Um Plano Nacional de Gestão dos Recursos Hídricos (PNGRH), elaborado em 2015 pelo Ministério das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos (MOPHRH), mas que nunca foi executado, revela como o Governo teria evitado a tragédia que acontece nas províncias do centro do país, sobretudo Tete e Zambézia. O Plano em questão abarca 35 bacias hidrográficas nacionais - incluindo as 13 maiores e 22 pequenas mas estratégicas - das 104 existentes, e devia ter sido executado entre Dezembro de 2015 e Fevereiro de 2018. No documento são detalhadas as acções que o sector dos Recursos Hídricos devia ter feito para evitar as cheias que ciclicamente afectam milhares de moçambicanos.
Entre as medidas estruturais propostas no PNGRH para melhorar a fiabilidade e equidade na utilização da água, incluem-se a construção e desenvolvimento de 39 barragens de fins múltiplos, reabilitação de cinco barragens já existentes, desenvolvimento de 118 pequenas barragens. Está igualmente incluída a construção de outras quatro barragens para geração de energia hidro-eléctrica, bem como de diques nos rios e drenagem de água pluvial.
Entre as barragens para fins múltiplos consta a Barragem de Revúbuè na província de Tete, com capacidade para armazenar 1.135 mil metros cúbicos de água. É exectamente o rio Revúbuè que na passada sexta-feira em Tete ceifou vidas humanas e desalojou famílias na capital provincial e em Moatize. Ao longo do Rio Zambeze, o Plano previa a construção de cinco barragens.
Conforme consta no Plano Nacional de Gestão dos Recursos Hídricos, que para a sua concretização é necessário um montante que não está incluído no documento, a construção de barragens de fins múltiplos tornaria possível a abordagem do problema de défice de água, garantindo o seu fornecimento e transferência inter-bacias.“Isso vai permitir uma gestão eficiente de recursos hídricos em termos de fornecimento fiável, controlo de cheias e protecção do ambiente”, diz o PNGRH.
Uma das províncias que ficaria beneficiada com o PNGRH é Zambézia, que tem a maior bacia hidrográfica do país, com cerca de 115.5 mil km2. Essa extensão resulta da soma dos cinco rios que atravessam a província zambeziana (Zambeze - 181,834 km2; Licungo - 22,761 km2; Lúrio - 60,011 km2; Ligonha - 14,737 km2; e Namacura - 7,563 km2). Isso faz com que a bacia hidrográfica da Zambézia seja a maior de toda a zona sul (103 mil km2).
Neste momento, a província da Zambézia não tem barragem. “Carta” soube de fontes seguras que das 39 barragens projectadas no PNGRH cinco seriam erguidas naquela província, que também está sendo fustigada pelas cheias. Só no Rio Licungo, o mais crítico da Zambézia abrangendo 3.5 milhões de habitantes, seriam construídas quatro barragens. A maior barragem prevista nesta bacia hidrográfica é de Mugeba, orçada em cerca de 300 milhões de dólares norte-americanos e com capacidade para gerar aproximadamente 100MW de energia. Também haveria uma área de terra irrigável com mais de 100 mil hectares que beneficiaria cerca de 1.5 milhões de pessoas em termos de água potável, para além de evitar cheias naquela província.
Segundo as nossas fontes, o Plano Nacional de Gestão dos Recursos Hídricos nunca saíu da gaveta devido à falta de fundos, em parte como resultado do calote financeiro que abala o país. Já em 2015, durante a elaboração daquele Plano, os técnicos do MOPHRH previam que o país enfrentasse um défice de água nas regiões centro e sul, e em algumas partes da região norte. Na altura, os mesmos técnicos disseram que apenas tinha utilidade 12.9% do escoamento total dos rios, e que o défice de água poderia atingir 1.3 mil milhões de metros cúbicos em 2040.Assim, propunham a reabilitação de cinco barragens, algumas delas cruciais para o abastecimento de água, nomeadamente. As barragens cuja reabilitação estava prevista eram as de Corumana (Incomati), Pequenos Libombos (Umbeluzi), Chipembe (Montepuez), Locúmuè (Rovuma) e Nampula (Monapo).
O Plano de Controlo e Prevenção de Cheias inclui a construção de diques ao longo de rios nas zonas com elevada densidade populacional ou áreas de irrigação em larga escala, e o desenvolvimento de sistemas de drenagem de água pluvial nas zonas baixas interiores de maior densidade, com más condições em termos de drenagem pluvial. O Controlo e Prevenção de Cheias consta no PNGRH, e foi formulado com base nos resultados da Avaliação do Risco de Cheias que apontam as províncias de Gaza, Sofala e Zambézia como as mais vulneráveis.
O PNGRH também propunha a realização do levantamento de bacias, sistematização de dados e informação relacionada com recursos hídricos numa base de dados, construção de um sistema de Gestão Integrada dos Recursos Hídricos (GIRH), incluindo a introdução de um Sistema de Previsão e Aviso de Cheias (SPAC), como parte de medidas não-estruturais de controlo de cheias. Tais acções visam tinham em vista garantir a gestão eficiente de recursos hídricos nacionais, bem como o alcance dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável. (Abílio Maolela)