Moçambique vive um cãos político e social, bem como um cenário de violência e brutalidade policial contra os cidadãos indefesos, nos últimos dias, em particular, desde o bárbaro assassinato do advogado Elvino Dias e de Paulo Guambe, mandatário do Partido PODEMOS, na cidade de Maputo, na madrugada do dia 19 de Outubro corrente, num contexto de crise político eleitoral, aliás, considerado de excessivamente fraudulento por vários actores políticos, sociais e em especial pelo povo, concretamente os jovens e grupos mais pobres da sociedade moçambicana.
Sem vergonha, nem ética profissional e respeito pela dignidade humana que deve caracterizar a Polícia da República de Moçambique (PRM) e as Forças de Defesa e Segurança (FDS), a Polícia está, intencionalmente, de forma recorrente e firme, a praticar execuções sumárias, ameaças, agressões físicas, detenções arbitrárias, baleamentos, com recurso a armas de fogo e uso de gás lacrimogéneo contra os cidadãos indefesos, independentemente de se tratar de manifestantes ou de estarem em situação de manifestação contra os resultados eleitorais e contra o hediondo homicídio do advogado Elvino Dias e de Paulo Guambe, respectivamente, mandatário do candidato às eleições presidenciais, Venâncio Mondlane, e mandatário do Partido PODEMOS.
Simultaneamente, os manifestantes do Partido no Poder, a FRELIMO, nas suas marchas de celebração da alegada vitória eleitoral, gozam, não só de plena e forte protecção das instituições da Administração Pública e da justiça, como da forte e incondicional protecção policial. Em bom rigor, a Polícia até usa balas verdadeiras e envereda pelo uso desproporcional do gás lacrimogéneo para dispersar e afugentar os filhos “ilegítimos” de Moçambique, o povo pobre e vítima da má governação que contesta os resultados eleitorais e os assassinatos supra referidos, para não atrapalharem a celebração dos alegados vitoriosos destas eleições gerais, a FRELIMO e seu candidato à Presidência da República, conforme ficou evidente no passado fim-de-semana, com destaque para sábado, dia 27 de Outubro corrente, sobretudo no Distrito de Mecanhelas, na Província do Niassa.
Em menos de uma semana a Polícia exibiu e praticou em demasia a violência e brutalidade policial, sem qualquer tipo de impedimento ou de chamada de atenção por entidade competente, seja de sua gestão ou direcção, seja da fiscalização interna e externa da sua actuação.
Mais do que isso, é que a Polícia avisou, publicamente, que vai repelir qualquer tentativa de manifestação e decretou tolerância zero contra o exercício da manifestação, o que veio a acontecer. Mas nenhuma instituição de justiça tugiu ou mugiu para impedir qualquer acto de barbaridade contra os cidadãos ou violação dos seus direitos e liberdades fundamentais. Curiosamente, a prática ensina que repelir e tolerância zero para a Polícia significa violência e brutalidade policial que se traduz em execuções sumárias, ameaças, agressões físicas, detenções arbitrárias, baleamentos, com recurso a armas de fogo e uso desproporcional de gás lacrimogéneo contra os cidadãos indefesos.
A PRM e as FDS violentam e brutalizam os cidadãos em geral, com a excepção dos “cidadãos” da FRELIMO, perante inércia tanto das instituições de justiça, como da direcção desses órgãos de Polícia e segurança do Estado, com destaque tanto para o Presidente da República, na qualidade de Comandante-Chefe das Forças de Defesa e Segurança e garante da Constituição da República, por um lado, como para o Ministério Público, enquanto garante da legalidade e detentor da acção penal, em especial em crimes públicos como os praticados pela Polícia. A Comissão Nacional dos Direitos Humanos e o Provedor de Justiça são as outras instituições relevantes que devem, dentro das suas atribuições e competências legais, tomar posições sérias e agirem de forma firme, contundente e urgente contra a actuação da Polícia.
Se assim aconteceu e está a acontecer, então o presente artigo coloca as seguintes questões: Quem controla os agentes da PRM e FDS para actuarem dentro do quadro constitucional em vigor em Moçambique? Quem efectivamente responsabiliza a PRM e FDS pela violência e brutalidade policial contra os cidadãos? Será que a resposta está a ser empurrada para a prática da justiça popular ou justiça pelas próprias mãos?
