorista Yango desde Dezembro de 2023 e conta que, para além dos dados fornecidos ao aplicativo no acto do registo, os motoristas são obrigados a enviar, semanalmente, uma fotografia meio-corpo como condição para aceder às viagens.
“O estranho aqui é a obrigatoriedade de o motorista colocar a sua foto e o passageiro não. Alguns passageiros colocam alcunhas no lugar dos seus próprios nomes. Alguns contactos registados no aplicativo, por vezes, estão fora de área”, descreve.
Zameer Adam explica que a obrigatoriedade de recolha dos dados deriva da natureza do serviço, que é económica e regulada por lei, pelo que, há necessidade de os condutores provarem que estão habilitados para a actividade e que as viaturas estão legalmente registadas. No entanto, “os passageiros não estão a exercer uma actividade económica, mas também são obrigados a registarem-se no aplicativo.
Para Conjo, o aplicativo protege os passageiros que os motoristas. A fonte diz que os passageiros têm a prerrogativa de usar alcunhas no seu registo, facto que não acontece com os condutores. Igualmente, os passageiros têm a possibilidade de obter todos os dados dos motoristas e das suas viaturas, porém, estes não têm acesso aos dados dos passageiros, sequer as suas caras. Também podem partilhar a rota da viagem com qualquer indivíduo sem o conhecimento do motorista.
“Não me sinto confortável com a partilha dos dados da minha viatura, mas é a única forma que o passageiro tem para identificar a viatura e o motorista. Também não me sinto confortável com a partilha do percurso da viagem sem o meu consentimento, pois, não sei com quem a pessoa está a partilhar e com que objectivo a pessoa está a partilhar o percurso”, defende Conjo.
“A Yango justifica como sendo uma medida de segurança para o passageiro e deixa de fora o motorista. Esta é mais uma prova de que a Yango não valoriza os seus motoristas, apenas está focado no cliente. Vejamos, se o motorista portar-se mal, há sanções (diminuição do nível de prioridade e, por vezes, suspensão de viagens). Se o passageiro não aceitar pagar pela viagem, recomenda-se o motorista a contactar o suporte, que nada faz! O motorista gasta tempo e combustível e, no fim, o passageiro recusa-se a pagar o valor na totalidade e, quando contactas o suporte, simplesmente ‘sente muito’ e nem sequer devolve as comissões [de 15% por cada viagem realizada] que cobra consoante o preço que o aplicativo mostra”, desabafa.
“Recebemos algumas destas reclamações, naturalmente. Qualquer motorista que perde alguma pontuação pode reivindicar esta situação com o nosso suporte, que tem no aplicativo para que haja alguma investigação para sabermos se o que aconteceu bate com o que o motorista diz”, afirma o Country Manager da Yango, em Moçambique.
Para Zameer Adam, não é verdade que a Yango privilegia os passageiros que os motoristas. “Nós temos a confiança de que a nossa plataforma é a que protege mais os motoristas e que também protege os passageiros. É a melhor opção no mercado, neste momento, caso contrário, não teríamos motoristas”, afirma, defendendo que quem não se sente à vontade com as condições impostas pelo aplicativo que deixe de fazer a actividade, visto que ninguém é obrigado a usá-lo.
Questionado sobre como a Yango tem tratado os dados dos usuários do aplicativo, Zameer Adam referiu que as políticas de privacidade da empresa foram criadas com base no Regulamento Geral de Protecção de Dados (GDPR, sigla em inglês) da União Europeia.
“Os dados são exclusivamente da Yango”, defende, garantindo que nem as empresas criadoras da Yango têm acesso aos dados dos moçambicanos. Aliás, à “Carta”, o Country Manager da Yango em Moçambique recusou-se a partilhar o local onde estão armazenados os dados “por motivos de segurança”. “Mas, caso haja um incidente, a Polícia pode solicitar a informação e indicar o motivo pelo qual se vai usar a informação”, sublinha.
“Os dados do motorista são partilhados segundo as normas em vigor em Moçambique e com base na aceitação dos próprios intervenientes. Portanto, cumprimos rigorosamente com todos os critérios, não só de Moçambique, mas com as melhores práticas internacionais”, realça.
Uber multada em 290 milhões de Euros na Holanda por violar políticas de dados
Refira-se que uma das empresas pioneiras dos serviços de táxi por aplicativo, no mundo, é a Uber, uma multinacional norte-americana que fornece serviços de transporte de passageiros, correio, entrega de alimentos e transporte de carga.
Sediada em São Francisco, no Estado da Califórnia, a empresa opera em cerca de 70 países, sendo considerada a maior companhia de compartilhamento de viagens do mundo, com mais de 150 milhões de usuários activos mensais e 6 milhões de motoristas e entregadores activos. A empresa foi criada em Março de 2009 e iniciou as suas operações em 2010.
Esta semana, a empresa norte-americana foi multada pela Agência para a Protecção de Dados dos Países Baixos (Holanda), em 290 milhões de Euros, por ter transferido dados de condutores europeus para os Estados Unidos da América. De acordo com a entidade, a Uber recolheu informações sensíveis sobre os seus condutores na Europa, tais como licenças de táxi, dados de localização e até dados médicos, e conservou-as em servidores norte-americanos.
Na verdade, este é mais um caso de violação de privacidade a envolver a Uber. Em Maio de 2014, a companhia norte-americana foi alvo de um ataque informático, que expôs nomes e números de placas de aproximadamente 50.000 motoristas em vários Estados, dos Estados Unidos. Já, em 2016, a empresa voltou a ser alvo de mais um ataque informático, em que 57 milhões de nomes, endereços de e-mail e números de telefone de clientes e motoristas foram comprometidos.
