Está a virar moda promover o ridículo, o insano e os maus exemplos daquilo que ocorre na sociedade moçambicana e todos nós alimentamos a ridicularização com partilhas e publicações. Ano após ano, as redes sociais são usadas para fazer “viralizar” actos que não contribuem para boa convivência social. Carentes de bons exemplos e de algo construtivo, acabamos apadrinhando tais situações.
Escrevo esta reflexão, num momento em que quase todas as contas pessoais, páginas e grupos de WhatsApp em Moçambique, do Rovuma ao Maputo, promovem um nome: "Gambeta", é Gambeta por tudo que é conta. Até órgãos de comunicação social televisivos concedem entrevistas. A princípio, dá-se a entender que o tal do Gambeta terá feito algo extraordinário, com risco de no fim do ano, alguém o indicar "figura do ano".
Esta carência de heróis está a ridicularizar a nossa sociedade e o nosso status quo enquanto moçambicanos. Estamos sempre a promover o ridículo, foi assim com o famigerado Dércio, que lesou uma família, com a promessa de casamento e andou a fazer coisas erradas com outras e no final transformou-se numa estrela e com direito a um programa televisivo, apresentado por si e um leque de fotografias.
Não é em vão que um forasteiro como Mariano Nhongo teve toda a audiência e capas de jornais. A princípio, penso que precisamos de reflectir sobre o modelo de sociedade que pretendemos. Que país as futuras gerações irão encontrar, se a coisa continuar neste prisma? É complicado quando demos tanto espaço aos Escobares ou Bonomades em miniatura.
Enquanto não sabermos distinguir o que deve merecer atenção e o que não merece, continuaremos a assistir este apego a coisas ruins e que não contribuem para a moralização da nossa sociedade já doentia. Precisamos de começar de algum lado, porque isto não é normal. Não podemos continuar a transformar o mau em bom. O acto de Gambeta, embora inconsciente, deve merecer o nosso repúdio. Não deve ser algo que deve servir de exemplo para ninguém, porque a sorte esteve por detrás das pessoas, caso contrário, estaríamos a chorar por aquele acto irresponsável. Várias famílias e propriedades públicas e privadas estariam destruídas pelos danos colaterais que o acto acarretaria.
Precisamos de romper de uma vez por todas a promoção da mediocridade, de assuntos nocivos da sociedade. A promoção daquilo que não deve ser feito e publicitado na sociedade. É importante que passemos a atrair o "bom cheiro". Os bons exemplos, porque só assim dançaremos num ritmo aceitável e dentro dos ditames aceitáveis socialmente. Se for para “viralizar”, que “viralize” o repúdio a actos nocivos. Que “viralize” a nossa crítica a coisas perigosas.
Precisamos de romper este olhar positivo para o mal, em casos como os parte-cocos, os C4 Pedro de Namicopo e outros maus exemplos para as milhares de crianças que um dia serão os cidadãos deste país jovem e que precisam de crescer numa sociedade sadia e banhada de boas referências sociais, políticas, culturais, económicas, académicas e religiosas.
Brincar é sempre bom, mas devemos saber quando, onde e como brincar. É urgente que comecemos a “desgambetizar” e a mudar o cenário actual, porque assim já não dá!
Todo o sorriso que me é dirigido é como se fosse a aurora em si, não importa de quem vem. A vida só é bela quando há um sorriso a suportá-la. Sem isso, tudo o que formos a fazer tornar-se-á em comida salgada com sal insípido. Será um alimento que abastece apenas o corpo, porém o espírito vai manter-se vazio, deambulando sem sentido por caminhos escuros, onde o que reina serão os pássaros da noite, ou a gargalhada sarcástica das hienas.
Então, em toda a minha vida, jamais havia recebido um sorriso como este, de uma criança acamada no hospital, engessada em todo o corpo, do pescoço aos pés, incluindo os braços que não podem mover-se. Olhei para ela, colocada numa cama ortopédica cheia de sondas, na enfermaria onde há outras crianças de baixa, porém estas, em liberdade apesar da dor. E o que senti por dentro não tem palavras para descrever.
A enfermaria está arejada, mas isso não será suficiente para reconfortar um menino que não pode mexer nenhum membro da sua estrutura, para além da cabeça. A cabeça sozinha não se alegra, não vive. O corpo também, sem a cebeça será uma massa entulhada. E nesta circunstância, as duas partes sofrem pelo amor que as une.
Aproximei-me do miúdo que se mantinha em silêncio, no seio do burburinho provocado pelos companheiros da enfermaria que recebiam visitas. Vi uma senhora que também tomava a mesma direcção que eu, contudo, antes que chegasse perto, encheu-se de lágrimas e teve que recuar. Outras senhoras, vestindo a pele de mãe, choravam de longe sem coragem de avançar até ao pequeno doente. Não suportavam o choque profundo de ver um enfermo de tenra idade com todo o corpo embutido em gesso.