Portanto, parece que se está perante um Estado Polícia em que a PRM e as FDS controlam o Estado a seu bel-prazer e se sobrepõem a quaisquer outros do Estado, incluindo os órgãos de justiça, nomeadamente o Ministério Público e os Tribunais que demonstram temor reverencial em responsabilizar a polícia pela violação dos direitos, liberdades e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
Por: João Nhampossa
Human Rights Lawyer
Advogado e Defensor dos Direitos Humanos
Jurisconsulto em Litigância de Interesse Público
Entraram na cidade com pólvora e chumbo e balas, cantando canções jamais ouvidas debaixo das luzes fluorescentes. Traziam consigo a euforia e o entusiasmo, e ainda o sangue quente da morte e da vontade de vencer. Vibravam, por dentro e por fora, como se a guerra tivesse chegado ao fim para que a paz prevalecesse. Mas as armas, embora repousadas à tiracolo, diziam outra coisa. Continuavam com os carregadores cheios e os dedos suados dos guerrilheiros, tremiam muito perto dos gatilhos. Sendo assim, significa que alguma coisa vai acontecer logo a seguir, mas ninguém foi capaz de ler os sinais, e fazer algo para evitar que o sangue voltasse a jorrar nas matas e nas estradas.
Cantávamos todos em harmonia. Em júbilo. Em celebração. Sob batuta de Samora Machel que ia à frente e dizia, “tiyendi pamodzi (vamos juntos)! E na verdade seguimo-lo, enchendo estádios e praças e todos os lugares por onde passasse, sem saber que onze anos depois de anunciar a vitória no vale do Infulene, num diz de chuva branda, ininterrupta, ele, o Samora, apagar-se-ia para sempre.
Depois o tiyendi pamodzi esvaziou-se e, em vez de continuarmos a ir juntos ao encontro da luz, com a vitória agarrada nas mãos de todos, os companheiros de Samora separaram-se de nós. Corremos na mesma pista da maratona mas quem chega são eles. Fumamos a mesma cannabis mas quem apanha o voo são eles. Estão felizes como os animais da selva, quando morreu o leão que rugia nos palanques da realeza. Estão grávidos de dinheiro e fartura. Esqueceram-se dos milhões de braços e, mais do que construírem uma pátria deles à parte, venderam o país inteiro, que é de todos nós.
É verdade! Está a anoitecer outra vez, para que se dê lugar ao piar dos mochos e ao triunfo dos demónios. No fundo nunca amanheceu na nossa terra, para além dos poucos dias que se seguiram ao desfraldar da bandeira que alimentava as nossas utopias. Fomos dados o cheiro da liberdade, mas quase no mesmo dia começaram a ser construídas novas masmorras. Deceparam-nos as asas. E agora estamos a verter novamente o nosso sangue na luta pela regeneração!
Mas é mentira, eles estão com medo de nós os pobres. Sabem que a nossa luta é irreversível. Sabem também que estão entre rios que avançam imparáveis contra os seus falsos baluartes. Não dormem nas noites de insónias onde as vozes do povo ecoam cantando as canções da nossa luta, “povo no poder! Povo no poder!
Estão abalados. Sabem muito bem que chegou a hora de repetir a metáfora de Samora Machel, “se o fruto não cai por si, é preciso abanar a árvore”. É por isso que nos matam. Mas todas as armas que têm e usam, serão em vão. O dia deles chegará como as ondas que não voltam para trás!
O sinal da derrota deles é esse, são as mentiras. São as sementes do terror que semeam em todo o lado. Mas, como rezam as páginas da história universal, desde antes do nascimento de Jesus Cristo, quem semeia ventos colhe tempestades. É infalível. Eles colherão, na safra da sua saga, as pedras que continuam a semear. Então, nesse dia, será proclamada a derrota vergonhosa dos heróis. E içada a nossa nova bandeira.
O número nove decorre da data das eleições, 9 de Outubro de 2024. No texto, e em jeito de contributo, algumas notas sobre o processo eleitoral do país tendo como meta eleições livres, justas e transparentes.
