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BCI
quarta-feira, 03 abril 2019 07:48

Beira: E depois do… IDAI?

Passados os piores momentos do “dilúvio”, na Beira, está na hora de “lamber as feridas” – que é como quem diz, fazer contas à vida. Em todos os sentidos: enterrar os mortos, tratar dos feridos, recuperar infra-estruturas e, sobretudo, saber como, sabiamente, se podem extrair lições do que aconteceu e está a acontecer. Nem parece que se passam já 15 dias. É como tudo tivesse sucedido ontem. Muita gente ainda não “despertou do pesadelo”. Se por mais não seja, porque a malária e sobretudo as doenças diarreicas eclodem um pouco por todo o lado.

 

Neste momento são escassas as famílias que se podem vangloriar de não possuir pelo menos um dos seus membros acossados por uma enfermidade qualquer – seja cólera, malária, ou no mínimo, uma gripe… Por essa razão, o Ministério da Saúde (MISAU) lançou, esta segunda-feira, um programa alargado de vacinação contra esta (última) epidemia, da qual já havia registo de 5 óbitos, dos 271 casos diagnosticados – dados actualizados na manhã do mesmo dia.

 

Entretanto, as autoridades sanitárias tem-se movimentado, igualmente, noutras direcções. Para além de brigadas móveis espalhadas pelos bairros da capital sofalense (com especial incidência nos mercados e feiras), foram distribuídas 325 mil redes mosquiteiras, não só na Beira, mas também nos distritos do Buzi, Dondo e Nhamatanda.

 

Nessas áreas, o MISAU está a levar a cabo um amplo mapeamento das fontes de água nas potenciais zonas de risco, dado que as populações tendem a regressar às suas zonas de origem. Neste quesito, o distrito tem estado a ser alvo de atenção redobrada - Buzi – não só na vila sede, mas também em Guara-Guara – uma vez que, como é sabido, durante muitos dias depois da passagem do IDAI, sequer havia meios aéreos para lá chegar.

 

Voltando concretamente à cidade da Beira, importa salientar que foram montados “hospitais de campanha” espalhados um pouco por toda a urbe, sendo, provavelmente, o da Ponta-Gêa, aquele que merece maior destaque (localização e capacidade de atendimento). Aliás, o mesmo foi inaugurado justamente esta segunda-feira – debaixo do que sobrou do Pavilhão dos Desportos da Beira – e conta com a ajuda de especialistas cubanos, acabados de chegar ao país.

 

Aliás, na senda da solidariedade para com as populações atingidas, não param de chegar apoios, provenientes dos quatro cantos do mundo, sendo normal assistir-se a um movimento desusado de aeronaves que aterrissam e/ou partem do Aeroporto Internacional da Beira. Na sequência disso, é visto tratar-se de uma situação de todo imprevista, graves problemas logísticos tem vindo a registar-se a todos os níveis: desde a falta de unidades hoteleiras/quartos, aos transportes, passando, igualmente, pela falta de pessoal (técnico especializado), ou simplesmente de pessoal de apoio – tal é caso de tradutores e intérpretes.

 

As “politiquices” do costume?...

 

A 27 de Março, portanto treze (13) dias depois da tragédia, o Presidente da República deslocou-se à Beira para se solidarizar com as vítimas do IDAI. “Só depois de 13 dias???...” – questionaram, estupefactos, os críticos; “Sim! É que Sexa tinha outras prioridades…” – responderam os “falangistas” do sistema…

 

Na verdade, hoje, pode parecer extemporânea a crítica, mas a mesma não deixa de subir de tom a nível da cidade da Beira. Será que há (veria) outra prioridade maior, para um Chefe de Estado, do que o seu povo a sucumbir face às intempéries? Não tinha o PR como cancelar toda a espécie de compromissos antes assumidos para estar presente no local, logo a seguir à tragédia – sabendo-se, ainda por cima, que estamos em ano eleitoral, e que mais dia-menos dia, ele cá retornará a pedir votos?

 

Outra figura largamente contestada, nos dias que correm, por estas bandas, é Armando Guebuza – antigo Chefe de Estado – que tanto “arvorava” o discurso do “maravilhoso povo” moçambicano, mas que, na hora da verdade, nem A, nem B… É, entre este tipo de críticas ao poder central – e particularmente aos dirigentes da Frelimo – e ao facto de o edil Daviz Simango aparecer, publicamente, em mangas de camisa, quando recebe individualidades, que se vai fazendo a “politicagem” na Beira, no rescaldo do IDAI…

 

Oportunismo e… estórias do “arco da velha”

 

Para lá de se chorarem as perdas humanas, de se tratarem e/ou prevenirem as epidemias subsequentes, e para lá – quiçá – do longo e penoso processo da reabilitação gradual de toda uma panóplia de infra-estruturas, eis que vão surgindo relatos de situações caricatas (umas tristes e outras anedóticas) que se passaram, ou se vão passando na capital provincial de Sofala.

 

É escusado dizer que do meio desta “amálgama” de carências e problemas aparecem sempre os aproveitadores, os burladores, os “abutres” que se alimentam da desgraça alheia. Como é sabido, há muita gente que perdeu tudo.

 

E é para essas pessoas que foram criados os Centros de Apoio onde, para além da acomodação, são igualmente distribuídos “kits” alimentares – na maior parte dos casos constituídos por uma refeição quente, durante o dia, e por pão/bolachas, no período noturno. Ora, acontece, porém, que também há gente que não perdeu coisa alguma. E desse rol de oportunistas, muitos (geralmente senhoras) levam os seus filhos e dirigem-se aos supracitados Centros de Apoio, onde recebem tanto o almoço como o jantar, e no final do dia… regressam normalmente às suas casas.

 

Conforme foi amplamente divulgado, o ciclone IDAI teve dois momentos distintos: num primeiro, as rajadas de vento sopraram a uma velocidade um pouco acima dos 100 Km/h. Algum tempo depois, num segundo momento, os ventos mudaram de direcção e atingiram uma velocidade próxima dos 200 km/h.

 

Num dos relatos mais surpreendentes que ouvimos até agora, um habitante contou que o telhado (com os respectivos pregos) de um armazém, no Bairro Vaz, foi completamente arrancado, pela força da primeira rajada de vento, tendo o mesmo caído num dos lados do imóvel. Entretanto, quando veio a segunda rajada – a mais forte – soprando na direcção contrária, o mesmo telhado voou, indo cair justamente por cima do mesmo armazém… Ou seja, voltou à posição original. Uma outra habitante, que encontramos numa fila para os testes da malária, descrevia – com a habitual graça que caracteriza os beirenses – como tudo aconteceu na trágica noite de 14 de Março:

 

“Quando IDAI começou, desligaram água, energia e rede de celular. Depois veio aquela primeira rajada de vento: era mulher dele. Não causou tantos estragos. Só depois, quando apareceu marido dele… yuh… aí foi desgraça total!”… (Homero Lobo)

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