- Higino de Marrule, Coordenador Nacional do Gabinete de Desenvolvimento do Compacto II (GDC II), que anuncia a inclusão de parte da N1 nos investimentos a serem priorizados
Moçambique se prepara para acolher e implementar o 'Segundo Compacto' (Compacto II), uma empreitada conjunta do Governo de Moçambique e dos Estados Unidos da América (EUA), este último através da agência Millennium Challenge Corporation (MCC). Três áreas, com forte interligação, constituirão a iniciativa: Agricultura Comercial; Conectividade e Transporte Rural; e Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Costeiro. Nesta entrevista, Higino de Marrule, Coordenador Nacional do Gabinete de Desenvolvimento do Compacto II (GDC II), aborda como está a decorrer a preparação do Compacto II, não tendo dúvidas de que estradas de qualidade e resilientes são prementes para o desenvolvimento do país. Partilha a inclusão, nos investimentos a serem realizados pelo programa em perspectiva, de uma importante secção da Estrada Nacional número 1 (N1), nomeadamente o troço Chimuara-Nicoadala, por decisão recente do Governo de Moçambique.
Senhor Coordenador Nacional, que acções-chave foram desenvolvidas, até ao presente momento, pelo Gabinete de Desenvolvimento do Compacto II (GDC II), desde o seu estabelecimento?
Há a destacar, igualmente, a assinatura do Acordo Financeiro para o Desenvolvimento do Compacto, nomeadamente em 2021, sem deixar de lado o acordo revisto rubricado em Abril deste ano, em Washington DC. O pacote de pouco mais de 10 milhões de dólares norte-americanos (USD) integrados nesse Acordo Financeiro está a viabilizar, sobremaneira, o processo de desenvolvimento dos projectos que irão integrar o Compacto II para Moçambique. Mais recentemente, ou seja, há dois meses, sensivelmente, o Conselho de Administração do MCC assumiu o compromisso de alocar, para Moçambique, 300 milhões USD, isso em sede da assinatura do acordo propriamente dito do Compacto II entre o MCC e o Governo de Moçambique, o que está previsto para Julho de 2023.
Uma terceira acção, não de somenos importância, é o desenvolvimento como tal dos projectos que irão compor o Compacto II, nas suas três áreas, conforme a escolha que foi feita pelo Governo de Moçambique: Agricultura Comercial; Conectividade e Transporte Rural; e Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Costeiro. Continuaremos a apostar, até à data da assinatura do já referido acordo, na elaboração de projectos que sejam financiáveis, replicáveis e sustentáveis, de forma a que o Segundo Millennium Challenge Account para Moçambique (MCA II), a instituição que irá suceder ao GDC II, se possa posicionar como auspiciador de projectos-modelo. Aliás, é nosso desejo que o nível de financiamento a ser concedido pelo MCC suba. Sabemos que isso não é fácil, mas estamos também certos de que se não trata de algo impossível.
O GDC II adopta, no seu trabalho, uma perspectiva de inclusão e de ampla participação das partes interessadas, quais sejam o sector privado, sociedade civil, governo a vários níveis, partidos políticos, lideranças locais e/ou comunitárias, órgãos de comunicação social, igrejas, etc. Qual é a razão do recurso a esta abordagem?
O nosso objectivo é desenvolver projectos que resultem de um amplo consenso e da contribuição de todas as partes interessadas, o que julgamos significar, em grande medida, meio caminho andado para o sucesso dos mesmos, pelo menos em termos de apropriação e sustentabilidade. No dia 27 de Junho último, participámos no 'Diálogo Público-Privado' havido na cidade de Quelimane, província da Zambézia, durante o qual fomos encorajados, sobretudo pelo sector privado, a prosseguir com esta abordagem. Olha que ainda que o Compacto II esteja a ser concebido para ser um programa de âmbito nacional, teremos um foco geográfico, que será a província da Zambézia, circunscrição territorial que foi para o efeito escolhida pelo Governo de Moçambique, sobretudo pelo seu baixo nível de desenvolvimento de infraestruturas, elevado potencial agrário, elevadas taxas de pobreza e, também, por ser uma das mais populosas do país.