1. Apelos públicos: foram vistas várias personalidades de relevo a fazerem, e têm feito a cada pleito, pronunciamentos públicos a sensibilizarem o cidadão para que este se recenseie e vote. Nestes apelos, deviam dedicar algum tempo a gestores do processo eleitoral, incluindo os Membros das Mesas de Votos (MMVs), para que pactuem com a ética, transparência e integridade em todo o processo eleitoral. E que nos pronunciamentos abranjam também o apuramento e a validação dos resultados. Neste campo, as confissões religiosas, por serem um promotor e garante dos valores éticos e morais deviam ter um papel mais activo, sobretudo na sensibilização das respectivas comunidades, destacando para os seus eventuais membros que participem na gestão do processo eleitoral.
2.Campamha eleitoral: é triste a ῎sujeira eleitoral῎ feita decorrente da afixação de material de campanha nas urbes e não só. Para contornar, seria importante que se criassem regras, sobretudo quanto aos locais e materiais que devem ser usados, evitando assim que a ῎sujeira eleitoral῎ não se repita. Ademais, o financiamento para a campanha devia ser dividido em três partes, sendo a última condicionada à limpeza ou retirada da via pública do material usado na campanha pelos próprios protagonistas.
3.Horário de funcionamento das urnas: o horário oficial de 11 horas (07H00 – 18H00) de funcionamento das urnas constitui um obstáculo, incluindo o de arrastar o processo de votação e apuramento pela noite dentro e por mais de 24 horas. Seria prudente e vantajoso que fosse revisto para oito horas (06H00 – 14H00).
4.Publicação dos editais: não faz muito sentido o apelo para ῎votar e ir para casa῎ e o resultado da votação ser apenas afixado na parede da assembleia de voto do recinto de votação. A prevalecer este apelo recomenda-se o mesmo referido pela Missão de Observação da União Europeia: que a publicação dos editais também seja feito na internet e em tempo útil.
5.Acusações de incitamento à violência: a vulnerabilidade e a falta de integridade e transparência do processo eleitoral, sobretudo na sua fase crítica - a votação e apuramento de resultados - também devia constar do rol das acusações do Ministério Público como incitamento à violência. Alcançar o que dita o slogan da Comissão Nacional de Eleições - Por Eleições Livres, Justas e Transparentes – pode constituir um grande contributo para que não hajam tais acções de incitamento à violência, saindo assim do léxico eleitoral em Moçambique.
6.Justiça pelas próprias mãos: os que se sentem lesados pelos resultados do apuramento eleitoral, ora acusados de recurso a meios considerados de incentivo à violência, são também parte de uma sociedade em que o cidadão comum não espera pela intervenção das autoridades diante de um acontecimento ou algo que o lese ou cause danos. As causas para o efeito são conhecidas, sendo a falta de confiança nas instituições a mais apontada. Resgatar ou criar esta confiança é um caminho.
7.Recensear e não votar: causa muita estranheza que boa parte do eleitorado se tenha recenseado e não tenha ido votar. Caso para perguntar: o que leva um cidadão a iniciar a sua participação (recenseando) e não a concluir (Indo votar)? Uma franja de analistas argumenta que estes não enxergam a utilidade e benefícios do voto. Há também quem diga que o interesse é mais o de acesso a um documento de identificação – o cartão eleitoral – e que o habilite a outros direitos ou benefícios na sociedade. Urge reflectir.
8.Nível de participação: o nível de participação/aderência dos eleitores no dia de votação constitui um forte sinal da mensagem que o eleitorado queira transmitir. Infelizmente este indicador (o nível de participação) não é manchete e nem abre o telejornal. Urge que se façam estudos sobre este assunto, o que também passa por haver desagregação de informação sobre quem vota (jovens, mulheres, adultos, idosos, etc) cuja fiabilidade dos dados requer o que tem faltado nas eleições do país: eleições livres, justas e transparentes.
