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Quando a propaganda nazista usou os Media recém-criados, na primeira metade do século XX, para mobilizar a população alemã no apoio à sua guerra, serviu-se da arte (música, teatro, filmes, livros, pintura) para difundir inverdade com forte carga ideológica. Discursos elogiosos sobre si e cartazes com caricaturas que ridicularizavam os seus principais alvos (judeus) garantiam que a mensagem nazista chegasse às massas com sucesso para gerar lealdade política. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os Media centram-se a questões comerciais para promover e vender bens culturais.

 

Parece-nos fazer sentido que alguns teóricos da Escola de Frankfurt, Theodor Adorno e Max Horkheimer, ao fundarem a teoria da Indústria Cultural, concebam a sua visão crítica sobre a arte que se estava a tornar cada vez mais enxuta, por conta da sua reprodução massiva e seriada, para acomodar interesses capitalistas dos agentes económicos da época. Foram precisamente dois anos após o término da Segunda Guerra que Adorno e Horkheimer publicaram a “Dialética do Esclarecimento”, onde afirmaram que a sociedade estava sendo manipulada através da popularização da arte e bens culturais por meio dos grandes Media, tendo em vista o lucro. E qual seria então o ponto crítico da produção acelerada de bens artísticos em larga escala? Tem que ver com o facto de serem produzidos somente para o entretenimento, sem possibilidade de gerarem reflexões ao consumidor. Esta foi uma visão celebrada por artistas renomados no planeta como é o caso de Nina Simone ao referir que “o papel do artista é refletir o tempo em que vive” e a arte enxuta, infelizmente, não abre essa possibilidade.

 

Se a ascensão da radio e televisão “pauperizou” a arte, então a Internet veio extinguir a ideia do milagre da unicidade e exclusividade na produção artística. Isso pressupõe que a padronização e a produção em série da arte tornaram-se realidades irreversíveis, o que significa que a Indústria Cultural veio para ficar, cabendo a cada nação como lidar com as suas manhas. Em outros quadrantes fora de África, por inerência da evolução, as abordagens sobre a Indústria Cultural já transcenderam o estágio de críticas ao conceito. A preocupação actual é com a robustez e hegemonia industrial. No caso particular de Moçambique, qualquer discussão que nos pareça fazer sentido seria sobre como o estado concebe a Indústria Cultural a par de como o mundo a concebe centrando-se na competitividade.

 

Se concordamos que os bens culturais exógenos se revestem de um padrão universal sedutor que apreciamos, e por isso consumimos, parece-nos racional pensarmos em organizarmo-nos para ombrear com esses centros de produção de tais bens culturais e temos a prerrogativa de promover bens culturais exportáveis não enxutos, dada a larga diversidade cultural de Moçambique. Promover bens culturais exportáveis implica antes ter a capacidade de produzir para alimentar o ambiente interno, o que não é possível com políticas que colidem com a realidade local. Não se pode pensar a industrialização do livro enquanto este continuar menos acessível, sobretudo num contexto em que emergem cada vez mais autores e cada vez menos leitores. É uma contradição ao que prevê a política do livro. Significa que ainda não conseguimos estar próximos dos que seriam os piores exemplos da Europa, como é o caso de Portugal que está entre os países da união europeia que apresenta baixos níveis de leitura, no entanto a edição anual de livros supera de muito longe as de Moçambique, agravado por baixas tiragens que revelam uma Indústria Gráfica local incipiente.

 