Mas eu tive que reunir todas as forças que tinha e cheguei perto da cama ortopédica que acolhia o petiz, e saudei-o: olá! E ele respondeu, de forma quase inaudível: olá, como está?
Não suportei a forma tão perturbante como a criança reagia à minha saudação, então não contive as lágrimas, mesmo sabendo que não devia manifestar aquele sentimento de comoção. Tremi de medo quando ela sorriu perante a minha fraqueza, como quem diz: este é o outro lado da vida para o qual ninguém está preparado! Ou, por otras palavras, quis lembrar-me que a qualquer momento podemos ser empurrados para os cactos!
Se eu fizesse alguma pergunta a este pequeno paciente, seria uma grande estupidez. Uma crueldade. Por isso mantive-me calado durante o pouco tempo que estive ali a ser fustigado por uma dor que parecia minha também, até chegar a hora de me despedir.
- Já vou, menino, só vinha te saudar.
- Obrigado, tio, quando é que hás-de vir outra vez?
Não respondi. A pergunta era demais. Superava as minhas capacidades de raciocínio.
- Tio, a próxima vez que vieres, traz-me bolachas, por favor.
Passei a noite inteira sem dormir, imaginando uma criança sofrendo, impedida de movimentos. Sonhando em voltar para casa, e entrar novamente em contacto com a natureza, contrariamente a este lugar cercado de paredes brancas, com cheiro forte a remédios.
No dia seguinte comprei um sumo de goiaba, uma pacote de bolachas sortidas e fui ao hospital para ver a criança que amanhã pode vir a ser minha amiga, quem sabe! Sentia-me feliz ao pensar que alguém muito especial estaria à minha espera, ansioso. Então, lá fui, dizendo para dentro de mim: aí vou eu, amigo!
Quando cheguei dirigi-me imediatamente à cama ortopédica, e alí, o menino não estava. Olhei para todos os lados da enfermaria e percebi que as outras crianças choravam, sem dizerem nada, mas eu percebi tudo, antes mesmo que a enfermeira acabada de entrar me dissesse: o teu amigo já não existe!
Parece que a única coisa que as mulheres sabem fazer é dividir tudo e dividir-se em várias. Aos 04 anos via sempre a minha mãe correndo em toda casa, não era a minha mãe, eram as minhas mães porque eram tantas, imensas e atropelavam-se na porta; umas saindo e outras entrando. Uma corria para vestir-me, uma desenhava um nó liso na gravata do meu pai, uma corria com um fósforo em chama para lenhas unidas na fogueira, uma cimentava um botão na blusa da minha irmã, uma removia o silêncio das paredes com espanador de cançonetas e outra varria a casa inteira sem se importar com a outra que entrava de pernas sujas para acordar os meus irmãos que dormiam no mesmo quarto. A minha mãe dividia-se em várias e dividia tudo.
À hora do almoço sentava-se connosco à mesa, tirava do saco de pão uma enorme fatia de tempo e começava a dividi-la em pedaços: a fatia mais enorme era do meu pai, as outras médias eram dos meus irmãos e eu ficava com a última fatia; tinha tempo para todos, menos para ela. Ela dava-nos pedaços de tempo com a manteiga do seu sorriso e por vezes esquecia-se de deixar um pedaço para si. As migalhas de tempo que sobravam dava aos gatos e cães. E fui crescendo com a ideia de que uma mulher só vem ao mundo para dividir-se em várias e dividir tudo.
Poucas vezes vi a minha mãe inteira, completa comigo, sem partes dela mexendo em diversas coisas ao mesmo tempo; todas vezes chegava-me em um pedaço tão inteiro e cheiroso e ninguém, em casa, reclamava da sua ausência pois sabia dividir-se em várias.
Não sei se é por amor que ela se dividia, mas havia algo tão quente quando ela se dividia em várias, tão intenso e mais pesado que o amor. Recordo-me das noites em que a febre incendiava o desgraçado do meu pai e ela conversando com ele no quarto, mas mesmo assim ouvindo-a aquecendo água na sala, mas mesmo assim ouvindo a sua voz falando com os meus irmãos.
Ela dividia-nos a todos a fatia de tempo sem a deixar para ela, ela que já nos tinha dividido o leite do seu peito, seu colo cheio de baloiços de carinho, suas mãos ocupadas em carregar o mundo inteiro. O meu pai dividia-se apenas em dois: ele e ele. E sempre dizia à minha mãe: “quero água quente para o banho, ponha os miúdos limpos, o aparador está cheio de poeira, peço um chá bem quente”; e a minha mãe dividia-se em tudo, fazia tudo.