9.Benefícios do direito de votar: tenho ouvido que ῎desta vez não vou votar῎ ou mesmo que ῎não vejo nenhum benefício em votar῎. Eu voto desde as primeiras eleições e não porque tenha escolhas entre os candidatos, mas, e sobretudo, porque acredito, e é um benefício, que as eleições são o meio mais justo para a conquista do Poder. Descredibilizar este processo, incluindo o não ir votar, abre espaço para que a conquista do poder seja por outros meios. Uma saída é tornar a votação massiva, sendo este desideracto, ora em falta, um ingrediente essencial para a consolidação democrática no país.
PS.Este texto foi escrito antes do bárbaro assassinato do advogado Elvino Dias, assessor jurídico do candidato presidencial Venâncio Mondlane, e do mandatário nacional do partido que o suporta, o Podemos. Junto-me às vozes que condenam o acto e no apelo que se faça a justiça e de forma célere.
“Em Moçambique, as manifestações terão sempre um pouco de vandalismo devido à pobreza absoluta. Os ricos não são empresários, supostos produtores da riqueza, não. Em Moçambique, os ricos são detentores de cargos políticos que, devido ao seu posicionamento estratégico, dominam os projectos económicos de curto e médio prazo e, por via disso, podem negociar com prováveis investidores, isto, por influências políticas. Os ricos em Moçambique são os governantes que decidem sobre as grandes adjudicações para a exploração dos recursos naturais e sobre a aquisição de bens e serviços. Os ricos em Moçambique são os detentores de cargos públicos (alguns) e usam esses cargos para se locupletarem. Isto deve acabar porque cria um fosso entre o pobre e o rico (detentor do dinheiro) porque o capital não se reproduz, fica estagnado em algumas famílias.
Enquanto continuar esta forma primitiva de acumulação de capital, as manifestações públicas, convocadas por qualquer grupo social, terão sempre uma adesão massiva porque são muitas as pessoas que não têm nada a perder, antes pelo contrário, vêem na manifestação uma forma de exteriorizar o sentimento recalcado em si, a frustração de não poder prover bens essenciais à família, por isso a manifestação, nestes casos, far-se-á acompanhar de algum vandalismo. Devemos sim condenar, mas ao mesmo tempo, entender as suas causas!”
AB
“A pobreza em Moçambique aumentou 87% em dez anos, atingindo em 2022 cerca de 65% da população, segundo dados da Estratégia Nacional de Desenvolvimento (ENDE) 2025-2044, aprovada pelo governo. A pobreza tem afectado uma parcela significativa da população, com características demográficas e sócio-económicas distintas, devido aos vários eventos adversos que têm influenciado negativamente o país, com o destaque para os eventos climáticos como ciclones Keneth e Idai que afectaram significativamente a vida da população, causando danos económicos e sociais avultados”.
In Observador
Os dados acima foram retirados do “Observador”, mas não é preciso muito esforço para se chegar a essa triste conclusão. Trata-se da realidade nua e crua, o que falta no nosso País é os dirigentes reconhecerem os dados que são de forma recorrente publicados, quer por instituições nacionais de investigação quer por instituições internacionais, ao contrário disso, o Governo apresenta legados que dão a entender que tudo está bem no nosso solo pátrio. Isto não abona a quem Governa e, aos olhos do cidadão, é como se os governantes estivessem a gozar connosco!
As manifestações convocadas pelo candidato suportado pelo partido PODEMOS, apesar de terem como motivação as eleições gerais de 09 de Outubro de 2024, a sua adesão tem mais que ver com o estado paupérrimo em que as populações se encontram em contraste com a abundância que muito poucos ostentam, revelando o crescimento dos níveis de pobreza no País, mas, acima de tudo, o fosso entre os pobres e os ricos. Ou seja, os pobres estão a ficar mais pobres e os ricos mais ricos e essa riqueza não resulta de acumulação produtiva, mas das influências que eles detêm no estado Moçambicano.
Se formos a reparar, em Moçambique, os ricos não são empresários, os ricos em Moçambique são os funcionários públicos, são políticos, são familiares de pessoas que detêm cargos públicos de entre outros, e a sua riqueza resulta, em grande medida, dessa promiscuidade e troca de favores entre eles. Os empresários de Moçambique são os mais pobres e, se quiser, os mais empobrecidos pelo sistema, tirando, como é obvio, aqueles empresários que, de forma recorrente, aparecem publicamente como filantropos do Governo ou do partido, aqueles empresários que hoje se encontram na malha de “lavagem de dinheiro”, se o empresário mal consegue cumprir com todas as obrigações, quanto mais para lavar dinheiro!
