“Só vamos atender situações de emergência que incluam cesarianas”, disse a fonte. Mas o número de óbitos pode estar muito acima do que foi anunciado, segundo agentes de algumas organizações humanitárias que conseguem sobrevoar as áreas afectadas. Aliás, ontem, o PR Filipe Nyusi falava em 84 mortos.
Dez mil pessoas, incluindo crianças, encontravam-se até segunda-feira sitiadas, umas sobre casas e outras no cimo de árvores, na sede do distrito de Búzi, e estão em risco de vida se medidas urgentes não forem tomadas, disse o Ministro Celso Correia (Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural).
O próprio governador de Sofala não tem a dimensão real do que se passa na província. Não é possível comunicar com os administradores de alguns distritos afectados. Um piloto que sobrevoou as áreas inundadas revelou ter visto corpos flutuando sobre as águas que inundaram a sede de Búzi.
Celso Correia sublinhou a importância de tomada de medidas para se evitar o que designou de desastre humanitário. “Temos que agir rápido, milhares de pessoas estão em risco de vida, precisamos de barcos, helicópteros, tendas, água, alimentos para socorrer as populações”, disse ele.
E com o tempo a passar e os meio escassos, a situação complica-se no terreno. O Instituto Nacional de Meteorologia (INAM) previa continuação de chuvas até dia 21 de Março acima de 100 milímetros. Há notícias, por outro lado, de que o rio Save poder vir a transbordar, o que vai complicar ainda mais a situação de quem se encontra no Búzi, e também das equipas de resgate tanto do INGC como de outras várias organizações.
O difícil resgate
O Zimbabwe pode ter “largado” alguma quantidade de água. “É uma situação de emergência, crítica que se vive e hoje (segunda-feira). Registamos a entrada de águas que vêm do Zimbabwe e que criaram cheias. Temos a região de Buzi e Nhamatanda alagadas, estamos a fazer de tudo para continuarmos a salvar vidas”, diz Correia.
Imagens que nos foram dadas a ver por um grupo de mergulhadores sul-africanos que tem no aeroporto da Beira o seu quartel-general mostram um verdadeiro drama humano enfrentado pelas populações cercadas pelas águas diluvianas: águas subindo de nível, cercando rapidamente as populações e estas completamente desamparadas.
As equipas de resgate sul-africanas dizem que é importante mobilizar “com a maior urgência possível” todos os meios necessários para as operações de salvamento. As pessoas, segundo disseram os mergulhadores, estão completamente cercadas e as águas a subir.
“É dramática a situação com a qual deparamos e esperamos que haja uma resposta rápida por parte das autoridades sob pena de muita gente ficar engolida pelas ‘águas’”, disse um membro da equipa.
Nada sobrou...
Nas cidades da Beira e Dondo, zonas por onde o ciclone IDAI passou, o rasto de destruição é a melhor fotografia que se pode captar. Infraestruturas de todo o tipo foram arrasadas, desde habitação, comércio, indústria, bombas de combustível, hospitais, escolas, entre outros.
Dos 23 postos de abastecimento de combustível apenas seis encontravam-se em funcionamento. A estatal Petromoc garante, por seu turno, que tem combustível para os próximos 30 dias. Mas a Petromoc não é um grande “player” na distribuição em Sofala. A natureza não poupou nem as “casas de Deus” no Dondo e na Beira. Várias igrejas ficaram sem tecto e algumas completamente destruídas. As chapas IBR “made in china” foram-se pelos ares.
O edifício “governamental” todo jorra água por tudo o que é cantos. O Governador Mondlane transferiu o seu gabinete de trabalho para a sua casa oficial, tais são as condições precárias no seu escritório ao lado da Casa dos Bicos.
A cidade da Beira em particular tornou-se refúgio de populações que conseguiram sair com vida de alguns distritos de Sofala, idas do Búzi, Nhamadanta, Mwanza, entre outros. Estão na cidade da Beira sem destino. Um grupo de desalojados interceptou o Ministro dos Recursos Minerais e Energia, Max Tonela, pedindo mantimentos e abrigo mas sobretudo clamava ao governante um apoio às populações cercadas pelas águas.