Chegavam os dias em que o meu pai trancava a minha mãe no quarto e todos entalados na sala ouvíamos ela a chorar, objectos sendo derrubados e insultos evaporando em toda casa; depois de tanto tempo saía com o rosto inchado e naquele momento dividia-se em duas mulheres: uma triste e outra feliz que nos lambia as cabeças com a língua das mãos. Nos dias tristes a minha mãe peneirava a tristeza e a colocava de lado e punha-se a dividir com todos os poucos bagos de alegria que encontrava dentro dela.
Falei agora com uma cabo-verdiana que me disse que sentia a voz da mãe em sua casa; a mãe que faleceu em 2005. E eu iniciei a conversa com ela do jeito que agora termino este texto: “as mães dividem-se em todos momentos, nem a morte divide o ofício de se dividir das mães”.
Contextualização
O Comandante-Geral da Polícia da República de Moçambique decidiu dar ordens com características ditatoriais que ameaçam o Estado de Direito e a salvaguarda dos direitos humanos dos membros da PRM ao determinar o seguinte:
“Queremos que na primeira formatura do ano de 2022 cada membro da Polícia da República de Moçambique (PRM) traga o seu cartão de vacinação (…) quem tem que entrar no recinto do serviço tem de exibir o cartão de vacinação. Não é nenhum pedido, é uma ordem que o Comandante-Geral está a dar. Então quem não traz não entra no serviço e corre o risco de ser processado (…) Vamos marcar falta…”
Em bom rigor, pelo menos do ponto de vista legal, não existe nenhuma obrigatoriedade de vacinação contra a COVID-19 em Moçambique que esteja em harmonia com a Constituição da República de Moçambique (CRM), sobretudo no que diz respeito à salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, bem como no que respeita aos princípios que a norteiam, mormente a legalidade e o Estado de Direito Democrático.
Ora, não se percebe com que base o Comandante-Geral da PRM deu as ordens supracitadas que limitam o direito ao trabalho e à liberdade de escolha dos membros da PRM, para além de interferir infundadamente no direito à saúde dos mesmos e ameaçá-los com a instauração de processos disciplinares fora dos termos previstos no Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado e do regime jurídico específico da PRM.
O Comandante-Geral da PRM, enquanto órgão da Administração Pública, deve actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites das competências e atribuições que lhe são atribuídos por lei, sob pena de abuso de poder e com o risco de ser sujeito ao competente processo disciplinar e/ou criminal no caso dos órgãos de justiça para o efeito pautarem pelo respeito ao Estado de Direito Democrático que caracteriza o Estado Moçambicano.
Se as ordens supracitadas emanadas pelo Comandante-Geral da PRM não encontram qualquer substracto legal, significa que são arbitrárias, contrariando as regras do funcionamento da Administração Pública. Outrossim, são contrárias aos direitos humanos e direito à justiça dos membros da PRM.
Aliás, considerando que a ordem emanada pelo Comandante-Geral da PRM deve ser cumprida pelos visados, a forma pública como foi praticada e tendo em conta a elevada importância da corporação em causa na manutenção da lei e ordem no país, tal comportamento do Comandante-Geral da PRM pode ter efeito multiplicador para os outros sectores, acarretando prejuízos incalculáveis para o País do ponto de vista económico, político, ou seja, da democratização do Estado, da edificação de uma sociedade de justiça social e da defesa e promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei, conforme preconiza a CRM.
Pela gravidade das ordens em questão, urge, pois, a intervenção do Ministério Público como garante da legalidade, defendendo assim os interesses que a lei determina para o funcionamento da Administração Pública.
Também, é aqui chamado o Provedor de Justiça, enquanto órgão que tem como função a garantia dos direitos dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça na actuação da Administração Pública.
Não menos importante será a intervenção da Comissão Nacional dos Direitos Humanos, (CNDH) criada através da Lei nº 33/2009 de 22 de Dezembro que é uma instituição de direito público, independente, que goza de autonomia administrativa e funcional em relação aos demais órgãos do Estado. Nos termos da Lei nº 33/2009 de 22 de Dezembro, o mandato da CNDH é de promover, proteger e monitorar os direitos humanos no país, bem como consolidar a Cultura de Paz. Dúvidas não restam sobre a importância da CNDH na promoção e protecção dos direitos humanos dos agentes da PRM.
Alguém deve colocar ordem legal nas ordens emanadas pelo Comandante-Geral da PRM se pretendemos construir o Estado de Direito Democrático nos termos previsto na CRM.
Por: João Nhampossa
Human Rights Lawyer
Advogado e Defensor dos Direitos Humanos
Há bastante tempo que a moda Nova Iorquina ganhou forma e se instalou em muitos países. Eles faziam isso por carência de notícias no fim do ano. Por aqui, faz-se em função das lentes dezembrinas de cada um e para esconder verdades e salvar imagens de políticos embriagados pelo poder.