Manifestações com um misto de revolta e vingança!
As manifestações, em Moçambique, terão sempre esta parte de vandalismo. O vandalismo é a forma como os que não possuem nada e, por conseguinte, não têm nada a perder, encontram para se vingarem de quem é detentor de tudo. Isto, na opinião deles, porque, em alguns casos, acabam sendo vítimas, pessoas igualmente pobres, mas que, na sua inconformidade, procuram por todos os meios sair do sufoco da pobreza. Por exemplo, um homem que possui barraca no bairro, o vandalismo o atinge, mas o que ele representa! Nada.
Por isso, a revolta dos que nada têm, por não se poder medir, mostra-se má para as pessoas que também são vítimas do sistema, mas, muitas vezes, as pessoas detentoras do poder são nossos irmãos, nossos filhos, nossos vizinhos que, quando são nomeados para assumirem cargos de direcção e chefia, esquecem-se das suas origens. No lugar de lutar pelo bem comum, procuram se locupletar o máximo possível. Isto torna a pobreza um ciclo reprodutor e a riqueza também, só que a riqueza está muito concentrada e a pobreza atinge quase todos, excepto os detentores do poder.
Numa altura em que se espera a entrada de novo Governo, é momento de reflexão sobre a natureza da governação que se pretende. É altura de olhar para as tendências e as reais necessidades do povo. Não vale a pena olhar para a realidade e assobiar para o lado porque as consequências podem ser piores. O novo Governo deve encarrar os problemas de frente e deixar-se de triunfalismos vazios. Deve acabar com ideia de saber tudo e que os governados são simples objectos para cumprirem com aquilo que eles decidem. Hoje, as coisas não são bem assim.
Não concordando com os últimos acontecimentos, não posso deixar de registar que compreendo o sentido de revolta e tentativa de vingança, contra aqueles que, aos olhos da maioria, são a causa da sua desgraça e, nessa tentativa de vingança e revolta, pode se cometer erros. Esses erros devem ser tolerados e procurar-se evitar o aprofundamento das diferenças entre o pobre e o aparentemente rico.
Um conselho aos organizadores das manifestações: sendo a manifestação um direito constitucional, muito dificilmente se pode impedir que seja exercido por cidadãos que desejam se manifestar. Contudo, o apelo é que, na organização da manifestação, as lideranças estejam sempre presentes, quer a encabeçar e quer no fecho do grupo dos manifestantes e com uma equipe a controlar as laterais. Sempre haverá os mal-intencionadas, mas facilmente controlados e por uma marcha ordeira e organizada.
Adelino Buque
Contextualização
Há muitos anos que o exercício da cidadania em Moçambique é ofuscado e condicionado pelo medo que os cidadãos sentem por temerem represálias de diversa ordem, quais sejam: perda de emprego, marginalização, discriminação, intimidação, ameaças, ódio, agressão física, desaparecimento e até assassinatos, que é a situação mais grave, fundamentalmente praticado pelos chamados “Esquadrões da Morte”, “Milicianos digitais”, alguns governantes e/ou dirigentes, algumas elites do Partido no Poder, Polícia da República de Moçambique (PRM), Forças de Defesa e Segurança (FDS). Em certas situações, o medo é alimentado e espalhado através do Ministério Público e/ou Procuradoria-Geral da República e até mesmo pelos Tribunais por via de processos-crimes infundados e fabricados.
Do ponto de vista jurídico constitucional, Moçambique é um Estado de Direito Democrático e de justiça social. No mesmo sentido, a Constituição da República de Moçambique (CRM) define como objectivos fundamentais do Estado, de entre outros, os seguintes: “a edificação de uma sociedade de justiça social e a criação do bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos; a defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei”; “o reforço da democracia, da liberdade, da estabilidade social e da harmonia social e individual”; “a promoção de uma sociedade de pluralismo, tolerância e cultura de paz”; consagrados nas alíneas c), e), f) e g) do artigo 11 da Constituição da República, respectivamente.