Não nos parece coerente pensar uma indústria de música moçambicana exportável em grande escala se não formos capazes de nos alimentarmos da própria música, a semelhança da África do Sul e Nigéria. Seria de todo estranho vender ao outro o que não consumimos. É mau sinal quando o tráfego congestiona e o Hotel Gloria fica abarrotado porque a Ana Joyce vai cantar e mesmo não ocorre quando um artista local se apresenta ao mesmo lugar. Isso impõe que a nossa política deve ser protecionista à arte local. Depois de a Timbila ter sido proclamada Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO, o que lhe garante grande destaque internacional e um crescente interesse sobre as suas origens, a preocupação de Moçambique não deve terminar em celebrações dessa façanha. Deve ser a de pensar como tirar proveito dessa conquista no mundo no âmbito da Indústria cultural. Não seria este o caminho para uma produção de Timbila em escala industrial para alimentação local e para exportação? Por outro lado, se a música nacional deve ser tomada como business, então a cadeia de produção e de valores deve ser repensada a partir do sistema nacional de educação. Privar crianças de educação artística e musical em particular, através do currículo do ensino público reducionista, para além de revelar a ausência do estado e incitar a não inclusão, elitiza a música e não promove a emergência artística musical que estaria em harmonia com a ideia de industrialização cultural. E a industrialização musical vai muito além do fazer música, compreende desenvolver uma capacidade de dependência interna de fabrico de instrumentos locais em grande escala para alimentar a escala maior. Tenhamos em conta que as sociedades são produto ideológico. Se a nossa noção de arte se centra no entendimento que coloca o ocidente como modelo de estética, significa que o ocidente foi suficientemente forte ao difundir sua carga ideológica. Cabe a nós invertermos a pirâmide para não estarmos na condição de subalternidade ao reproduzirmos a forma ocidental de arte – o que reduziria as chances de podermos ombrear com este no mercado global por não termos um diferencial a oferecer.   

 

Não seria racional, por exemplo, contar com uma Indústria Gastronómica enquanto a visão de culinária se circunscrever a feiras, seminários públicos e não em criar “KFCs” e “McDonalds” tipicamente locais com visão expansionista internacional. Não é coerente pensar e materializar uma indústria do teatro e do cinema, com salas convertidas em templos, e o cinema visto como entretenimento e não como instrumento de mediação de valores moçambicanos capazes de seduzir o país e o mundo. Se o EUA exibe a sua pujança militar através do cinema, então nós podemos exibir os atrativos turísticos e outras potencialidades que geram receitas significativas ao estado. É, sobretudo, importante que haja muita clareza sobre como queremos nos posicionar enquanto Indústria Cultural com ascensão da Inteligência Artificial, atendendo os desafios muito básicos que temos com relação à internet.

 

Uma Indústria Cultural que se queira sólida num mercado global gera símbolos culturais através da sua arte. Se não somos capazes de firmar tais símbolos, pelo menos a nível da região, então a linha que separa o discurso da realidade ainda não é ténue. Se o que designamos indústria cultural ainda não escalou estágio de mercado consumidor de bens culturais, com altos níveis de consumo interno, e não gera receitas ao estado, então estamos ao nível de discurso triunfalista e não de Indústria Cultural moçambicana.

 

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Comunicólogo

Por uma questão de salvaguarda e compreensão, antes que os amantes do imediatismo e da leitura menor façam uma hermenêutica ingrata e desajustada ao âmago deste texto, chamo aqui o conceito de Ignorância Quântica. Na Ignorância Quântica, Thomas Vidick e Stephanie Wehner esclarecem que no mundo quântico é possível um aluno esconder a sua ignorância e responder a perguntas correctamente num exame, sem que a sua falta de conhecimento seja detectada pelos professores. A par disso explicam, também, que este conceito alerta sobre a necessidade de conhecer o todo, para que as nossas conclusões, centradas em conhecer apenas as partes, não nos façam resvalar para o imediatismo e edificar a ilusão do conhecimento. Isso pressupõe que quanto mais partes conhecemos sobre algo, mais entendemos o todo – e quanto mais entendemos o todo, maior compreensão temos de cada uma das suas partes.

 

Esta colocação vem a-propósito da participação de um grupo de músicos moçambicanos na “Expo Dubai 2020”, cujo assunto tornou-se viral e fixou assento na esfera pública nacional. Alguns intelectuais, diga-se, orgânicos içaram a bandeira do imediatismo, na medida em que emitiram artigos opinativos centrados apenas num fragmento da performance dos músicos moçambicanos que foram escalados ao evento. A “pólvora” que deu origem à polémica é a nova vaga de artistas, com destaque para o “pandzista” Mr. Kuka, que se fizeram ao palco de Dubai. Na imagem nota-se uma entoação vocal que, na óptica de alguns, sugere desafinação, para além de exibir uma narrativa lírica aparentemente supérflua. Foi a partir deste vídeo que alguns artigos opinativos sentenciaram, com “pena capital”, a participação de Moçambique em Dubai. O excesso de saudosismo ao invocar as figuras de Wazimbo, Mingas, Xidiminguana, Ghorwane, etc., e o “anti-pluralismo” que sugere vedação a inclusão etária, rítmica e territorial, estão entre os principais enunciações dos articulistas.