Apesar de todo o potencial que possui, acondicionar o desenvolvimento e consolidação do agro-negócio na província da Zambézia será uma tarefa hercúlea, mas não impossível. Para que esse objectivo se não torne letra morta, é importante, de entre outros, considerar-se a capacitação do sector privado. O sector empresarial do país, e o da Zambézia, em particular, deve alinhar-se com as lógicas de sinergias, com a feitura de parcerias que induzam o desenvolvimento e com o desenho de projectos que sejam bancáveis, que sejam apetecíveis a qualquer investidor e que, por via disso, possam ser viáveis, com ou sem o Compacto II, ou depois deste.
Nos encontros que temos estado a manter com os empresários baseados na província da Zambézia, temos estado a encorajá-los a capitalizar as oportunidades existentes, sem pretensão de individualismos, considerando, inclusive, a busca de financiamento no mercado, sobretudo em plataformas pouco exploradas, como a Bolsa de Valores de Moçambique (BVM). Naturalmente que a atractividade é um aspecto a ter em conta.
No contexto das sinergias de que falava há pouco, olhar para a cadeia de valor é premente. No quadro de eventuais intervenções no sector de estradas, por exemplo, haverá, certamente, empresas que se acham alinhadas com o estado-da-arte em termos de capacidade técnica, mas, talvez, sem maquinaria para o efeito. Haverá, certamente, um outro grupo de empresas que sejam proprietárias de pedreiras, e um outro que seja activo no domínio de transportes, mas que não possuem, estas duas últimas, experiência nenhuma em construção e reabilitação de estradas. Claro que uma parceria entre empresas tais, em moldes que não podemos neste momento precisar, as tornaria mais fortes e competitivas. É por isso que olhamos para a capacitação como algo importante, sobretudo para que haja mudança de mentalidade sobre como fazer negócio. Agremiações como a Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) e a Câmara de Comércio de Moçambique (CCM) são capitais nesse tipo de exercício. Em síntese, preparação é crucial para que os empresários não se sintam excluídos.
Dos encontros que as equipas do GDC II e do MCC têm realizado pelo país com diversas partes interessadas, autoridades públicas inclusas, transpira um denominador comum: elevadas expectativas com o que se espera do Compacto II. O que acha disso?
Temos estado a manter, como disse anteriormente, um elevado nível de interacção com as diversas partes interessadas, com o que estamos a aprender bastante. Por conta disso, olha que quando vamos à província da Zambézia até dizemos que já não somos mais visitantes, mas parte das gentes locais. O envolvimento e auscultação de todas as partes interessadas é parte do desenvolvimento do Compacto, no quadro do que partilhamos sempre com todos os passos que estamos a dar e os que esperamos ainda dar. Nisso, fazemos questão de sublinhar qual é a responsabilidade de todos. É, pois, muito importante manter um alto nível no cumprimento das responsabilidades de cada um neste processo.
Quanto ao sector público, por exemplo, temos sublinhado a premência da manutenção do compromisso com as reformas que são necessárias para que todos os projectos possam ser satisfatoriamente executados. Um dos aspectos que temos destacado, de forma particular, é a centralidade da luta contra a corrupção e do respeito dos direitos e liberdades civis e políticas dos cidadãos. A sociedade civil e os media devem ser parte de toda a cadeia dos projectos, monitorando as acções e sugerindo abordagens a serem privilegiadas.
Com os empresários, fazemos sempre questão de frisar a relevância de se ter empresas devidamente estruturadas e organizadas, que possam ser, inclusive, cotadas na BVM, que possam tirar máximo proveito das oportunidades que já se acham disponíveis, mesmo sem o Compacto II. Até porque este [Compacto II] não almeja resolver todos os problemas, embora seja certo que se propõe catalisar mudanças inovadoras, replicáveis e sustentáveis.
Para a área de Conectividade e Transporte Rural, ou de Infraestruturas, acaba de ser decidida a inclusão de um troço da Estrada Nacional número um (N1) no rol das vias de comunicação a beneficiar das intervenções do Compacto II. Pode elaborar a propósito?