Curiosa e estranhamente, alguns órgãos do Poder Público têm ignorado o formalismo constitucional que consagra o exercício da cidadania, da democracia, dos direitos e liberdades fundamentais como forma de ser, estar e fazer política e cultura de desenvolvimento social e económico de Moçambique. O estabelecimento do medo e terror no seio da população tornou-se o maior trunfo dos dirigentes para se manterem no poder, a todo o custo, mesmo sacrificando vidas de cidadãos inocentes e indefesos que recorrem à inteligência e à lei para que prevaleça a justiça no País.
Há várias evidências e de natureza grave de que a PRM tem sido campeã de violação dos direitos humanos e de abuso de autoridade, com algum destaque para o Serviço Nacional de Investigação Criminal – SERNIC, que, segundo denúncias na imprensa e mesmo nos relatórios oficiais dos órgãos de justiça, até chega a assassinar e raptar cidadãos num esquema de negócios ilegais, qualificando-se como autêntico agente do crime organizado. Outrossim, polícias do Grupo de Operações Especiais (GOE), da Força de Intervenção Rápida (FIR) ou Unidade de Intervenção Rápida (UIR), unidade anti-motim da PRM, também actuam contra os direitos humanos e semeiam medo no povo.
Por sua vez, as Forças de Defesa e Segurança (FDS), não obstante o seu acto patriótico relativamente à guerra em Cabo Delgado contra o terrorismo, têm sido denunciadas como agentes da violação de direitos humanos, matando indiscriminadamente e saqueando os seus bens da população, para além de os intimidar e ameaçar. Aliás, várias organizações da sociedade civil, incluindo a Amnistia Internacional, assim como a imprensa nacional e internacional, chegaram a denunciar e reportar informações que consubstanciam violação de direitos humanos por parte das FDS em Cabo Delgado, no contexto da guerra contra o terrorismo.
Algumas evidências de institucionalização do medo no País
O recente assassinato bárbaro do advogado Elvino Dias e de Paulo Guambe, mandatário do Partido PODEMOS, na cidade de Maputo, no contexto das correntes eleições gerais, atendendo às circunstâncias e modus operandi, é mais uma evidência inequívoca, não só da prática da institucionalização do medo em Moçambique como uma forma de gestão do Poder, mas também da materialização da licença para matar a cidadania, a democracia e o Estado de Direito.
Ainda no contexto das eleições, importa aqui lembrar que foi a força policial (GOE) que, uma semana antes das eleições gerais de 15 de Outubro de 2019, assassinou o activista social, defensor dos direitos humanos e pai de família, Anastácio Matavel, no dia 07 de Outubro de 2019, em plena luz do dia, na via pública, na Cidade de Xai-Xai, na Província de Gaza.
Na verdade, do ano 2015 até ao presente momento houve significativos assassinatos, agressões e outros tipos de violações graves contra os cidadãos no pleno exercício da cidadania em defesa do Estado de Direito Democrático, da legalidade, do interesse público, dos direitos humanos e da justiça. Essas violações tiveram lugar, maioritariamente, num contexto de forte crítica ao governo do dia seja pela prática da corrupção, abuso de poder, má gestão do bem público, inércia dos órgãos de justiça, má governação, fraude eleitoral a favor do partido no poder e excessiva interferência do poder executivo sobre o poder legislativo e judicial.
Aliás, vale lembrar que, nos últimos 10 anos, os cidadãos foram praticamente proibidos, arbitrariamente, de exercer o direito à liberdade de manifestação e com o beneplácito dos órgãos da justiça, mormente a Procuradoria-Geral da República que nunca tomou qualquer posição, enquanto garante da legalidade, para permitir o exercício da cidadania e da democracia, pela efectivação do direito à liberdade de manifestação nos termos da lei, por um lado, e para garantir a responsabilização dos que violam o direito à liberdade de manifestação, por outro.
Igualmente, os cidadãos têm sido vítimas de violação dos seus direitos humanos tão somente pelo exercício da liberdade de expressão, que na prática ficou excessivamente limitada quando se trata de criticar a má gestão do Estado, a má governação, o abuso de poder, a corrupção e violação dos direitos humanos.
