Médicos contratados para prestar serviços nos Centros de Isolamento da Covid-19 (CICOV), localizados na cidade de Maputo, reclamam a falta de pagamentos de salários referentes aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2022, assim como do 13º vencimento atinente a 2021.
A situação afecta mais de 400 profissionais de saúde (entre médicos, enfermeiros, agentes de serviço e motoristas), que trabalham nos Centros de Isolamento da Covid-19 dos Hospitais Gerais da Polana Caniço e Mavalane e do Hospital Central de Maputo. Ao que “Carta” apurou, desde Dezembro de 2021, que o referido grupo não vê a cor do dinheiro, apesar de ter cumprido integralmente o que estava plasmado no contrato de trabalho.
À nossa reportagem, os “lesados” contam que foram solicitados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), em Dezembro de 2020, para apoiar os profissionais de saúde do sector público a cuidar dos pacientes infectados pelo novo coronavírus. Explicam que o primeiro contrato era válido por seis meses, tendo sofrido várias renovações até Fevereiro do presente ano. Na altura, sublinham, o Ministério da Saúde não se preocupava com questões legais (autenticação de cópias de documentos e/ou reconhecimento de assinaturas), mas agora remeteu-se ao silêncio, quanto ao pagamento dos seus honorários.
“Somos uma grande equipa de médicos, serventes e agentes de serviços. Todos jovens. Trabalhávamos dia e noite, debaixo de roupas que chegavam a sugar o nosso sangue, pois, com o andar do tempo fomos perdendo peso porque não podíamos sequer comer e nem beber água, quando estivéssemos a trabalhar com os doentes da Covid-19”, conta o grupo.
“Quando os casos eram muitos, até para renovar os nossos contratos era tudo urgente, mas hoje como os casos diminuíram no país e o sector da saúde acha que já não temos nenhuma serventia, dispensam-nos como se fôssemos descartáveis. Sequer conseguem reunir connosco para nos dizerem o que vamos fazer daqui em diante, apenas nos mandam parar de trabalhar e alegam que os salários em dívida só serão pagos depois que o processo for submetido ao Tribunal Administrativo para aprovação e isso nós sabemos que poderá levar muito tempo”, desabafam os profissionais afectos aos CICOV da Cidade de Maputo.
No caso do Hospital Central de Maputo, dizem os lesados, os salários dos profissionais da saúde contratados eram pagos por fundos próprios da maior unidade sanitária do país. Porém, hoje, quando procuram se inteirar dos seus processos, a direcção daquela unidade sanitária encaminha-os para o Ministério da Saúde, alegando ter encaminhado os seus processos para aquela instituição.
Já no Hospital Geral da Mavalane, o caso é mais gritante. Os profissionais da saúde dizem que a direcção do Hospital garantiu não ter qualquer informação acerca dos salários, porém, informou-os que o dinheiro referente ao 13º vencimento de 2021 foi usado para comprar material médico-cirúrgico. Ou seja, os profissionais da saúde deverão esperar pelo dia em que aquela unidade sanitária vai receber a verba referente ao material médico-cirúrgico para poder pagar os profissionais afectos ao CICOV.
“Não pedimos muito e nem pedimos que os hospitais estendam os nossos contratos. Pedimos que nos tratem como pessoas e nos paguem os nossos salários em atraso”, dizem aqueles profissionais, enfatizando que “diante das pessoas, nós somos chamados de heróis, enquanto no fundo somos descartáveis”.
Para além dos atrasos no pagamento de salários, os profissionais de saúde contratados para prestar serviços nos Centros de Isolamento da Covid-19, localizados na cidade de Maputo, afirmam que o Ministério da Saúde ainda não cumpriu com a sua promessa de submeter os médicos envolvidos no combate à Covid-19 nos cursos de especialização.
“Quando questionamos sobre o ponto de situação do projecto, dizem-nos que o Ministro [da Saúde] disse aquilo no calor da emoção e que não haverá qualquer curso de especialização e nem ingresso automático no Aparelho de Estado”, dizem as fontes.
HCM no silêncio e Direcção da Cidade diz haver dinheiro para pagar profissionais de Mavalane e Polana Caniço
“Carta” contactou a direcção do Hospital Central de Maputo (HCM), através do seu Director, Mouzinho Saíde, mas este manteve-se em silêncio. Aliás, após ver chamadas e mensagens (não respondidas e nem retornadas) da nossa reportagem, Mouzinho Saíde disse ao chefe do departamento de aprovisionamento do HCM que estava de férias. Porém, não disse com quem devíamos conversar. Até ao fecho desta reportagem, nem Mouzinho Saíde e muito menos Oliveira Pinoca tinham entrado em contacto com “Carta”.
Já a Directora da Saúde da Cidade de Maputo, Sheila Lobo, responsável pelos CICOV dos Hospitais Gerais de Mavalane e da Polana Caniço, disse já estar disponível o dinheiro para o pagamento dos salários em atraso dos profissionais que estavam afectos àquelas unidades sanitárias.
“Trata-se de um fundo de parceiros e existem vários processos administrativos que nós temos que cumprir para podermos efectuar o pagamento”, explicou a fonte, garantindo que os salários dos profissionais contratados para trabalhar nos CICOV é canalizado por parceiros de cooperação. Aliás, nega que seja possível usar um fundo de salário para comprar material médico-cirúrgico.
Segundo a Directora de Saúde da Cidade de Maputo, nos Hospitais Gerais de Mavalane e Polana Caniço foram contratados 396 trabalhadores, entre médicos, enfermeiros, agentes de serviço, motoristas e outros técnicos. No entanto, apenas 289 estão com salários em atraso, pois, alguns já estão enquadrados e outros pediram rescisão dos contratos.
Quanto à promessa feita pelo Ministro da Saúde, Armindo Tiago, de ingresso automático, no Aparelho de Estado, de profissionais de saúde envolvidos no tratamento de doentes com Covid-19, Sheila Lobo disse: “o Governo disponibiliza, anualmente, vagas e prioriza o serviço de saúde. Só no ano passado, foram disponibilizadas cerca de 240 vagas e parte daqueles que participaram dos concursos foram nomeados para o quadro e, para este ano, temos previstas 245 vagas para médicos, enfermeiros, motoristas, serventes e outros técnicos de saúde e apelamos aos jovens que estiveram a trabalhar connosco nos CICOV para que fiquem atentos aos concursos”. (Marta Afonso)