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quinta-feira, 08 dezembro 2022 15:02

Dívidas Ocultas: Juiz Carlos Mondlane sugere que, com base no novo Código Penal, podem ser aplicadas penas mais severas, chegando até os 30 anos

Nas suas considerações finais após a leitura do veredicto e sentença do caso das Dívidas Ocultas, o juiz do caso Efigenio Baptista alegou que o mais recente Codigo Penal removeu as agravantes penais nos crimes económicos, justificando penas brandas e atirando as culpas ao legislador. O Juiz Carlos Mondlane, um dos principais autores do código em questão alega que  "o novo Código Penal é muito mais penalizador, podendo, em acumulação, chegar-se 
a 30 anos de prisão por crimes da natureza em análise".
 
Eis o artigo de Carlos Mondlane:
 
É inevitável o debate, nas rodas de amigos, em círculos profissionais ou de família, sobre o processo das dívidas não declaradas cujas penas foram ontem proferidas.
 
Se, por um lado, temos quem acha que foi feita justiça com a aplicação de um máximo de pena de 12 anos de prisão aos autores, outros mostram-se desapontados com o epílogo do processo, considerando que, atento aos crimes em tela, o quadro legal afigura-se brando e, por isso, o crime compensa em Moçambique.
 
O autor destas linhas, que é juiz de profissão, não se vai pronunciar sobre o mérito da sentença. Não lhe cabe tecer considerações sobre a culpa dos arguidos, o sentido da decisão havida nem julgar o desempenho do juiz no complexo processo cujo epílogo observamos. Vai, sim, elaborar, de modo geral sobre a eficácia da legislação criminal no combate ao crime, considerando, sobretudo, as últimas alterações legais.
 
O Novo Código Penal aprovado pela Lei n. 24/2019, de 24 de Dezembro, definiu a vida como o bem jurídico de maior valor no ordenamento jurídico moçambicano. É desta sorte que qualquer atentado doloso contra a vida será punido com uma pena cujo mínimo são 16 anos de prisão.
 
Quaisquer outros crimes encontram-se, pelo grau de censura, abaixo da vida. É o que ocorre, por exemplo, com os crimes contra a propriedade, contra a fé pública, a corrupção e crimes conexos, etc.
 
Crimes como o peculato são punidos, no máximo, dentro da moldura de 8 a 12 anos de prisão, por referência ao furto (artigo 270 do CP); associação para delinquir, no máximo, 8 a 12 anos (artigo 348, n. 3 do CP), falsificação de documentos, agravado, 1 a 8 anos (artigo 323 do CP) e branqueamento de capitais, de 8 a 12 anos (artigo 75 da Lei n. 14/2014, de 12 de Agosto).
 
Se, por um lado, o legislador colocou as penas dos diversos crimes relativamente mais brandas que as aplicáveis para o homicídio doloso (contra vida), por outro, introduziu um regime mais gravoso de operacionalidade face às versões anteriores dos códigos.
 
O novo regime de concurso de infracções evoluiu da fixação de cúmulo jurídico para situar-se em cúmulo material. Nos termos do artigo 124, n. 2 do Código Penal, havendo mais do que um crime, "a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas 
concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo, no caso 
de prisão, ultrapassar 30 anos (...)".
 
Quer dizer que se determinado sujeito for condenado, por exemplo, por concurso de crimes de peculato, associação para delinquir, falsificação de documentos e branqueamento de capitais, o juiz deverá, neste novo regime, para cada crime, fixar a pena concreta. Seria, por exemplo, pelo peculato, 10 anos; associação para delinquir, 10 anos; falsificação de documentos, 6 anos; e branqueamento de capitais, 10 anos.
 
O cúmulo material, que nos obriga a fixar uma pena única, segundo o regime do artigo 124, n. 1 do CP, leva a um somatório das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. No caso, seriam 10 mais 10 mais 6 mais 10, o que totaliza 36 anos de prisão. Ou seja, em cúmulo material, na disciplina do Novo Código Penal, aplicar-se-iam ao agente, em princípio, 36 anos de prisão.
 