Mais do que isso, é que o exercício da liberdade de imprensa e a liberdade de associação, nos termos constitucionalmente consagrados, não escapa a essa violação, limitação infundada e intimidação de quem exerce essas liberdades.
Os jornalistas, órgãos de comunicação social independentes e organizações da sociedade civil são muitas vezes perseguidos pelo regime do dia e muitas vezes silenciados sem qualquer base legal. Até há casos flagrantes de recurso à reforma legal para intimidar ou silenciar os jornalistas, activistas sociais e organizações da sociedade civil. São exemplos disso: a reforma da legislação sobre o branqueamento de capitais e combate ao terrorismo, a reforma do Código Penal e do Código do Processo Penal, a recente reforma da lei eleitoral, que até intimida e marginaliza as atribuições e competências dos juízes e tribunais eleitorais do Distrito; a forma maquiavélica e arbitrária com que se pretendia levar a cabo a revisão da Lei n.º 8/91 de 16 de Julho (Lei das Associações) e do processo da revisão da lei de imprensa (lei nº18/91, de 10 de Agosto), cuja denominação se pretende Lei da Comunicação Social, que está a ser demasiado criticado principalmente pelos próprios profissionais da comunicação social e pela sociedade civil que se sentem marginalizados e traídos pelo conteúdo da proposta de revisão da lei de imprensa, que até procura criminalizar a actividade jornalística como forma de intimidar a liberdade de imprensa.
Muitas das violações contra os críticos do sistema no poder, contra os activistas sociais, jornalistas, órgãos de comunicação social, organizações da sociedade civil e académicos, etc., têm lugar num contexto de forte prática de discurso de ódio contra os mesmos, pelos chamados “Lambe-botas do Governo e Milicianos Digitais”. O discurso de ódio é feito com recurso às redes sociais e imprensa pública, que serve mais ao regime do dia ao invés do interesse público.
Importa notar que hoje, 21 de Outubro de 2024, as crianças não vão à escola por ser dia de “terror” contra o exercício do direito à liberdade de manifestação tanto pelo assassinato do Advogado Elvino Dias e do mandatário do Partido Podemos, Paulo Guambe, como pelas denúncias de fraude eleitoral. Nesse prisma, as crianças já sabem que a PRM e sua UIR e as FDS vão violentar os manifestantes, prendê-los arbitrariamente e até matar, se for o caso. Trata-se, em bom rigor, de um processo de interiorização do medo e terror em tenra idade.
Conclusões
São significativas as evidências e sinais do processo e prática da institucionalização do medo sobre o povo moçambicano, como forma de gestão do Estado. As maiores vítimas são os que pensam diferente e/ou contrariamente ao regime no poder,
A arbitrariedade, o abuso de poder e “gangsterismo Estadual”, muitas vezes com recurso ilegal à força policial e militar, são os mecanismos ou práticas mais usadas para a institucionalização do medo, com a apatia dos órgãos de justiça e de protecção dos direitos humanos, que são fortemente influenciadas pelo poder executivo.
O País só poderá desenvolver, conhecer a paz, boa governação e materialização dos direitos humanos com a eliminação da barreira da instituição do medo que é praticada pelos três poderes do Estado, com destaque para o poder executivo que, actualmente, controla os outros poderes e não é responsabilizado pelas atrocidades e destruição da estabilidade social e sonhos dos moçambicanos de viverem numa sociedade de pluralismo, tolerância, bem-estar, de cultura da paz e do respeito pelos direitos humanos, independentemente da opinião de cada um.
Para o efeito, compete ao Governo assegurar a administração do País, garantir a integridade territorial, velar pela ordem e pela segurança e estabilidade dos cidadãos, promover o desenvolvimento económico, implementar a acção social do Estado, desenvolver e consolidar a legalidade e realizar a política externa do País. É o que dispõe o n.º 1 do artigo 202 da CRM.
A função constitucional da PRM é a de garantir a lei e ordem, a salvaguarda da segurança de pessoas e bens, a tranquilidade pública, o respeito pelo Estado de Direito Democrático e a observância estrita dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 253 da CRM.
