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quinta-feira, 16 junho 2022 08:12

Cabo Delgado e a bizarra oferta de Victoria Nuland. Moçambique devia declinar esmolas desprezíveis, escreve Marcelo Mosse

É mesmo uma esmola desprezível, aquela que Victoria Nuland, a controversa subsecretária de Estado norte-americana para os Assuntos Políticos, ofereceu como ajuda americana para a reconstrução de Cabo Delgado: 14 milhões de dólares por ano durante a próxima década, para a reconstrução dos distritos afectados pelo terrorismo na província nortenha de Cabo Delgado.

 

Ela fez o anúncio na terça-feira depois de o Presidente Filipe Nyusi lhe ter concedido uma audiência. “Esta soma vai permitir ao governo dos Estados Unidos trabalhar na reconstrução de Cabo Delgado e do resto do país, e na formação de jovens para o emprego, desencorajando-os assim de serem recrutados pelos terroristas”, disse Nuland. E acrescentou: “O fundo já foi aprovado pelo Congresso dos Estados Unidos e o acordo pode ser assinado nos próximos dois meses”, acrescentou Nuland.

 

Já chegou! Chega deste fingimento de ajuda! 14 milhões de USD é o orçamento anual de uma ONG financiada pela USAID. Moçambique devia ter a coragem de rejeitar este tipo de esmolas miseráveis. Para isso, nossa estima deve ser alta. Mas também, é preciso que se diga, o Governo deve reduzir as quantias de dinheiro desviadas pela corrupção, incluindo aquela que envolve os partidos políticos e todo o leque de isenções fiscais milionárias, e reduzir a fuga ao fisco, cuja natureza é corruptiva – ou seja, ela tem o conluio de funcionários de dentro do Estado central, dos governos provinciais e das autarquias locais.

 

Este apoio americano não passa de um grande insulto. Esses 14 milhões de USD podem ser gerados internamente, se houvesse vontade política, e os americanos sabem disso. Mas também sabem que parte do dinheiro vai parar nas mãos dos habituais predadores da nossa riqueza.

 

Seja como for, esse apoio americano é uma espécie de lavar as mãos. É insultuoso demais! É um vexame em face do tratamento americano relativamente à Ucrânia. Ainda nesta madrugada, o Senhor Joe Biden disse que tinha informado a Zelensky que os Estados Unidos estão a fornecer mais US$ 1 bilião em assistência de segurança para a Ucrânia.

 

Além disso, Biden também anunciou mais US$ 225 milhões em assistência humanitária para ajudar as pessoas na Ucrânia, inclusive fornecendo água potável, suprimentos médicos essenciais e assistência médica, comida, abrigo e dinheiro para as famílias comprarem itens essenciais.

 

Até dinheiro para as famílias. Veja só...e os pobres de Cabo Delgado?

 

Depois de os EUA considerarem que os terroristas que actuam em Cabo Delgado eram uma espécie de ISIS Moçambique (e América é a campeã do combate global ao ISIS), o que é que Washington fez para ajudar a escorraçá-los de Moçambique? 

 

Trabalhos mínimos. Formação aqui e acolá e nada mais. 

 

E veio o Ruanda, implantando um cordão de segurança sobre a região de Afungi, a troco da sua participação na construção das infra-estruturas na Área 1 do Rovuma, liderada pela Total Energies.

 

Entretanto, os terroristas espalharam-se para o sul de Pemba e dos americanos nem uma palavra. Aliás, nenhum país ocidental comentou, mesmo que fosse para apenas lamentar, a progressão do terror para o sul, alcançando agora a faixa da etnia macua. Eles estão satisfeitos com a segurança ruandesa na região do Ruvuma, pois ela permite que a TotalEnergies e a americana Exxon-Mobil, que lidera a área 4 do Rovuma, possam explorar o gás que lhes foi concedido.

 

Entretanto, a sul de Pemba a matança prossegue e há cada vez mais população deslocada. Nuland ignora completamente o que se passa no terreno e parte do princípio que as condições para a reconstrução de Cabo Delgado estão garantidas. Isso não é verdade!

 

De resto sua personalidade tem muito de sinistro. Ela é um dos arquitectos da política dos EUA na Ucrânia. Em 2014, esteve na praça de Maidan em Kiev (juntamente com o falecido senador John McCain) a distribuir sandes e bebidas aos neo-nazis que protagonizaram o golpe de Estado.

 

Mais tarde surgiu num áudio (provavelmente vazado para a Internet pelos serviços secretos de algum país) em que discute com o embaixador dos EUA na Ucrânia quais as pessoas que deviam ser escolhidas para figurar no governo da...Ucrânia. 

 

Desde os tempos de Barack Obama, a senhora Nuland tornou-se e é uma das figuras mais proeminentes e mais sinistras da política exterior dos EUA. No referido áudio que se tornou viral - e quando o embaixador dos EUA referiu que havia objecções da Europa, a sra. Nuland pronunciou a exclamação FUCK THE EU. Por isso hoje é conhecida como Victoria "Fuck the EU" Nuland...

 

Recentemente esteve no Brasil a estudar como sabotar a quase inevitável vitória de Lula nas eleições de Outubro. E agora anda por aqui... a anunciar migalhas para os sofredores de Cabo Delgado. 

 

De 2005 a 2008, a sra. Nuland foi embaixadora dos EUA junto da NATO. Ela é cunhada da Sra. Kimberly Kagan, Presidente do Institute for War Studies. Entretanto, os nossos "politólogos", analistas políticos, e comentadores políticos nem vão dar conta do imenso significado geoestratégico da presença da sra. Nuland em Moçambique. Biliões para a Ucrânia e quinhentas para Cabo Delgado. Foi sempre assim... uma "cooperação" que perpetua nossa miséria. Por nossa culpa (Marcelo Mosse)

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