Quando faltam pouco mais de 11 meses para o fim do segundo e último mandato, os raptos e sequestros continuam a marcar o reinado de Filipe Jacinto Nyusi, uma tipologia criminal que se encontra instalada no país há 13 anos e que, nestes últimos quatro anos, levou o Chefe de Estado a trocar, por três vezes, do Ministro do Interior.
Ontem, a cidade de Maputo voltou a testemunhar a ocorrência de mais um rapto, cuja vítima foi, mais uma vez, um empresário de origem asiática (os principais alvos do grupo) que se dedica à venda de bebidas alcoólicas e de refrigerantes. O crime ocorreu pelas 8h30m, na Rua Samuel Dabula, no famoso bairro militar (pela venda e consumo de drogas), a menos de 50 metros do Quartel da Casa Militar, a guarda presidencial moçambicana.
Tratou-se, na verdade, do segundo sequestro a ser registado na capital moçambicana em 2024 e o quinto, desde que Pascoal Ronda foi nomeado Ministro do Interior. Lembre-se que Ronda chegou ao comando do Ministério do Interior em Agosto de 2023 com a missão de combater este tipo de crime, que deixou de cócoras os seus antecessores: Arsénia Massingue (Novembro de 2021 a Agosto de 2023) e Amade Miquidade (Janeiro de 2020 a Novembro 2021). Porém, as novas incursões fazem antever mais um fracasso.
Só nestes 43 dias de 2024, o país já registou a ocorrência de dois raptos e a frustração de um. O primeiro rapto de 2024 ocorreu pelas 8h do dia 20 de Janeiro, tendo sido vítima Mohammed Hussein, um dos donos dos Armazéns Atlântico que, curiosamente, foi a primeira vítima deste tipo de crime, em Junho de 2011.
O crime teve lugar quatro dias depois de populares terem frustrado uma tentativa de rapto, na Avenida Filipe Samuel Magaia, na Cidade de Maputo, com recurso a pedras e paus. O alvo saía de uma mesquita e dirigia-se ao seu local de trabalho.
Aliás, as pedras e paus também foram responsáveis pela frustração de um rapto em Novembro de 2023, quando o grupo tentava sequestrar o proprietário de uma loja de têxtis, na Avenida 24 de Julho. Os raptores chegaram a balear a perna da vítima, mas as “pedradas” foram suficientes para livrar o indivíduo dos malfeitores.
Refira-se, aliás, que o mês de Novembro foi o mais intenso da indústria de raptos nos seis meses de “reinado” de Pascoal Ronda, com o registo de dois raptos e a frustração de outros dois. Para além do empresário do ramo têxtil salvo com pedras e paus, o conhecido empresário do ramo de transportes Junnaid Lalgy escapou, no dia 08 de Novembro, de uma tentativa de sequestro, no Município da Matola. Os raptores tentaram bloqueá-lo à saída de uma Mesquita na N4, mas terá sido bravo o suficiente para desfazer-se do bloqueio e escapar incólume.
No entanto, naquele mês, dois indivíduos foram raptados: uma luso-moçambicana, no dia 01 de Novembro, e um empresário moçambicano ligado ao ramo automóvel, no dia 17 do mesmo mês. A luso-moçambicana ficou no cativeiro durante 50 dias.
Os dois raptos ocorridos em Novembro foram executados pouco mais de 30 dias depois de se ter registado o primeiro sequestro na “era Ronda”, ocorrido a 27 de Setembro, na baixa da Cidade de Maputo, cuja vítima também foi um empresário de origem asiática.
Discursando na Assembleia da República, em Novembro passado, o Ministro do Interior propôs a realização de uma nova reflexão em torno dos raptos, agora envolvendo não só agentes da Polícia, do SISE (Serviço de Informações e Segurança do Estado) e do SERNIC (Serviço Nacional de Investigação Criminal), mas também magistrados judiciais e do Ministério Público, deputados e governantes.
“O crime de raptos, apesar dos esforços do Governo para o seu combate, sugere uma nova reflexão com envolvimento de todos os actores, nomeadamente, do poder legislativo, executivo e judicial para resolver o problema de forma mais adequada, apropriada e eficaz”, propôs o titular da pasta do “Interior”.
A proposta de Pascoal Ronda chegou três anos depois de o Presidente da República ter anunciado a criação de uma unidade anti-raptos, com objectivo de combater este tipo de crime. “Não nos podemos dar por satisfeitos enquanto se registarem raptos com o intuito de extorsão, criando um clima de insegurança na classe empresarial. Como Governo, não descartamos e instruímos já a possibilidade de criar uma unidade anti-raptos”, prometeu Nyusi, em Dezembro de 2020.
Até hoje, a referida unidade ainda não foi criada e, no passado dia 3 de Fevereiro, o Presidente da República disse haver “grupos diversificados” que “foram e continuam a ser formados fora e dentro do país”. Sem data e sem qualquer luz no fundo do túnel para a eliminação deste mal, os raptos continuam a semear terror na comunidade empresarial e a fabricar milhões de dólares norte-americanos para os mandantes, que nunca foram localizados desde 2011.
Nas contas da Confederação das Associações Económicas de Moçambique, até 31 de Dezembro de 2022, o crime de raptos tinha rendido mais de 2.2 mil milhões de Meticais aos criminosos. “Não temos o número vertiginoso relativo à exportação e fuga de capitais temendo esse fenómeno”, afirmou Agostinho Vuma, em Fevereiro de 2023, durante a realização do IX Conselho de Monitoria do Ambiente de Negócios (CMAN).
Dados do Chefe de Estado indicam que, de Janeiro de 2023 a Janeiro de 2024, as autoridades moçambicanas detiveram 38 indivíduos envolvidos nos raptos, dos quais três sul-africanos. Disse ainda que neste período houve registo de 13 casos de raptos, sendo que sete foram consumados e seis foram abortados pela Polícia. Também foram resgatadas pelo menos três vítimas. (A.M.)