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quinta-feira, 25 maio 2023 07:28

Relatório da Total vale pela reputação de quem o escreveu, não pelo seu conteúdo – Elísio Macamo

elias Macamo min

Começam a surgir as primeiras reacções ao relatório de avaliação da situação humanitária na província de Cabo Delgado, produzido pelo especialista francês em áreas de acção humanitária e de direitos humanos, Jean-Christophe Rufin, a pedido da petroquímica francesa, TotalEnergies.

 

Uma das reacções vem da Suíça, através do sociólogo Elísio Macamo, que considera o documento válido apenas pela reputação do seu autor e não do conteúdo que nele consta. Em causa estão as análises sociais e de desenvolvimento feitas pelo especialista que, no entender do sociólogo moçambicano, colocam em causa o sentido de Estado e até a soberania do país.

 

Num comentário publicado na sua conta do Facebook, Macamo defende que a multinacional francesa está em vias de “tomar” a região de Afungi a Mocímboa da Praia, beneficiando-se, para o efeito, da ausência de sentido de Estado e projecto de país por parte do Governo.

 

“Para quem se preocupa com a integridade territorial de Moçambique e sua soberania, é assustador na maneira como ele [o relatório] simplesmente ignora o Estado e a importância que a sua construção tem para a própria estabilidade do investimento”, defende o académico.

 

Para Elísio Macamo, a Total vai desencadear um processo “que pode levar à secessão [cisão de um território] de Cabo Delgado”, pelo que, na sua óptica, o Governo não devia aceitar a retoma da exploração do gás natural nos moldes sociais e humanitários propostos pelo relatório “para não perder a sua soberania”.

 

O sociólogo moçambicano afirma, por exemplo, que em relação ao desenvolvimento local, o relatório olha apenas para a situação de Cabo Delgado como um problema técnico, que se resolve através duma intervenção baseada na ideia de desenvolvimento sustentável (respeitar o meio-ambiente) e no “empoderamento” da população.

 

“Em termos práticos, isso significa fazer programas para as mulheres, grupos vulneráveis (pessoas portadoras de deficiência física, órfãos e idosos) e jovens. O que está ausente nesta abordagem é uma ideia do desafio de base – provavelmente na origem de todo o problema – que é a própria presença do Estado, a sua relação com as pessoas e suas comunidades, assim como a sua razão de ser”, defende Macamo.

 

Para o sociólogo, as acções a serem levadas a cabo pela TotalEnergies, no seu plano de acção, vão desarticular o Estado e introduzir clivagens que não vai ser ela a resolver, mas sim o Estado sobre quem toda a responsabilidade vai recair.

 

“Quando se fala do Estado moçambicano nesse relatório e nas recomendações, é de forma geral. Não vi nenhuma menção à ADIN, nem ao SUSTENTA – de novo: não é função da multinacional articular isso. E isso é preocupante, porque estamos perante uma situação em que se promove um projecto não assumido de Estado aos nossos olhos e sem que a gente pestaneje”.

 

O académico defende ainda que a análise social feita pelo especialista francês ao conflito que se vive na província de Cabo Delgado, na qual são levantados oito factores por detrás do terrorismo naquele ponto do país, não necessita de estudo, “apenas de intuição”.

 

“Não há teoria, não há hipóteses passíveis de serem testadas empiricamente, não há operacionalização de conceitos, o trabalho de campo consiste na recolha de impressões pelo consultor e a interpretação tanto serve para Moçambique como para a Jamaica ou Vietname. Não passava em nenhum teste de metodologia”, defende Macamo, para quem, o problema não é da multinacional e muito menos do consultor contratado.

 

“O problema é o nosso Estado que, por sua vez, volvidos não sei quantos anos de violência contra o Estado, ainda não faz ideia do tipo de problema que tem em mãos. Ignora, ao que parece, os vários estudos feitos por moçambicanos, não tem a coragem de envolver os estudiosos moçambicanos na assessoria do Governo sobre o problema lá no Norte, enfim, age como se o problema fosse essencialmente técnico: instrumentalização de jovens”, atira Macamo.

 

Refira-se que uma das recomendações deixadas por Jean-Christophe Rufin à TotalEnergies é a de cessação das relações com as Forças de Defesa e Segurança moçambicanas para a manutenção da segurança do projecto. (A. Maolela)

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