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segunda-feira, 29 abril 2019 07:02

Revisão da Lei do Trabalho: onde reside o “pomo da discórdia” entre o Governo e a CTA?

Há pouco mais de duas semanas houve aceso um “bate-boca” entre o Presidente da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), Agostinho Vuma, e a Ministra do Trabalho, Emprego e Segurança Social, Vitória Diogo, sobre a proposta de revisão da Lei do Trabalho (Lei n° 23/2007, de 01 de Agosto) aprovada pelo Governo a 05 de Março, e submetida à Assembleia da República (AR) no dia 15 do mesmo mês, para apreciação e aprovação.

Em causa estava uma alegada exclusão pelo Governo das propostas de alteração feitas pelos “empregadores”. Agostinho Vuma dizia que as propostas da sua organização não foram apreciadas pelo MITESS, mas Vitória Diogo defendia que a proposta reflectia as contribuições de todos os parceiros sociais, incluindo a CTA. A discussão azeda centrou-se mais sobre o processo e menos sobre o conteúdo. Mas afinal o que é diverge, em termos de conteúdo, as duas partes?

 

“Carta” está na posse da proposta submetida pelo Governo à AR. Também tivemos acesso ao parecer da CTA sobre a Lei do Trabalho, emitido em Junho de 2018, contendo as sugestões daquela Confederação que não encontraram acolhimento na proposta depositada no Parlamento. Com 80 páginas, o documento da CTA contém contribuições, comentários e análises que, na opinião daquela agremiação, podem melhorar o ambiente laboral em Moçambique.

 

Numa revisão que abrange 62 artigos da actual Lei, a primeira situação de “desencontro” entre a CTA e o Governo está no n°2 do artigo 2, sobre o âmbito de aplicação da futura Lei do Trabalho. O documento submetido à AR mantém a mesma redacção: “a presente Lei aplica-se também às relações jurídicas de trabalho constituídas entre pessoas colectivas de direito público e os seus trabalhadores, desde que estes não sejam funcionários do Estado, ou cuja relação não seja regulada por legislação específica”.

 

Entretanto, a CTA propôs que no texto se acrescentasse: “(…), desde que estes não sejam funcionários ou agentes do Estado regidos pelo Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado (EGFAE)”, como forma de distinguir claramente a aplicabilidade da Lei aos trabalhadores inseridos em entidades públicas, aos quais não se aplicam as regras do EGFAE.

 

A CTA também sugeriu que fosse revisto o n°1 do artigo 4, que versa sobre os princípios e interpretação do direito do trabalho. Segundo a CTA, era pertinente que se incluísse, para além da não discriminação do trabalhador com base na sua orientação sexual, raça ou por ser portador de HIV/SIDA, outras enfermidades de que possa resultar essa situação. Também era necessário, de acordo com a CTA, fazer-se referência a portadores de albinismo e deficiência física. No entanto, o documento depositado na “casa do povo” não inclui a revisão do artigo 4.

 

Outra sugestão alegadamente não satisfeita pelo Governo é a supressão da alínea d) do número 1 do artigo 11, que estabelece, entre os direitos especiais da mulher trabalhadora, que esta não deve ser despedida sem justa causa durante a gravidez e até um ano após o parto. Segundo a CTA, independentemente da condição, nenhum trabalhador deve ser despedido sem justa causa. Para a CTA, é importante clarificar-se as situações específicas em que o despedimento deve ser vedado, como nos casos que resultem de discriminação, sob pena de obrigar-se o empregador a manter trabalhadores sem necessidade. Assim, era necessário que o documento incluísse a seguinte redacção: “os direitos da mulher trabalhadora previstos na presente lei aplicam-se, com as necessárias adaptações, ao pai, incluindo nos casos de ausência da mãe ou quando esta se encontre impossibilitada de cuidar dela mesma ou da criança.”

 

Esta abordagem, conforme sustenta o parecer, permitiria eliminar a discriminação em função do género, fazendo com que o pai contribua no bem-estar da mãe e da criança quando a trabalhadora se encontre impossibilitada. No entanto, o governo manteve o texto, acrescentando apenas que a trabalhadora não deve ser despedida sem justa causa até ao “termo da licença de maternidade”.

 

Idêntica situação verifica-se na alínea c) do nº 1 do artigo 11, onde a CTA pede a clarificação sobre o período a partir do qual inicia a contagem do ano para a interrupção do trabalho diário para fins de aleitamento da criança. Na verdade, não está claro se tal período começa na data do parto ou quando a trabalhadora regressa ao trabalho após gozo da licença de parto.

