A Frelimo negou ontem que esteja a enfrentar uma crise interna, reagindo a uma carta de Graça Machel que alertou para a “captura da máquina administrativa do partido” por membros que o afastaram do seu “sentido e razão de ser”.
“A nossa perspetiva [para as eleições gerais de 11 de outubro] era ganhar em todas 65 autarquias. Não conseguimos 65, conseguimos 64. É difícil dizer que estamos em crise com uma vitória como esta”, declarou Ludimila Maguni, porta-voz do partido, citada hoje pelo canal privado STV.
Em causa está uma carta escrita pela ativista social moçambicana e membro sénior do partido Graça Machel, na qual a viúva do primeiro Presidente moçambicano, Samora Machel, defende que a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder, deve “reconhecer honestamente as derrotas” e “pedir desculpas ao povo”, considerando que a organização foi “assaltada por um grupo minoritário”.
“A humildade a que me refiro passa necessariamente por reconhecer os erros cometidos pela Frelimo e, se necessário, pedir desculpas” e “passa por nos distanciarmos do grupo minoritário que assaltou parte da máquina do partido”, refere Graça Machel, numa carta a que a Lusa teve hoje acesso.
Para a porta-voz da Frelimo, o posicionamento de Graça Machel representa a sua opinião particular, considerando que existem locais apropriados para debater a saúde do partido no poder desde a independência em Moçambique (1975).
“Somos todos membros de uma grande família e a grande família sabe onde é que são os locais apropriados para discutir aquilo que está mal e como é que, em conjunto, podemos corrigir”, declarou a porta-voz do partido.
Ludimila Maguni salientou que existem órgãos apropriados para avaliar a proposta de Graça Machel e de outros históricos sobre a “realização urgente de uma reunião nacional de quadros para uma reflexão, de forma aberta, da vida do partido”.
“Se acharmos que há necessidade de realização de uma reunião de quadros, o partido tem os órgãos apropriados que tomam as decisões”, frisou a porta-voz da Frelimo, acrescentando que nas denúncias que alertam para existência de “infiltrados” no partido é necessário que sejam apontados os nomes para que os órgãos internos façam “diligências”.
Grupos de observação eleitoral, sociedade civil, partidos da oposição e várias figuras consideram que as eleições autárquicas de 11 de outubro foram fraudulentas, favorecendo a Frelimo, que ganhou em 64 das 65 autarquias do país.
Para Graça Machel, “a inércia, inação e complacência dos quadros [do partido] permitiu que se gerasse e consolidasse a narrativa de que a Frelimo é formada por ladrões, assassinos e arrogantes”.
Na segunda-feira, o ex-Presidente moçambicano Joaquim Chissano afirmou que os assuntos da Frelimo, partido que liderou, devem ser tratados internamente, e que só vai comentar o processo eleitoral autárquico depois das decisões finais do Conselho Constitucional.
“Assuntos da Frelimo, em sede própria, não é aqui. Porque aqui estou a falar para a América, estou a falar para Austrália, não. Eu quero falar com os moçambicanos, em Moçambique, e sobretudo para os membros da Frelimo, portanto não é aqui”, afirmou Chissano, questionado pelos jornalistas sobre as críticas internas no partido no poder ao processo envolvendo as eleições autárquicas de 11 de outubro.
“Este assunto, eu vou começar a pensar nele depois de ouvir o que vai dizer o Conselho Constitucional. Por enquanto estou em silêncio. E quando ouvir o Conselho Constitucional então vou saber. Porque eu não gosto de agir com precipitação”, disse ainda Chissano, chefe de Estado de 1986 a 2005.(Lusa)