O artigo 261 da CRM determina o seguinte: “A política de defesa e segurança do Estado visa defender a independência nacional, preservar a soberania e integridade do País e garantir o funcionamento normal das instituições e a segurança dos cidadãos contra qualquer agressão armada.”
Por sua vez, o n.º 1, do artigo 262 da CRM estabelece que: “As forças de defesa e os serviços de segurança subordinam-se à política nacional de defesa e segurança e devem fidelidade à Constituição e à Nação.” No mesmo sentido, o n.º 2 deste mesmo artigo dispõe que: “O juramento dos membros das forças de defesa e dos serviços de segurança do Estado estabelece o dever de respeitar a Constituição, defender as instituições e servir o povo.”
Por: João Nhampossa
Human Rights Lawyer
Advogado e Defensor dos Direitos Humanos
Em Moçambique não se tem falado, ultimamente, de beleza, fala-se pouco. Até nos próprios quadros de arte, o belo é retratado pelas feridas. Não há alegria, nem esperança na juventude. E assim, com este anoitecer violento, avulta um verso da Elis Regina, que se ouve nas ruas e que diz assim: eles venceram e o sinal está fechado para nós, que somos jovens!
Há um medo que paira nas avenidas, ninguém sabe o que vai acontecer amanhã. As ameaças são aspergidas todos os dias pelo rosnar dos cães. A terra treme. Mas estes tempos jamais foram vistos antes, vivemos no fio da navalha. As cascatas deixaram de despejar água cá para baixo. As albufeiras estão baixando de nível, então pode ser que haja o risco de pararem as turbinas da luz que vai enfraquecendo dentro de nós. Pois, se os rios secam, seca o país também. E os rios somos todos nós.
Pedro Langa já dizia: esta bela árvore já não tem folhas, caíram/o que significa que aqui em casa reina o pranto.
Há latidos profundos em todo o lado, então somos iguais aos cães, talvez piores que os cães, é assim como somos tratados! Mas o que é isto? É preciso repetir que a morte agora é fabricada. É servida em garrafinhas com rótulos dos demónios, como por exemplo “dinamite”. Na verdade há um rastilho aceso no nosso chão inteiro, e não poderemos nos esconder nas grutas. Que serão estilhaçadas.
Já não se fala de beleza nos whatsap e no facebook e noutras plataformas digitais. Passamos a vida total a escarnecermo-nos uns aos outros. A despejar todo o nosso fel por cima de nós mesmos. Tudo que se escreve agora nesses sítios tem tendência de nos conduzir à caminhos íngremes, ao pricipício. As coisas lindas que se lêem e se vem nos whatsap e nos facebook, são as mulheres, que também estão vituperadas. Não têm receio de nos mostrarem a parte mais macia do seu corpo. E isso é sinónimo de desespero na juventude. Frustração.
O belo atrai o belo, mas em Moçambique o belo feneceu. Nos subúrbios das cidades é que se nota com maior ênfase o privilégio de ser cão, e nem é necessário o uso da lupa para que toda a nossa nudez se torne clara. Aliás, o músico moçambicano já cantava: vada voxe (comem sozinhos). E se comem sozinhos, então não nos resta mais nada senão ser cão, e andarmos por aí, na gandaia, revirando as latas dos ricos, até que todo o castigo e sofrimento termine. Não sabemos como, se de forma trágica, ou de outra forma.
A noite já vai longa demais, e não se vislumbra a aurora. Diz-se que não é por muito madrugares que o sol vai nascer mais depressa. Mas é preciso mudar esse paradigma, pelo paradigma da juventude. “Vamos madrugar muito, para que o sol nasça mais depressa”. Não precisamos de armas de fogo. A nossa pólvora são as mãos nuas que se abrem e se apertam a outras mãos. As nossas balas são as canções que vamos cantar de dia e de noite até que amanheça. Vamos dançar também, no palco dos becos e das ruas e da avenidas, com as matchatchulani (bailarinas chopes) à frente, esvoaçando as saiotas. São estas as nossas armas. Entregaremos, sem medo, o peito às verdadeiras balas que já começaram a chover como granizo de morte.