“Estamos a pedir para irem salvar as pessoas lá no Búzi, nós escapamos da fúria das águas”, diziam com lágrimas escorrendo a face. Exibiam a Max Tonela os seus telefones celulares, mostrando imagens do que realmente estava a acontecer. Simplesmente um drama humano. Não partilharam as imagens porque as três operadoras foram desactivadas pelo ciclone.
Dilúvio na Beira
Sempre que uma camioneta de quatro toneladas reduz a marcha em qualquer rua da Beira, gentes famintas a ela se abeiram na expectativa de receber qualquer que seja a ração. Algumas pessoas, se não todas, ou a maioria viu os seus mantimentos engolidos pelas águas. Testemunhamos uma intervenção da Polícia da República de Moçambique na zona da Manga, cortada pela autoestrada (N6), interpelando gente que tentou vandalizar uma camioneta.
Uma carta da administradora do distrito de Búzi, com a data de 18 de Março e dirigida ao Governador Alberto Mondlane, é um verdadeiro grito de socorro de quem não tem solução para os problemas que enfrenta.
“O distrito é assolado por uma cheia de grande magnitude desde às 19 horas do dia 17 de Março” dizia a administradora. Explicava que tal situação se devia à subida dos caudais dos rios Búzi e Púnguè. A vila de Búzi, escreveu ela, está completamente submersa. Ela suplicava a Mondlane por uma intervenção urgentíssima.
E sublinhou: os locais previamente identificados como sendo os mais seguros também estão inundados. A administradora pediu a Mondlane mantimentos, meios para resgate das populações, como barcos e helicópteros. Tal como a Beira e o Dondo, Búzi está neste momento sem serviços bancários, comunicações, energia eléctrica e as vias de acesso estão intransitáveis.
Era uma vez a Beira…
Pedidos de socorro da administradora do Búzi à parte, o certo é que a cidade da Beira era uma vez. Do céu já se começa a ter uma ideia do que ficou com a passagem do IDAI. Do ar são visíveis os estragos na cidade e na área portuária. Já na cidade, para quem sai do aeroporto, passando por algumas artérias, tem-se a dimensão do que o vento de 150 kms por hora provocou.
Na Munhava, um bairro de lata igual a Chamanculo em Maputo, ou a Muala em Nampula, as condições de vida são degradantes. A Munhava já era uma zona residencial com problemas de saneamento de meio mesmo sem nenhuma queda de chuva. Hoje vêem-se dejetos humanos circulando ao fresco sobre as águas onde as crianças brincam.
O Aeroporto Internacional da Beira é onde tudo acontece, sendo a base para a coordenação das operações de resgate e salvamento. Vários profissionais de organizações como o UNICEF, PMA, Cruz Vermelha de Moçambique, Crescente Vermelho, Instituto Nacional de Gestão de Calamidades, e jornalistas aqui acotovelam-se na busca de uma linha de comunicação.
A Movitel, Vodacom e a Tmcel estão apagadas. Carlos Mesquita, Ministro dos Transportes e Comunicações veio dizer, entretanto, nesta segunda-feira, que o trâfego daquelas três operadoras de telefonia móvel iria ser restabelecido durante a semana. Mesquita prometeu que chegariam 25 telefones satélites que irão facilitar a comunicação no decurso das operações de coordenação para o resgate das populações.
A Movitel ainda estrebuchava na segunda-feira. Mas os bancos e suas caixas automáticas estão aos soluços. No terreno encontram-se a coordenar as operações, os ministros Celso Correia, Max Tonela e Carlos Mesquita, a Diretora Geral do INGC, Augusta Maíta, para além do governador de Sofala, Alberto Mondlane. (Carta)
(*Rafael Bié, jornalista, é assessor de comunicação do Ministério dos Recursos Minerais e Energia. Ele está na Beira e escreveu este artigo a pedido de “Carta”)