 

Sucede que a performance dos artistas moçambicanos em Dubai compreendeu também outros momentos, designadamente a interpretação de clássicos como são os casos de Eyuphuro – cantado em Emakua pelo jovem Valdemiro José, a Canção Popular “Elisa” pela jovem Onésia Muholove. É aqui onde Ignorância Quântica encaixa aos que se ativeram a sentenciar, com “pena capital”, a participação de Moçambique em Dubai. Socorreram-se de um fragmento apenas e edificaram uma pseudo razão. Usaram uma amostra não representativa para inferir o que não é. Invocar clássicos da música como exclusivos baluartes da Cultura é de um tamanho erro de raciocínio, todavia os clássicos merecem o seu respeito porque funcionam como referenciais à edificação da Memória Colectiva - sem que isso implique necessariamente a extensão forçosa do passado.

 

Concordo que a Cultura deva, como observou Cheick Anta Diop, afigurar-se Baluarte de um povo, mas isso não impõe que tal desiderato se consiga apenas por via da extensão do passado. Há Valores, diga-se, relativamente novos que também passam a residir no imaginário colectivo (Memória Cultural Social). À semelhança da capulana que outrora nos foi imposta num contexto subordinação imperial árabe, e do terno e gravata “herdado” do império ocidental, há tantos outros valores alheios que se “herdam” e se tornam “nossos”. Todas as Culturas são produto do hibridismo - a pureza já não existe. A nossa preocupação para com a Cultura não deve ser reduzida às indumentárias e as artes musicais. Deve gravitar sobre o “Pensamento Moçambicano”. O mais importante, no seio destas celeumas desnecessárias e triviais, é preocuparmo-nos sobre como a Identidade Cultural no prisma do “Pensamento Moçambicano” pode gerar produtos culturais no contexto das Indústrias Culturais.

 

Nessa ordem, e sem querer discutir a meritocracia ou não da qualidade, não me parece racional reivindicar a colocação dos clássicos na montra contemporânea enquanto produtos dessa Indústria Cultural. Afinal são os Justin Biebers da pátria que existem porque têm o suporte de uma plateia local. Os Justin Biebers da pátria existem porque têm o suporte das maiores janelas mediáticas da praça (é o que a televisão nos oferece quotidianamente), sem descurar o suporte das maiores empresas locais em matéria de trocas comerciais. Se as massas não “compram” e tão pouco “pagam” para ver e ouvir os clássicos – qual seria a racionalidade de exibi-los em pessoa em Dubai? Neste prisma, a discussão que quanto mim seria justa é como tornar os Justin Biebers da praça culturalmente mais robustos dentro e fora de Moçambique e, sobretudo, como torná-los capazes de gerar produtos culturais que explorem a Memória Cultural local.

 

É importante frisar que a língua é o maior vector cultural e o Emakua, que foi cantado na interpretação do Eyuphuro em Dubai, para além de firmar a Memória Cultural Étnica, está entre as línguas nativas mais faladas em Moçambique. E sobre a Memória Cultural Étnica é oportuno esclarecer que a Cultura se resume em Valores materiais e espirituais de um povo. Tais Valores não implicam necessariamente a extensão do passado. Têm que ver com o que se absorve ao longo de um tempo e passa a residir no repositório colectivo que designamos por Memória Cultural, sublimando sobretudo o “Pensamento Moçambicano”. E sobre o mérito ou demérito em Dubai, este debate deve, antes, tomar por base os pressupostos consensuais sobre Cultura e, depois, discutir a meritocracia ou não da actuação dos nossos fora.

 

Termino referindo que, sob ponto de vista de opções e escolhas artísticas, não me identifico com qualquer um dos que foram escalados a Dubai – o meu saxofonista é o Ótis, o meu baterista é o Stélio Zoe, as minhas vocalistas são muitas e, para além da Zena Bacar (em memória), nenhuma delas esteve lá, todavia julguei oportuno e justo “separar as águas”, pois pareceu-me que o populismo já estava a dar sinais de enterrar precocemente um assunto premente. Portanto, a Ignorância Quântica levou-nos ao falso problema e este está a conduzir-nos a um debate periférico. Nada tenho contra discussões periféricas, mas elas fabricam a ilusão do conhecimento.