Achamos ser muito feliz a decisão do Governo de Moçambique no sentido de se investir, também, na N1, mais concretamente no troço Chimuara-Nicoadala (136 quilómetros). Sem prejuízo da relevância das estradas secundárias e terciárias que serão alvo da atenção do Compacto II, a N1 tem uma importância estratégica na promoção do desenvolvimento do país, em geral, e da província da Zambézia, em particular. Com uma N1 em boas condições, se reduz o tempo de viagem e se poupam recursos na manutenção das viaturas, o que, no fim do dia, se reflecte no nível geral de preços e, por tabela, na qualidade de vida das pessoas e das famílias, dado o elevado intercâmbio comercial entre as regiões sul e norte (significando norte do Save, ou seja, regiões centro e norte do país) de Moçambique. A flexibilização da mobilidade de pessoas e bens é, indubitavelmente, uma variável importante em todo o esforço de luta contra a pobreza.
Acreditamos que uma N1 e estradas de ligação em boas condições, de elevada qualidade e resilientes às mudanças climáticas, irão catapultar o incremento da produção e da produtividade nalgumas regiões da baixa Zambézia, que agora não produzem ao seu nível máximo, devido às conhecidas deficiências no escoamento de bens.
Por outro lado, não é de menosprezar o enorme potencial turístico existente na região do Vale do Zambeze. Vários troços, senão todos, do Rio Zambeze são navegáveis. Julgamos haver um potencial, ali, por explorar, sobretudo entre os países que são atravessados pelo Rio Zambeze, estando Moçambique, como se sabe, a jusante. Isto para dizer que a melhor forma de se preparar para se tirar o máximo proveito possível do Compacto II é explorar devidamente, e bem, hoje, as oportunidades existentes e ao nosso alcance, sem esperar pelo Compacto II.
Naturalmente que faz muito sentido, em contextos como o moçambicano, o ditado que reza que em casa sem pão todos ralham e ninguém tem razão. O valor já definitivamente assegurado para Moçambique (300 milhões USD) é pouco, sim...mas não temos dúvidas que investir em estradas é meio caminho andado...com estradas em condições, se estará a servir o sector agrário no geral, a agricultura em particular, a comercialização agrícola e na emergência ou mesmo consolidação dalguma indústria cuja fonte de alimentação é o sector agrícola.
Em domínios como investimento em infraestruturas, haverá, certamente, coordenação ou partilha de informação entre o GDC II/MCC e agências de cooperação e/ou desenvolvimento como o Banco Mundial, União Europeia, Banco Africano de Desenvolvimento, USAID...
Felizmente, tem havido bastante troca de informação entre nós e as entidades que mencionou, e outras, em particular quanto aos esforços de construção e/ou reabilitação de estradas. Há pouco tempo, por exemplo, a nossa equipa de infraestruturas esteve na Zambézia com equipas do Banco Mundial e da União Europeia, tendo podido se informar em profundidade sobre o leque de estradas que estão a ser consideradas. Com base nisso e em fora apropriados, as autoridades provinciais do sector de estradas têm estado a colaborar connosco em termos de identificação das vias de comunicação que devem ser priorizadas. Ou seja, tudo quanto será efectivado em sede do Compacto II há-de ser um complemento a tudo o que o Governo e os seus parceiros já estão a fazer.
Destacou sobremaneira, nesta conversa, o que se espera empreender na província da Zambézia, mas, em bom rigor, o Compacto II terá âmbito nacional, pois não?
O Compacto II será, sim, um programa, qual pacote de vários projectos, de âmbito nacional, mas com um enfoque geográfico, que é a província da Zambézia. O âmbito nacional do Compacto II se alcança de duas formas: primeiro, através da priorização, ao nível da província da Zambézia, de projectos que sejam replicáveis e sustentáveis, como forma de os mesmos poderem ser, também, implementados noutras províncias, por via da iniciativa integralmente privada ou através de outras iniciativas de desenvolvimento; segundo, por via das reformas nos sectores agrário, de estradas e fiscal, que serão auspiciadas pelo Compacto II, que são de âmbito nacional e não apenas para a província da Zambézia. Por exemplo, neste momento está a ser feito um trabalho sobre a intervenção dos poderes públicos no financiamento ao sector de estradas, através da Administração Nacional de Estradas (ANE) e do Fundo de Estradas (FE). Está-se a analisar, por exemplo, se o modelo actual de financiamento da construção, reabilitação e manutenção de estradas é o ideal; se o FE tem a capacidade que seria desejável; etc. O FE, por exemplo, viu recentemente o seu orçamento a baixar de 140 milhões USD para 40 milhões USD, o que tem relevância nacional.
(Texto retirado do Newsletter do GDC II, edição de Julho-Setembro)