De tanta falta de critérios de eleição/nomeação/atribuição/
Esta atribuição é usada ultimamente para oprimir o povo, uma vez que se atribui grandes feitos para alguém que simplesmente desenvolveu actividades que são da sua obrigação constitucional – figura do ano! Num Estado sério, um presidente construir escolas, hospitais, estradas, pontes, incentivar e estimular a economia e garantir a segurança dos cidadãos, não pode ser visto como algo extraordinário e levarmos estas obrigações normais e transformar isso em grandes feitos – só mesmo na Pérola do Índico.
Atribuições do gênero devem ser a qualquer um que, diante das suas capacidades, oportunidades e circunstâncias tenha feito algo extraordinário e de grande relevância social. Tenha demonstrado a via segura para fugir do fogo do inferno. Tenha sido um Leónidas, o grande herói de Esparta. Agora, dar estes feitos a individualidades cujo papel apenas é assinar documentos que outros fazem e inaugurar infra-estrutura feitas com dinheiro "doado" já é demais! Até a nossa segurança fala-se por aí que também é "doação" – isto já é demais!
Quando voltamos ao modelo Nova Iorquino, para a atribuição da figura do ano, eles procuravam a história de um cidadão de lá das bandas de Brooklyn. Pessoas locais, mas com actos globais. É verdade que os tempos são outros e cada um tenta pescar nas águas lhe são fáceis, mas o povo precisa de ser educado na diversidade inclusiva. Não podemos construir pólos de convivência social, vivendo nos extremos – é vital que tudo seja feito com base no meio termo!
Num contexto de bravura e de busca pelo sustento diária e maus-tratos como se assiste por aqui é importante que não aumentemos a nossa psicopatologia conjunta e continuarmos a nos alegrar pelo pouco, enquanto é visível que estamos a ser penetrados a sangue frio e sem direito a gel ou sabão. As nossas figuras do ano devem ser pessoas de que no futuro não nos iremos arrepender. Que a sua luta tenha impactado a vida do seu próximo, da sua comunidade e da sua sociedade.
Deste modo, quando oiço sobre figuras do ano, questiono-me sobre os prós e contras para a indicação de uma figura em detrimento das outras. Procuro verificar se o activista que tanto falou e promoveu as suas actividades estava a fazer mesmo de coração, ou era tudo faz de conta, assim como, quem estará a pagar por aquele "grande feito público". Se elejo um Juiz ou Procurador, a pergunta que vem a seguir é: quem o colocou naquele posto e porquê ele e não os outros?
Se escolho um polícia de trânsito que num dia chuvoso decidiu continuar a exercer o seu trabalho e combinado ou não, alguém o filma e coloca isso a circular nas redes sociais – a questão que vem, porque aquele acto é extraordinário, se ele simplesmente estava a desempenhar a sua profissão e cumprindo as obrigações que jurou defender. Acontece com o médico que fez o juramento de Hipócrates, o professor que sana dificuldades, etc.
No fundo, percebemos na Pérola do Índico estamos carentes de heróis pelo tipo de sociedade que estamos a construir – onde nos preocupamos em ler um livro de um escritor nacional quando ouvimos que venceu um prémio internacional – e o engraçado é que nem lêem, apenas compram e procuram o autor para fazer fotos e publicar – tudo faz de conta. Devido a este tipo de atitude, transformamos o normal em extraordinário. O habitual em coisa doutro mundo!
É tempo de passarmos para um outro nível de convivência social e política. Em que todos os heróis são bem vistos e ninguém é hostilizado simplesmente porque faz o devido uso dos seus direitos constitucionais. É tempo de vermos em letras garrafais em Jornais, televisões, rádios, revistas e em páginas de pessoas influentes a indicação de pessoas não politicamente expostas como figuras do ano, seja na sua área de actividade ou de uma forma global.
E esperando estar a contribuir para o debate, a minha figura do ano para 2021 é todo o moçambicano de BEM que mesmo diante do cenário somaliano em que vive, consegue aguentar tudo que lhe é imposto. Consegue fugir das balas perdidas e directas nas matas de Cabo Delgado e Niassa. Consegue lutar com sequestradores para evitar que um seu parente seja levado. Consegue suportar a injustiça e crueldade policial/estatal. Consegue escrever um livro sem patrocínio e convidar um político influente para prefaciar e apresentar o mesmo (…)!
Já agora, que tal uma Comissão Nacional da Imprensa que, em coordenação com as organizações de defesa dos direitos dos jornalistas nacionais, elege uma figura do ano do ramo e da arena política, social, cultural e económica (…) que tal!