 

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(Comunicólogo)

Não é menos verdade que exacerbadas emissões globais de gases de efeito estufa, movidas pela frenética pressão aos ecossistemas, no âmbito da materialização das políticas neoliberais de acumulação do capital, estão progressivamente a colocar o planeta numa marcha rumo a um aquecimento sem precedentes e com implicações severas, sob ponto de vista de desenvolvimento, sobretudo aos países com economias periféricas como é o caso de África. Não é menos verdade que estudos apresentados no Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), a principal autoridade mundial para avaliar a ciência das mudanças climáticas, projectam que as regiões de África, dentro de 15 graus do equador, poderão experimentar um aumento nas noites quentes, bem como ondas de calor mais longas e frequentes.

 

Não é menos verdade que a desertificação de áreas férteis, as inundações das cidades costeiras, o derretimento de massas glaciais (degelo) e o aumento dos níveis do mar, a proliferação de furacões ou ciclone tropicais devastadores, estão entre as principais consequências do efeito estufa. Todavia, é também verdade que, no horizonte temporal entre 1850 a 2016, Estados Unidos, China, Rússia, Alemanha, Índia, Reino Unido, Japão, França, Ucrânia e Canadá, figuram na lista dos países tidos por principais responsáveis pelas mudanças do clima, segundo a Climate Watch. Isso pressupõe que Alemanha, presentemente considerado um dos países com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo, escalou esse estágio através da emissão nociva de gases de estufa outrora. Implica também que Estados Unidos, considerada a maior economia mundial, chegou a esta posição agredindo desenfreadamente os ecossistemas, emitindo gases nocivos à atmosfera através das suas indústrias. Significa ainda que o Reino Unido liderou o sector industrial mundial durante anos emitindo grandes quantidades de gases de estufa nos seus processos de produção da indústria automóvel, têxtil, entre outras. Não há precedentes, em qualquer estudo com teor científico, nesse horizonte de tempo, que aponte algum país africano na lista dos maiores emissores mundiais de carbono.

 

Vale a pena lembrar que, em 2008, África do Sul e Nigéria foram considerados responsáveis por emitirem quase 90% das emissões de gases poluentes no continente africano, segundo o estudo desenvolvido pela ONG alemã Heinrich Boell Stiftung. 45% para a Nigéria, igual quantidade à África do Sul e 10% aos restantes países do continente. Consideremos hipoteticamente uma possibilidade de margem de erro, assumindo que os dois países emitem 50% e os restantes 53 países de África emitem também 50%. Isso pressupõe que Moçambique, com um parque industrial incipiente, emite “uma gota no oceano” em termos de poluentes de estufa. Contudo, apesar desses níveis de emissões da África do Sul e Nigéria, não há espaço para compará-los aos dos países industrializados já anunciados.

 

Se atendermos o facto de as Mudanças Climáticas, protagonizadas principalmente pela industrialização ocidental, terem propiciado doenças trazidas pelo aumento da temperatura, ilhas de calor e baixa qualidade do ar, tendo afectado povos africanos, sobretudo os rurais, que passaram a exercer maior pressão sobre os ecossistemas  como é o caso das queimadas descontroladas à busca de alternativas de subsistência, parece-nos haver falta de honestidade na hora de tomar decisão sobre o futuro do Planeta. Parece-nos haver uma autêntica falta de “fair play” ecológico – na medida em que os fenómenos atmosféricos que hoje assolam África seriam muito menos violentos se os países ocidentais, hoje industrializados, não tivessem indiscriminadamente agredido o meio ambiente ao longo da história.

 

É verdade que, pelo reconhecimento da degeneração da qualidade dos ecossistemas globais e da ameaça das mudanças climáticas, muitos países vêm se reunindo desde a primeira Conferência ecológica em Estocolmo (Suécia – 1972), passando pelo Eco 92 no Rio de Janeiro (Brasil – 1992), o Cop1 em Berlim (Alemanha – 1995), até ao presente Cop26 em Glasgow (Escócia – 2021), com o objectivo de assumir o compromisso de limitar as mudanças climáticas, através da adopção de medidas que visam reduzir as emissões e construir resiliência. Mas é também verdade que no ano em que o Acordo de Paris foi adotado reconheceu-se que os compromissos sobre a mesa não seriam suficientes, ainda que os países materializassem suas promessas, as temperaturas globais subiriam 3°C neste século.