36 anos!
 
Ocorre, contudo, que o mesmo n. 2 do artigo 124 do CP estatui que a medida de prisão não pode exceder 30 anos. O juiz teria, então, de reduzir a pena ao limite máximo das penas admitidas em Moçambique. Aplicaria, in casu, 30 anos de prisão ao agente de modo a se conformar com o disposto na lei.
 
Como se vê, o critério do cúmulo material permite punir de forma muito mais gravosa os agentes do crime, ocorrendo concurso de infracções.
 
Esta modalidade introduzida no Novo Código Penal, em 2019, espelha o compromisso do Estado na punição de crimes que mais dano social e económico causam, levando, inclusive, o legislador a fixar medidas mais restritivas da liberdade a quem cometer esses crimes.
 
Repare-se para os crimes de corrupção e conexos, como exemplo. Em primeiro lugar, são crimes em que não se admite a aplicação de penas alternativas à prisão como medidas substitutivas (artigo 69, n. 1, al. i do CP). Em segundo, o regime de liberdade condicional é mais exigente do ponto de vista do critério temporal. Se, em regra, basta o cumprimento de metade da pena para que o arguido possa ter direito à liberdade condicional em qualquer tipo legal de crime, nestes de corrupção e conexos impõe-se o cumprimento de, pelo menos, 2/3 da pena (artigo 153, n. 1 e 2 do CP).)
 
Pode-se, em suma, concluir que o Novo Código Penal é bastante mais penalizador para os agentes do crime, alinhando-se com os princípios gerais da prevenção geral e especial e retribuição que estabelecem os fins das penas.
 
A aplicação plena do Novo Código Penal dá assim resposta a um direito penal robusto que atende, outrossim, a vida como o mais relevante bem jurídico em Moçambique.
 
Sucede que a discussão que, hoje, se levanta no espaço público não é propriamente sobre o Novo Código, mas sobre a aplicabilidade, ainda, do Código Penal de 2014 pelos crimes que terão sido cometidos durante a sua vigência.
 
Por outras palavras, se o Novo Código Penal é tão penalizador assim, por que, no caso, não foram aplicadas essas penas pesadas?
 
A resposta é simples. Os factos julgados ocorreram durante a vigência do Código Antigo.
 
Não obstante ter sido aprovado o Código Novo e, em princípio, ser o instrumento que passa a reprimir e censurar crimes em Moçambique, a sua aplicação encontra limitações quanto aos crimes ocorridos antes da sua entrada em vigor, sobretudo se se entender que da sua aplicação aporta-se um regime mais gravoso para os arguidos. Nesse caso, nessas partes, deve-se usar o regime do Código Antigo, que é o mais favorável aos arguidos.
 
É esta a disciplina do Código Penal em relação à censura de crimes ocorridos antes da entrada em vigor da Lei n. 24/2019, que aprova o Novo Código.
 
O regime da variação da lei no tempo impõe que se deve aplicar, em princípio, a lei do tempo em que a infracção ocorreu. Se, contudo, a pena estabelecida na lei vigente ao tempo em que for praticada a infracção se mostrar diversa da estabelecida em leis posteriores, é sempre aplicada a moldura penal que, concretamente, se mostra mais favorável ao agente do crime (artigo 3, n. 4 do CP). 
 
Este comando obrigou a que se conciliasse os dois códigos no sentido mais favorável aos arguidos. Refira-se que o cúmulo jurídico do anterior Código não permite o somatório das penas, o que pode parecer ilustrar um direito penal pouco incisivo.
 
Por seu turno, aquele que praticar crime a que se aplique plenamente o regime do Novo Código Penal (de 2019) não terá a mesma sorte. O Novo Código Penal é muito mais penalizador, podendo, em acumulação, chegar-se a 30 anos de prisão por crimes da natureza em análise. (Carlos Mondlane, Juiz de Direito)

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