 

Entende a CTA que o referido período deveria iniciar após o fim da licença por maternidade, não se aplicando às situações em que a trabalhadora acumula o período de licença com as férias anuais, nem as situações em que a entidade empregadora confira períodos de licença por maternidade maiores. Porém, esta alínea não será objecto de revisão. Aliás, quanto ao alargamento da licença de maternidade e paternidade a CTA defende que esta inovação deverá ser enquadrada no âmbito do Regulamento de Segurança Social Obrigatória sobre as remunerações, para não constituir encargo adicional aos empregadores.

 

Outra sugestão supostamente ignorada pelo Governo é a revisão do n° 2 do artigo 14 sobre as fontes de direito. Aqui, a CTA quer que “os códigos de boa conduta e os regulamentos internos, quando não violem as disposições imperativas da LT, constituam fontes de direito”. Todavia, o documento depositado no Parlamento refere que ainda continuam nulos os regulamentos internos e os códigos de conduta como fontes de direito.

 

Outra preocupação que não encontrou resposta no documento depositado na AR está relacionada com a indefinição do regime aplicável aos trabalhadores contratados a prazo incerto, sobretudo quanto à duração máxima do contrato e o critério de cálculo da indemnização devida.

 

As propostas “ignoradas” pelo Executivo não param por aqui. A CTA propôs igualmente a revisão do artigo 43, que fala sobre a renovação do contrato a prazo certo, sobretudo o n° 2. Este ponto refere que “na falta da declaração expressa a que se refere o número anterior, o contrato de trabalho a prazo certo renova-se por período igual ao inicial, salvo estipulação contratual em contrário”. Os empregadores entendem que, nos casos em que nenhuma das partes comunique a outra parte sobre a sua intenção de renovar o contrato, não deve haver renovação automática uma vez que as partes já previamente sabiam quando é que o contrato iria cessar.

 

A duração do período probatório também divide o governo e a CTA. Os empresários sugeriram que o período probatório de 180 dias fosse exclusivo aos trabalhadores com cargo de direcção, mas a proposta submetida à AR definiu que esse período também irá abranger os trabalhadores com nível superior, tendo revisto apenas o período probatório dos técnicos médios, que baixou de 180 dias para 90 dias.

 

Outro artigo que a CTA esperava que fosse revisto é o 107 sobre a licença sem remuneração. Os empregadores sugeriam que a nova Lei do Trabalho definisse os direitos e deveres do trabalhador durante o período da licença sem remuneração, bem assim os seus efeitos. Entretanto, o artigo não foi objecto de revisão.

 

A CTA sugeriu também que fosse revisto o nº 4 do artigo 78, que versa sobre a cedência ocasional do trabalhador. Os “empregadores” entendiam que este ponto estabelecesse que “verificando-se a inobservância dos pressupostos cumulativos da cedência ocasional do trabalhador, assiste ao trabalhador o direito de optar pela reintegração na empresa cedente, ou por uma indemnização calculada nos termos do artigo 128 da presente Lei, a ser paga pelo cedente e cessionário, de forma repartida”. Também não foi objecto de revisão.

 

Os empresários dizem ter proposto a inclusão, no artigo que versa sobre a pluralidade de empregadores, de uma disposição que estabeleça que esta norma é permitida para os trabalhadores estrangeiros nos mesmos termos em que é permitida para os trabalhadores nacionais, devendo usar-se o regime de contratação aplicável ao empregador que representa os demais no cumprimento dos deveres emergentes do contrato de trabalho. Porém, a proposta não diz nada sobre este ponto.

 

“Os artigos revistos são estruturais”, CTA

 

Na apresentação que exibiu nas audiências com a Bancada Parlamentar da Frelimo e a Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e Legalidade (CACDHL) da AR, a CTA defende que alguns artigos revistos são estruturais e implicam a revisão de vários outros preceitos, sob pena de haver contradições na própria lei.

 

Acrescenta que a aprovação da proposta poderá trazer um efeito adverso, no que se refere aos avanços alcançados com a implementação da actual Lei do Trabalho, destacando a redução dos benefícios concedidos às PME, o agravamento do regime de indemnizações e das condições de contratação de trabalhadores estrangeiros, a insegurança jurídica que poderá resultar da suspensão da contagem de prazos de prescrição de direitos, e o excesso de formalismo na condução de processos disciplinares.

 

Na audição com a Bancada Parlamentar da Frelimo, Agostinho Vuma disse que a Lei do Trabalho deve ser esclarecedora, actual, equilibrada e flexível, sem implicar qualquer desregularização, nem defender interesses de grupos específicos.

 

Na CACDHL, a CTA garantiu ter feito de tudo para conseguir consenso em todos os pontos, mas alguns deles “obrigaram a que se atracasse o ‘navio’ do processo de revisão da Lei do Trabalho no ‘porto’ do impasse”. Acrescentou a CTA que depois dos trabalhos na Comissão Consultiva de Trabalho solicitou ao MITESS a versão final do documento antes de ser enviada ao Conselho de Ministros, mas que o silêncio foi a resposta. (Abílio Maolela)

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