 

Sobre esse compromisso, sobre a Transição Energética e todas outras acções a serem levadas a cabo pelos países, visando conter a subida das temperaturas globais, lembremo-nos que, no Acordo de Paris, pediu-se maior apoio financeiro dos países desenvolvidos para auxiliar os esforços de acção climática dos países em desenvolvimento e economicamente periféricos. Este resgate de memória vem a-propósito para lembrar o facto de ter ficado claro que os países, principalmente ocidentais, que escalaram o crescimento e desenvolvimento económico por via da degeneração da qualidade ecológica devem ressarcir os que durante anos mantiveram a mais exemplar postura ambiental como é o caso de Moçambique. Se considerarmos que a implantação de um sistema industrial centrado em energias renováveis é extremamente caro, seria muito justo que o Banco Mundial, a União Europeia e o Reino Unido, que decidiram travar o financiamento aos projectos de exploração de combustíveis fosseis, abrissem excepção ao financiamento dos projectos de Gás, como manifestação da sua preocupação para com o crescimento e desenvolvimento económico de Moçambique – atendendo que nenhum dos país ricos alcançou o Índice de Desenvolvimento Humano por via do milagre, senão pela fustigação ecológica. Para além de o Gás ser cientificamente considerado hidrocarboneto menos nocivo que o Petróleo e Carvão, é presentemente o potencial factor de autofinanciamento à Transição Energética do país. Portanto, quando o ocidente furta-se das suas responsabilidades e compromissos, e opta por ignorar os aspectos aqui arrolados, parece-nos estar a assumir uma atitude de falta de “fair play” ecológico e a oferecer-nos um discurso ornamentado de aporias sobre a Transição Energética em Moçambique.

 

Circle Langa

 

Comunicólogo e Pedagogo

 

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  Com a crise keynesiana, no passado século XX, que advogava um Estado interventivo na economia sempre que fosse necessário, visando evitar a retracção económica e garantir o pleno emprego, os países socialistas de economias periféricas (e não só) abriram-se ao financiamento às suas economias e, consequentemente, ao sector da Educação. Isso pressupôs que, entre as reformas feitas, no âmbito dos acordos com as instituições dos Bretton Woods (FMI e BANCO MUNDIAL), o estado deixaria de financiar a Educação, ficando somente com a função regulatória, passando a tarefa de injecção pecuniária maioritária ao privado. O privado, por sua vez, passaria “implicitamente” a definir o que deve ou não ser leccionado. É aqui onde toda a “desgraça” começa. Perdeu-se o controlo total e completo sobre a gestão educativa sectorial em benefício de um financiamento que colocou o país na actual alienação gravosa.

 

  Ganhou o neoliberalismo e o comunismo, embora não seja integralmente melhor, foi enterrado para sempre. Vale a pena lembrar que os actuais ultraneoliberais herdaram a veia capitalista outrora criticada por Karl Marx e Antonio Gramsci, por terem fomentado um tipo de Educação que perpetua desigualdades de classes - formar a classe baixa para o fazer - apenas para servir o mercado (trabalhando) e formar a classe alta para o saber - capaz de conferir liberdade intelectual (pensar sem alienação) com a possibilidade de gerir as classes perenemente subordinadas.

 

  Abro parênteses para frisar que, quanto a mim, a questão não reside no combate ao neoliberalismo, tão pouco advogo a retoma ao comunismo, mas defendo a restruturação dos pressupostos de ambos. Dito de outro modo, primo pelo hibridismo - a coabitação pacífica entre os valores vitais do comunismo e do neoliberalismo capazes de existir sem colisão à favor da humanização. Do que há na memória colectiva, alguns exemplos a ter em conta são dos países escandinavos. Tudo que seja inerente à humanização não colide. Por exemplo, se os dispositivos mediáticos como são os casos da Televisão, plataformas digitais, etc. são produtos do neoliberalismo, que se usem para libertar o indivíduo e não os ter como aparelhos ideológicos que alienam este indivíduo subalterno. Idem para as igrejas que não devem firmar-se por aparelhos ideológicos alienatórios – mas este não é o âmago da minha questão – releguemos para outro momento e voltemos à minha negação sobre o tipo de Educação que perpetua desigualdades de classes - formar a classe baixa para o fazer - apenas para servir o mercado (trabalhando submissamente) e formar a classe alta para o saber capaz de conferir liberdade intelectual (pensar sem alienação e decidir por si sobre seu próprio destino) – algo que os habilita a gerir as classes perenemente subordinadas.

