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quinta-feira, 06 setembro 2018 14:11

Lusaka e Mafalala

Amanhã, quando se celebrar o Dia da Vitória, o significado profundo do 7 de Setembro no imaginário das novas gerações estará ausente. A maioria sabe pela historiografia oficial mais difundida do dia como um daqueles em que a Frelimo finalmente assinou os Acordos de Lusaka, mas poucos sabem da resistência de centenas de jovens que, na antiga Lourenço Marques, antes da Frelimo chegar, se barricaram contra o último reduto urbano e reacionário do colonialismo. O dia não é apenas o da vitória das armas. Não, não foi apenas isso. Havia as armas dum vento que soprava do norte, empunhadas sem balas por uma fornada de jovens nacionalistas que, mobilizados pela luta e sem procuração passada, fizeram também a sua quota-parte pela independência deste país. Mas o que aconteceu realmente a 7 de Setembro de 1974, aqui no hoje Maputo?


Álvaro Carmo Vaz, o nosso catedrático das engenharias, partilha, de quando em vez, com seus amigos mais chegados um conjunto de crónicas onde comenta, com tamanha erudição e intelecto, sobre tudo um pouco: sociedade, política e cultura. Daqui e do mundo. Há dias, ele escreveu um breve texto de memória sobre a data. Arrisco, sem sua autorização, partilhá-lo:

”7 de Setembro, um dia de sol e sombra. Nos dias anteriores, os fascistas tinham-se feito à rua em Lourenço Marques, desfilavam de carro, em cortejo, ostentando a bandeira de Portugal, fazendo ouvir o hino, ar agressivo. Tinham apedrejado o edifício do Notícias, jornalistas foram agredidos, a sede dos Democratas de Moçambique foi incendiada, o self onde os estudantes universitários se reuniam ficou com as montras partidas a tiro e pedradas, perante a passividade da polícia. Toda a noite e madrugada, os cortejos de carros não pararam, cada vez mais ameaçadores. Na manhã de 7 de Setembro, estávamos no comício da Machava, aguardando ansiosamente pela confirmação de que, em Lusaka, tinha sido assinado, entre a Frelimo e o governo português, o acordo para a Independência. Quando a notícia foi difundida, foi uma fantástica explosão de alegria. Poucas horas depois, era o golpe: os fascistas tinham tomado conta do Rádio Clube e do aeroporto, ameaçavam a torto e direito, os Dragões da Morte liam nomes (de gente dos Democratas de Moçambique, da Associação Académica, de jornalistas) que deviam ‘ser apanhados’, que ‘iam pagar caro’. Foram três dias de angústia, com centenas ou milhares de moçambicanos assassinados nos subúrbios, até à golpada ser liquidada. É uma história que, felizmente, está contada, nos livros de Aurélio Le Bon e do jornalista português Ribeiro Cardoso”.

Há, pois, Lusaka, onde Samora Machel assina pela Frelimo. Mas há também a Mafalala profunda. Sim a resistência anti-colona em Lourenço Marques quando, nas vésperas de 7 de Setembro, alguns reacionários tentavam travar o curso da história, teve por base a casa de Nuno e Teresa Caliano da Silva, localizada no coração do emblemático bairro. À volta do casal, se organizaram centenas de jovens, preparados para o que desse e viesse se Lusaka falhasse. Aurélio Le Bon publicou em 2015 o derradeiro documento testemunhal dos momentos vividos nas vésperas do 7 de Setembro. Chamou-lhe “Mafalala 1974-Memórias do 7 de Setembro. A Grande Operação”. Le Bon foi quem subiu aos estúdios da Rádio e leu a senha “Galo, Galo amanheceu”. Estava tudo controlado. E foi-se celebrar na Machava.


Uma súmula do seu livro (de Le Bon) reza assim: “Mafalala era, como dizem os atores da operação, a Base Central. O veterano da luta clandestina, Nuno Caliano da Silva e sua esposa Teresa Caliano da Silva, ofereceram e fizeram da sua modesta casa o centro da planificação da resistência à insurreição colona. Ali traçaram-se planos e organizaram-se estratégias. Para ali reuniu-se o equipamento militar recolhido em vários pontos da cidade, incluindo quartéis. Ali foram formados os grupos de patrulha para proteger os subúrbios dos ataques dos Dragões da Morte. Dali saíram os planos para as barricadas às principais entradas da cidade. Para ali corriam e encontraram refúgio alguns membros dos Democratas de Moçambique e estudantes universitários visados pelos Dragões da Morte. E foi da Mafalala que saíram os jovens que ajudaram a recuperar a Rádio Clube e lançaram a senha Galo, Galo Amanheceu”.


O 7 de Setembro é, pois, uma data fundamental porque também é a única que não coloca a luta das armas na frente de combate no centro da história da libertação de Moçambique. O historiador moçambicano Benedito Machava, que recentemente se doutorou na Universidade do Michigan com uma dissertação sobre os campos de reeducação da Frelimo, é um dos poucos que se embrenhou na compreensão desta faceta da luta anti-colona que teve apogeu na data que se celebra. No seu artigo “Galo amanheceu em Lourenço Marques: O 7 de Setembro e o verso da descolonização de Moçambique” (Revista Crítica de Ciências Sociais, P.53/84, Lisboa), ele faz um relato factual sobre os acontecimentos para descrever “a trajetória das elites africanas urbanas que lideraram o grupo de resistência (conhecido como grupo Galo), e o desenvolvimento de um imaginário político marcadamente moderado, fruto das circunstâncias específicas do meio urbano onde sempre operaram. O seu papel foi determinante na proteção das populações africanas contra o terrorismo dos insurrectos, bem como na recuperação do Rádio Clube de Moçambique, evitando deste modo o escalar da violência em Lourenço Marques”.

Em 7 de Setembro também se celebra a resistência centrada na Mafalala. Para que conste cada vez...

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