O Governo atingiu em Junho deste ano o limite de contrair mais dívida pública no sistema financeiro nacional, mas numa altura em que a despesa pública é bastante elevada e com uma fraca colecta de receitas, opta por ultrapassar os limites por si estabelecidos, endividando-se ainda mais.
Economistas ouvidos por “Carta” defendem que tal acontece porque o Executivo já não tem opção. Contudo, afirmam que a atitude do Governo irá afectar a economia no sentido macro, as empresas e, principalmente, as famílias pobres.
Trata-se de João Mosca e Egas Daniel, economistas com larga experiência na área e na academia como docentes de universidades nacionais. Eles foram unânimes ao afirmar que, se o Governo continua a endividar-se internamente, apesar de em meados de Agosto passado ter afirmado que atingiu limite estabelecido para este ano, é porque não tem alternativa para fazer face a cada vez mais elevada despesa pública, numa altura em que a cobrança de impostos não traz bons frutos.
Os pronunciamentos dos economistas acontecem depois de o Banco de Moçambique alertar que, até Setembro último, o endividamento público interno, excluindo os contratos de mútuo e de locação e as responsabilidades em mora, situavam-se em 321,1 mil milhões de Meticais, o que representa um aumento de 46,0 mil milhões em relação a Dezembro de 2022.
Sobre os motivos do contínuo endividamento, os entrevistados afirmam que o Governo não tem dinheiro para fazer face à despesa pública, pressionada principalmente pela implementação da Tabela Salarial Única. Aliado a isso, Egas Daniel acrescentou as acções para a materialização das VI eleições autárquicas da próxima quarta-feira, 11 de Outubro, bem como o esforço do Governo em cumprir com o Plano Quinquenal (2020-2024), pois restam menos de 15 meses para a prestação de contas.
Para os nossos interlocutores, o Governo tem muita despesa numa altura em que a colecta de impostos é muito baixa e, como consequência, as receitas não conseguem cobrir todos os gastos públicos. Para Daniel, a fraca arrecadação de receitas decorre num contexto de crise que levou o mesmo Governo a aprovar, em Agosto de 2022, um conjunto de 20 medidas num Pacote de Aceleração Económica (PAE).
Apesar de ser bem-vindo às empresas, o economista anotou que o PAE também afecta a arrecadação de receitas aos cofres do Estado. Defendeu-se explicando que, de entre várias medidas, o Governo determinou no PAE a redução do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), de 17%, para 16% e outros incentivos que baixaram a capacidade do Governo em colectar receitas.
O economista apontou ainda a diferença entre o tempo em que as empresas pagam os impostos e os dias em que o Governo paga salários, por exemplo. “Geralmente as empresas pagam os seus impostos no fim do mês, mas o Governo começa a processar os salários, em meados de cada mês”, explicou Daniel.
Para João Mosca, contribui para a fraca arrecadação de receitas o facto de o Governo conceder incentivos fiscais, principalmente às grandes empresas multinacionais que operam no país.
Além disso, os economistas concordam que a falta de apoio por parte de doadores também afecta grandemente para a pressão que o Governo verifica na gestão da despesa pública. Sobre a fraca contribuição dos doadores, o Governador do Banco de Moçambique disse recentemente que tal se deve ao facto de os parceiros estarem “cansados, só que não dizem” e que o país devia começar a poupar seriamente as receitas de gás natural liquefeito.
Consequências
Os economistas são unânimes ao afirmar que o sobreendividamento traz consequências graves, para economia no geral, para as empresas e famílias, de modo particular. João Mosca explicou que o maior endividamento do Estado irá enxugar recursos financeiros que poderiam ser aplicados pelas empresas para produzir e abastecer a economia em bens e serviços. Acrescentou que, face à escassez de recursos no mercado financeiro, haverá pouco investimento privado em novos negócios e, quando é assim, não há novos empregos. Sem novos negócios e emprego, o Governo não tem como cobrar impostos e incrementar a receita aos cofres do Estado.
Num outro desenvolvimento, Mosca explicou que o endividamento irá proporcionar o Governo maior liquidez, facto que causará uma subida generalizada de preços (inflação), pois com maior circulação de dinheiro, irá aumentar a procura por produtos e serviços que a economia não consegue satisfazer cabalmente por não produzir o suficiente, por não haver investimento.
Com a inflação instalada, a nível macroeconómico, o Governo estará a lutar contra a política monetária levada a cabo pelo Banco Central, cujo principal objectivo é a redução de preços. Em última análise, o economista apontou que, com os preços de produtos e serviços elevados, os pobres (a maioria) serão os mais afectados, porque o seu poder de compra estará reduzido.
Mosca disse ainda que o maior endividamento mancha o nome do país a nível internacional, pois diferentemente de países desenvolvidos, como é o caso dos Estados Unidos da América, Moçambique não tem capacidade de pagar a dívida porque a produção da sua economia é fraca.
Por fim, os economistas foram unânimes ao afirmar que se hoje o Governo está sem opções para financiar sua despesa, no futuro poderá continuar a endividar-se acima do limite para satisfazer necessidades inadiáveis, como salários na função pública. (Evaristo Chilingue)