 

  Esta parte da desigualdade de classes é a que leva os nossos dirigentes cientes do problema e financeiramente capazes, em Moçambique, a enviarem os seus filhos para estudar no exterior, em escolas cuja qualidade é inquestionável. O fazem para que os seus não sejam parte integrante da massa subalterna no futuro, porque têm consciência plena do paupérrimo sistema educativo alienatório – havendo, todavia, alguns raros excelentes exemplos de superação de ex-subalternos que se firmaram no melhor sentido.

 

  Relativamente aos professores, como referi acima, o comunismo morreu e ganhou o neoliberalismo. Isso significa que em muitos quadrantes do mundo, a elevação do neoliberalismo veio matar os sindicatos dos professores e tantos outros. A morte de tais sindicatos, pelo neoliberalismo, não pressupõe a extinção das instituições de defesa dos direitos das classes dos professores e outros profissionais. Elas continuam existindo, mas com as suas forças inactivas senão castradas. Aliás, quem financia a tais sindicatos são os próprios neoliberais que exercem controlo sobre estes, no âmbito dos seus interesses em manter estagnado todos os organismos que agem em defesa dos interesses das classes mais desfavorecidas. Foi o que aconteceu com a ONP, SNJ, OTM e tantos outros, não foram extintos, existem, mas dentro de uma sonolência mórbida que os coloca na condição inerte.

 

  Não fomos capazes de higienizar o espírito neoliberal que se abateu sobre Moçambique. As manhas do neoliberalismo conduziram-nos a um estágio mórbido na nossa Educação, quer em termos sindicais aos professores, quer sob ponto de vista de alienação aos educandos, empurrados a serem otários inocentes e permanentes escravos de um mercado cujos mentores e seguidores devotam-se para o manter, ignorando todas as insensibilidades contra a condição humana. Somos insensíveis e alheios às preocupações do professor, e à sorte do aluno, quando o colocamos a leccionar, por exemplo, uma disciplina prática sem laboratório e o cobramos resultados. Somos insensíveis aos professores pesquisadores quando cobramos artigos científicos e afirmamos estar sem verba para financiar uma investigação, entretanto conseguimos colocar chamussas e castanhas por cima de uma mesa para entreter os estômagos dos gestores educativos numa reunião de rotina. Somos insensíveis ao aluno quando o obrigamos a participar numa aula virtual, sujeita à avaliação, mesmo sabendo que o Censo moçambicano 2017 informa-nos que 52% têm acesso ao telemóvel em Moçambique e somente 7% têm acesso à internet, sendo 8.9% com acesso ao computador. Somos insensíveis quando tomamos decisão de avançar com pacotes educativos aprovados mesmo sabendo que as nossas utopias de formação colidem com estes números sobre a realidade do país. Somos insensíveis quando as grandes decisões tomadas não são em função dos resultados de investigação, mas apenas políticos. Somos coadjuvantes da qualidade educativa que os neoliberais “impõem” às massas subalternas.

 

  Se, para os capitalistas, a Educação das massas deve ser de baixa qualidade e formar somente para o mercado, tais sindicatos não vão vincar porque o sistema educativo mundial que foi pensado pela classe dominante é o de manter, através da própria Educação, a distinção entre essas duas classes (dominante e dominada proletária). Portanto a ideia de cindicalizar o sector da Educação em Moçambique é boa, mas, para que não seja uma ideia romântica, precisamos estar bem cientes da magnitude do problema, de modo a estarmos melhor preparados (sem emoção) para jorrar muito sangue porque o assunto é estrutural, sistemático e de dimensão universal. É por causa de tudo isto e mais alguma coisa que tenho dito: “ser professor não é apenas uma profissão, é mais do que isso, é uma MISSÃO cuja meta revela quão árdua foi a trajetória”.