“Estamos em mais de 30 países e não tivemos nenhum incidente desta natureza, que eu saiba. Temos regras bastantes rigorosas sobre os dados. Nenhum colaborador da empresa pode aceder aos dados de motoristas ou passageiros sem um justificativo ou um pedido oficial”, defende.
“Somos a primeira plataforma digital, em Moçambique, a obter certificado de registo do Instituto Nacional de Tecnologias de Informação e Comunicação”, revela Zameer Adam, uma distinção conseguida em Maio último.
“Arrisco-me a dizer que somos uma das poucas plataformas digitais com este certificado, no ramo da mobilidade. Este certificado significa que nós cumprimos com todas as leis vigentes em Moçambique, relacionadas com plataformas digitais e a protecção de dados está inclusa. Todas as políticas da Yango cumprem estritamente a legislação vigente nas mais diversas matérias, entre as quais, a protecção de dados dos condutores e passageiros”, reitera.
A protecção de dados é um direito constitucional – INTIC
“Carta” contactou o Instituto Nacional de Tecnologias de Informação e Comunicação (INTIC), um órgão do Estado responsável por regular, supervisionar e fiscalizar o sector das Tecnologias de Informação e Comunicação, para perceber deste o seu nível de envolvimento na fiscalização e monitoria das plataformas que fornecem os serviços de táxi por aplicativo, sobretudo o ambiente legal em que operam, na ausência de uma lei de protecção de dados.
À nossa reportagem, o Presidente do Conselho de Administração do INTIC, Lourino Chemane, começou por esclarecer que a protecção de dados é um direito constitucional que assiste aos moçambicanos, estando previsto no artigo 71 da Constituição da República.
“Não é permitido o acesso a arquivos, ficheiros e registos informáticos ou de bancos de dados para conhecimento de dados pessoais relativos a terceiros, nem a transferência de dados pessoais de um para outro ficheiro informático pertencente a distintos serviços ou instituições, salvo nos casos estabelecidos na lei ou por decisão judicial”, defende o número três do referido artigo da “lei-mãe”.
Para além de ser um direito constitucional, defende Chemane, a protecção de dados está prevista igualmente na Lei de Transacções Electrónicas (Lei n.º 03/2017, de 09 de Janeiro), aprovada pela Assembleia da República, a 24 de Novembro de 2016.
“O título da lei chama-se lei de transacções electrónicas, mas o seu objecto visa assegurar a realização de transacções electrónicas seguras e com garantia de segurança jurídica. Portanto, é de protecção de dados, apesar de a lei não dizer”, garante a fonte, citando, entre outros artigos, o 63 da referida lei, que no seu número um estabelece: “qualquer recolha, processamento ou divulgação electrónica de dados pessoais por um controlador de dados deve ser preciso, completo e actualizado, sem prejuízo da sua confidencialidade”.
“Portanto, em Moçambique não há falta de legislação de protecção de dados”, defende Lourino Chemane, para quem a lei de protecção de dados em elaboração (cujo draft está no site do INTIC) visa ajustar a legislação moçambicana às recomendações da Convenção da União Africana sobre Cibersegurança e Protecção de Dados (adoptada em Malabo, na Guiné-Equatorial, em Junho de 2014, e ratificada pelo Governo, em 2019), que recomenda a existência de uma lei específica sobre a protecção de dados.
No entanto, Chemane admite que a Yango e outras plataformas digitais operavam no país sem qualquer registo, devido à falta de um regulamento de licenciamento, uma lacuna sanada pelo Governo, no ano passado, com a aprovação do Decreto n.º 59/2023, de 27 de Outubro, que aprova o Regulamento de Registo e Licenciamento de Provedores Intermediários de Serviços Electrónicos e de Operadores de Plataformas Digitais.
“O decreto entrou em força em Dezembro e a Yango e outras plataformas começaram a registar-se em Janeiro e, neste momento, temos 35 empresas registadas como operadores de plataformas digitais”, revela a fonte, sublinhando que aguarda apenas a aprovação do Diploma Ministerial Conjunto para iniciar o licenciamento das referidas empresas.
O Regulamento estabelece no seu artigo 64 que as entidades que à data da sua entrada em vigor sejam abrangidos, pela natureza das suas actividades, devem requerer, no prazo de 24 meses, a emissão da licença, pelo que, adverte Chemane, “quem não se conformar com esse regulamento, vamos mandar bloquear”.
No caso do registo da Yango, conta o PCA do INTIC, a instituição foi realizar uma auditoria, tendo constatado algumas lacunas. Uma das lacunas identificadas (em Janeiro) é o facto de a base de dados estar hospedada fora do país, um aspecto que deve ser corrigido para que a empresa seja licenciada, visto que a lei prevê que a base de dados esteja em Moçambique.
No entanto, tal como o Country Manager da Yango, o PCA do INTIC negou revelar o país em que as informações estão armazenadas, por questões de segurança, mas garante que, caso o problema não seja corrigido, a empresa não será licenciada.
Lourino Chemane enfatiza, contudo, que a preocupação do INTIC com a protecção de dados e cibersegurança não se limita apenas aos serviços de táxi por aplicativo, mas a todas plataformas digitais operadas no país, incluindo dos serviços financeiros e dos órgãos de comunicação social. (A. Maolela)