Contextualização
O Comandante-Geral da Polícia da República de Moçambique decidiu dar ordens com características ditatoriais que ameaçam o Estado de Direito e a salvaguarda dos direitos humanos dos membros da PRM ao determinar o seguinte:
“Queremos que na primeira formatura do ano de 2022 cada membro da Polícia da República de Moçambique (PRM) traga o seu cartão de vacinação (…) quem tem que entrar no recinto do serviço tem de exibir o cartão de vacinação. Não é nenhum pedido, é uma ordem que o Comandante-Geral está a dar. Então quem não traz não entra no serviço e corre o risco de ser processado (…) Vamos marcar falta…”
Em bom rigor, pelo menos do ponto de vista legal, não existe nenhuma obrigatoriedade de vacinação contra a COVID-19 em Moçambique que esteja em harmonia com a Constituição da República de Moçambique (CRM), sobretudo no que diz respeito à salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, bem como no que respeita aos princípios que a norteiam, mormente a legalidade e o Estado de Direito Democrático.
Ora, não se percebe com que base o Comandante-Geral da PRM deu as ordens supracitadas que limitam o direito ao trabalho e à liberdade de escolha dos membros da PRM, para além de interferir infundadamente no direito à saúde dos mesmos e ameaçá-los com a instauração de processos disciplinares fora dos termos previstos no Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado e do regime jurídico específico da PRM.
O Comandante-Geral da PRM, enquanto órgão da Administração Pública, deve actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites das competências e atribuições que lhe são atribuídos por lei, sob pena de abuso de poder e com o risco de ser sujeito ao competente processo disciplinar e/ou criminal no caso dos órgãos de justiça para o efeito pautarem pelo respeito ao Estado de Direito Democrático que caracteriza o Estado Moçambicano.
Se as ordens supracitadas emanadas pelo Comandante-Geral da PRM não encontram qualquer substracto legal, significa que são arbitrárias, contrariando as regras do funcionamento da Administração Pública. Outrossim, são contrárias aos direitos humanos e direito à justiça dos membros da PRM.
Aliás, considerando que a ordem emanada pelo Comandante-Geral da PRM deve ser cumprida pelos visados, a forma pública como foi praticada e tendo em conta a elevada importância da corporação em causa na manutenção da lei e ordem no país, tal comportamento do Comandante-Geral da PRM pode ter efeito multiplicador para os outros sectores, acarretando prejuízos incalculáveis para o País do ponto de vista económico, político, ou seja, da democratização do Estado, da edificação de uma sociedade de justiça social e da defesa e promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei, conforme preconiza a CRM.
Pela gravidade das ordens em questão, urge, pois, a intervenção do Ministério Público como garante da legalidade, defendendo assim os interesses que a lei determina para o funcionamento da Administração Pública.
Também, é aqui chamado o Provedor de Justiça, enquanto órgão que tem como função a garantia dos direitos dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça na actuação da Administração Pública.
Não menos importante será a intervenção da Comissão Nacional dos Direitos Humanos, (CNDH) criada através da Lei nº 33/2009 de 22 de Dezembro que é uma instituição de direito público, independente, que goza de autonomia administrativa e funcional em relação aos demais órgãos do Estado. Nos termos da Lei nº 33/2009 de 22 de Dezembro, o mandato da CNDH é de promover, proteger e monitorar os direitos humanos no país, bem como consolidar a Cultura de Paz. Dúvidas não restam sobre a importância da CNDH na promoção e protecção dos direitos humanos dos agentes da PRM.
Alguém deve colocar ordem legal nas ordens emanadas pelo Comandante-Geral da PRM se pretendemos construir o Estado de Direito Democrático nos termos previsto na CRM.
Por: João Nhampossa
Human Rights Lawyer
Advogado e Defensor dos Direitos Humanos