 

*Circle Langa

Comunicólogo e Pedagogo

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(outro prisma sobre o IDAI)

 

O ponto de partida para que quase todos os quadrantes do mundo, hoje, preocupem-se com o meio ambiente, foi a Revolução Industrial ocorrida no final do século XVIII. Com a evolução da indústria na diáspora europeia, coadjuvada pela frenética pressão das ideias liberais e de acumulação do capital, abriu-se um precedente na história da deterioração dos ecossistemas pela acção humana. A contaminação de rios e do ar por poluentes; o despejo de produtos químicos nocivos; o smog em Londres, conhecido como "a névoa matadora" e, mais à frente, os bombardeamentos atómicos das cidades de Hiroshima e Nagasaki, realizados pelos Estados Unidos contra o Império do Japão; foram acontecimentos que, pela magnitude do seu impacto, fizeram brotar a consciência sobre a necessidade de se assumir uma forma de estar dos países sem, no entanto, prejudicar as gerações vindouras. 

 

Houve entre os anos 1970 e 1990 uma série de acordos, convenções e leis, que surgiram com a finalidade de tornar o crescimento económico menos nocivo ao meio ambiente. Este assunto beliscou atenção de ambientalistas como Rachel Carson e da comunidade científica que preocupada com único objecto de estudo (meio ambiente), concluiu que o principal factor da deterioração da atmosfera é a acção humana com foco na industrialização. Ela é responsável pelo acelerado aquecimento do planeta dada a alta concentração de gases do efeito estufa – dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O). A grande herança destas acções nocivas foi a destruição da camada de ozono que traz os perigosos raios ultravioletas do Sol que atingem a superfície da Terra. Acções nocivas dos países do ocidente tiveram impactos sobre o meio ambiente em solo africano. Evidências mostram que, sendo África o continente que se localiza nos dois principais hemisférios, quer a destruição do ozono, quer a o agravamento do efeito estufa, têm impactos directos sobre sua temperatura e afectam a saúde, o meio de vida, a produtividade agrícola, a disponibilidade de água e a segurança geral do povo africano. Sobem os níveis do mar pelo aquecimento global e, por conseguinte, ocorre a erosão costeira. As secas, o stresse causado pelo calor e as enchentes levaram à redução da produtividade nos campos de cultivo e na pecuária. As doenças trazidas pelo aumento da temperatura,  ilhas de calor e pela baixa qualidade do ar. Estes problemas causados à agricultura e pecuária por conta da agressão aos ecossistemas pelo ocidente abriram outro precedente em África. Os povos africanos, sobretudo os rurais, passaram a exercer maior pressão sobre o meio como queimadas descontroladas à busca de alternativas de subsistência. Isto pressupõe que os fenómenos atmosféricos que assolam África pela sua vulnerabilidade, não teriam igual impacto se os países ocidentais industrializados não tivessem indiscriminadamente agredido o meio ambiente ao longo da história. 

 

Sucede que várias conferência já foram realizadas sobre o meio ambiente e desenvolvimento. Desde o “Eco-92” ao COP21, os países industrializados vem prometendo ressarcir aos países de economias periféricas pela noção do impacto das suas acções sobre os estados afectados sem quaisquer culpas. A Agenda 21 que estabelece a pertinência de cada país comprometer-se a refletir, global e localmente, sobre a forma pela qual organizações e todos os sectores da sociedade poderiam encontrar soluções para os problemas ambientais, não mereceu o devido respeito se observarmos o que a história registou enquanto atitude por parte de quem realmente tem obrigações. Os países do "primeiro mundo" não ressarciram os periféricos. As acções observadas, mais do que serem insuficientes e incomparáveis às enxurradas de doações à Notre-Dame que quase se engasga pelo entulho pecuniário, quando deviam ter um carácter de cumprimento de obrigação, vestiram traje de filantropia. A honestidade intelectual manda dizer que Moçambique é parte integrante dos povos afectados pelas acções dos países ocidentais industrializados. Recentemente, em Março de 2019, Moçambique foi violentamente atingido pelo ciclone IDAI que se mostra até hoje com sinais indeléveis. Das reacções vindas do exterior, sobretudo dos países industrializados, tiveram na íntegra uma catalogação altruísta. A honestidade, justiça e “desbranqueamento” da história não foi tão forte ao ponto de nenhuma força externa ter feito menção ao cumprimento de dever. 

 

Ora, este tratamento dividiu opiniões na esfera pública. Uns prestaram vénia à atitude e outros como o escritor angolano José Agualusa assumiram tal atitude como algo que não estivesse além das obrigações dos países industrializados. Uma espécie de reconciliação com a história. É precisamente esta posição de Agualusa com qual me identifico, a dívida ocidental que nunca foi paga à “plebe” e o injusto “ruído” da filantropia.

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