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segunda-feira, 19 fevereiro 2024 07:23

Empreiteiros de Cabo Delgado queixam-se de exclusão na reconstrução da província

Empreiteiros da província de Cabo Delgado queixam-se de exclusão no processo de reconstrução da sua província, no âmbito da reedificação e infra-estruturação dos distritos afectados pelos ataques terroristas. No centro da polémica estão as obras financiadas pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no âmbito do projecto de “Estabilização e Recuperação Imediata da Província de Cabo Delgado”, celebrado em Fevereiro de 2023 entre o Governo moçambicano e aquela agência das Nações Unidas, no valor de 20 milhões de USD.

 

Segundo os empreiteiros da província de Cabo Delgado, dos concursos lançados em 2023 para reabilitação e construção de edifícios governamentais, sistemas de abastecimento de água potável, escolas e centros de saúde, nos distritos de Quissanga, Macomia, Ibo, Mocímboa da Praia, Muidumbe, Nangade e Palma, o PNUD tem dado primazia às empresas provenientes da Cidade de Maputo que, no entender destes, não conhecem devidamente o terreno em causa.

 

Um dos projectos que intriga os empreiteiros de Cabo Delgado é o da construção de sistemas de abastecimento de água no distrito de Quissanga, cujos quatro lotes foram entregues à Adrinair Engenharia e Construção, Lda., empresa da capital do país, no valor total de mais de 4,6 milhões de USD.

 

Os empreiteiros de Cabo Delgado questionam a lógica usada pelo PNUD para adjudicar aquelas obras à Adrinair, visto que esta apresentou, em três lotes, valores mais altos do concurso. No referido concurso, refira-se, participaram três empresas de Cabo Delgado, nomeadamente, a Construsoyo Moçambique, Lda., a Koral Mozambique e a CONSINFRA – Construção de Infra-estruturas, Lda.

 

Para os empreiteiros da província de Cabo Delgado, os fundos do PNUD eram vistos como uma lufada de ar fresco, porém, para eles, as adjudicações indiciam esquemas de corrupção. Por isso, pedem aos doadores (Reino dos Países Baixos e União Europeia) para realizarem uma sindicância junto ao escritório daquela agência das Nações Unidas, em Pemba, com vista a apurar a lógica usada para adjudicação massiva daquelas obras às empresas da Cidade de Maputo e a um preço muito elevado.

 

Para além de se dar prioridade às empresas da capital do país, os empreiteiros da província de Cabo Delgado queixam-se também da existência de muita burocracia no processo de contratação das empresas, caracterizada por exigências superiores às capacidades das empresas daquela província. Uma das exigências que não pode ser satisfeita pelas empresas daquela província do norte do país, dizem, é a apresentação de contas auditadas, na medida em que requer realização de auditorias, um requisito que consideram oneroso e que só está ao alcance de empresas de nível internacional.

 

Refira-se que um dos critérios de elegibilidade fixados pelo PNUD nos concursos em referência é a apresentação de relatórios financeiros de auditoria e folhas de conformidade. Também fazem parte dos requisitos preliminares a apresentação do cronograma das actividades, do curriculum vitae do pessoal-chave, a confirmação da disponibilidade de equipamentos e garantia financeira.

 

Nos documentos do concurso a que “Carta” teve acesso, o PNUD sublinha que tais requisitos são exigidos individualmente às empresas concorrentes, mesmo em situações de joint venture. Isto é, cada empresa que compõe o consórcio deve reunir estes critérios básicos para que o grupo seja elegível às obras em causa.

 

São outros critérios de elegibilidade e de qualificação: o registo legal da empresa; não estar em situação de conflito de interesse; não estar em situação de falência; não apresentar um histórico de incumprimento de um contrato nos últimos três anos; não haver decisões judiciais contra a empresa nos últimos três anos; não estar na lista negra das agências das Nações Unidas; e ter implementado um mínimo de dois contratos idênticos aos do concurso nos últimos 10 anos.

 

Os empreiteiros de Cabo Delgado dizem que reúnem grande parte destes requisitos, incluindo o da garantia financeira. O grupo denuncia ainda atrasos no pagamento de facturas de obras por si executadas, que chegam a ficar mais de oito meses sem receber o dinheiro.

 

À “Carta”, os empreiteiros da província de Cabo Delgado revelam já terem solicitado reuniões com o Secretário de Estado da província de Cabo Delgado para apresentar estas questões, mas este tem-se furtado ao encontro. “Caso não haja resposta satisfatória às nossas inquietações, medidas adicionais serão tomadas, incluindo o bloqueio da entrada de Pemba com máquinas e camiões num raio de 1 Km até à resolução do problema”, ameaçam.

 

Nosso procurement baseia-se nos princípios de justiça, integridade e transparência - PNUD

 

Contactado para reagir aos factos narrados pelos empreiteiros, o escritório do PNUD, em Pemba, capital da província de Cabo Delgado, garantiu que os seus procedimentos de procurement são baseados nos princípios de justiça, integridade, transparência e concorrência efectiva.

 

“No contexto dos concursos de reconstrução em Cabo Delgado, o objectivo principal é acelerar o processo de recuperação dos distritos mais afectados pelo conflito. A selecção dos empreiteiros é meticulosamente conduzida através de processos de concurso competitivo, garantindo um tratamento equitativo e transparência em todo o processo. O PNUD está empenhado em tomar decisões imparciais com base na proficiência e capacidade técnicas, com o objectivo global de promover esforços de reconstrução eficazes”, defende a organização, sublinhando haver canais para que os concorrentes obtenham esclarecimentos sobre a sua desqualificação.

 

À “Carta”, o PNUD diz reconhecer a importância do envolvimento das empresas de Cabo Delgado no processo de reconstrução da sua província, porém, explica que existem requisitos básicos que a organização adopta globalmente para garantir que a qualidade técnica seja cumprida e que o preço mais baixo seja também assegurado.

 

A organização esclarece igualmente que se tem esforçado para simplificar os seus processos de trabalho, mas sublinha a necessidade de “cumprir as suas regras e regulamentos globais, que são também objecto de auditorias independentes”.

 

“O PNUD adoptou medidas para simplificar os procedimentos para as Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPME). São fornecidas considerações e apoio especiais para aliviar os encargos financeiros relacionados com a auditoria, garantindo uma participação mais alargada e reduzindo as barreiras para as empresas locais. Além disso, o PNUD tem realizado uma série de workshops desde o ano passado em diferentes províncias para apoiar potenciais concorrentes no processo de apresentação de casos e participação em concursos públicos”, detalha.

 

Quanto aos atrasos no pagamento de facturas, aquela agência das Nações Unidas garante estar empenhada no pagamento atempado dos empreiteiros, sendo que, em condições normais, o pagamento ocorre num prazo de 30 dias, a contar da data da recepção e aceitação completas das obras, bens ou serviços, com o apuramento da equipa envolvida na factura apresentada.

 

“Podem ocorrer atrasos no pagamento devido a fases incompletas especificadas nos contratos pelo contratante, mas o PNUD está a trabalhar activamente com cada um dos contratantes para garantir apoio e que os obstáculos sejam ultrapassados. Do lado do PNUD, são envidados esforços para acelerar as aprovações e os desembolsos, assegurando que os contratantes recebam prontamente os pagamentos pelos seus projectos concluídos”, salienta. (A. Maolela)

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