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sexta-feira, 13 janeiro 2023 08:24

FERNANDO COUTO

NelsonSaute

“Elegância devia ser o teu nome

ou mesmo graça e harmonia

ou ainda leveza, etérea leveza.”

 

Fernando Couto

 

Convivi inicialmente com o poeta Fernando Couto quando entrei para a Escola de Jornalismo em 1987, que ele dirigia, com a ajuda da mulher, Maria de Jesus, ambos de grata memória, pela excepcional e afetuosa forma como nos acolheram e nos trataram. Fernando era acanhado quanto aos afectos, Maria de Jesus era explosiva e arrebatadora na afeição. Muitos de nós éramos miúdos e encontrávamos neles um verdadeiro arrimo. Um ano depois, no rescaldo de uma vivência de 35 anos em Moçambique – onde vivera grande parte da sua vida, tivera filhos e escrevera livros –, ele despedia-se do país. Foi motivo para que eu realizasse uma longa e, talvez, uma das primeiras entrevistas literárias de que me lembro na minha vida.

 

No intervalo das aulas, muitas vezes, eu ia ao gabinete do Fernando e ficávamos horas a fio a conversar sobre o ofício da poesia. Sobre os poetas e o sobre o seu destino.  Quando em Maio de 1988 fui entrevistá-lo eu tinha lido quase tudo o que ele até então publicara e seguira algumas das suas sugestões de leitura. Fernando era um grande leitor de poesia.  Hoje, quando passam 10 anos sobre o seu desaparecimento, quero aqui evocá-lo.

 

Fernando Couto chegara à Beira em 1953 e fora na Beira, em 1959, que se estreara com o livro “Poemas junto à fronteira”. Nesse mesmo ano, Rui Knopfli publicara “O País dos Outros”, também livro de estreia. Couto haveria de editar à altura dessa memorável entrevista, sucessivamente: “Jangada do Inconformismo” (1962), “Amor Diurno” (1962), “Feições para um Retrato” (1971). Nas muitas conversas que tínhamos era frequente falarmos de Eugénio de Andrade, um poeta que povoou a minha juventude, e que era um dos poetas portugueses que ele mais admirava e o haviam influenciado.  Era dos seus autores electivos. Aliás, não esqueço nunca estes versos de Eugénio de Andrade – no dia 19 de Janeiro assinala-se o centenário de seu nascimento - que eram igualmente caros ao Fernando Couto:

Estou de passagem: / amo o efémero”.

 

Da lavra de poetas portugueses que o tinham entusiasmado poderia incluir Antero ou Pessoa. O Fernando era de uma grande erudição, embora não fizesse gala nisso, nem a exibisse. Paul Éluard era a grande influência dos poetas franceses que ele sofrera, a par de Louis Aragon ou Supervielle (Jules Supervielle, poeta francês nascido no Uruguai, que eu não ouvira falar até à data). Mas havia muitos, muitos poetas que ele admirava, que ele lia, que ele admirava e alguns tantos que ele traduzia. E ele os traduzia primorosamente.

 

Naqueles anos em que a revolução catapultava todos os entusiasmos e estava na origem de muitos equívocos – como definir funções iminentemente patriotas para a poesia – ele ensinou-me que esta (a poesia) deveria dar livre curso à experiência mais profunda do ser humano. E disse-me algo que até me deixou estupefacto: “os poetas são loucos”. A poesia para ele resultava desse ímpeto interior, dessa necessidade de dar voz ao mais profundo do ser humano, muitas vezes às cegas e de forma imperiosa, impetuosa posso eu acrescentar agora. A poesia era algo que vinha do mais arraigado do seu ser.

 

Disse-me o Fernando Couto e eu anotei: “Acredito, como Maomé, que os poetas são loucos, que fazem e escrevem loucuras e andam por caminhos ínvios como cegos”. Eu o interrogava e o ouvia com profunda admiração. Ele falava-me como se me segredasse o mundo. Por vezes, sussurrava.

 

Falámos longamente da Beira onde coordenou um suplemento literário do “Diário de Moçambique” e onde foi, com Nuno Bermudes, impulsionador das coleções Prosadores e Poetas de Moçambique, levadas a cabo no “Notícias da Beira”. Foi uma actividade importante. Os livros de poesia eram de uma grande beleza. Editou poetas como Glória de Sant´Anna (“Poemas do Tempo Agreste”) ou Rui Knopfli (“Máquina de Areia”). Pertenceu ao grupo que criou o Cine-Clube da Beira, participou da criação do auditório-galeria da cidade, onde se realizavam exposições, recitais, conferências, na emissora do Aeroclube tinha dois programas semanais, um deles com o nome de “Luar da Terra”, título que pilhara a André Breton.

 

Mas também quis saber da sua vida como tradutor. Ele chamava-lhe vício. Traduzira, entre outros livros, o mítico “Rubayyat”, do poeta Omar Khayyam (1048-1131), que o Luís Carlos Patraquim me dera a ler, em 1985. Disse-me Fernando Couto que amava e admirava este poeta persa que se rebelou contra o Islamismo, adoptando um hedonismo que poderia dever muito aos poetas e filósofos gregos, mas também aos poetas e filósofos árabes pré-islâmicos. Deleitara-se a traduzir aquela poesia que é um cântico de amor à vida, lúcido, desiludido, amoroso, sensual e delicado. E, todavia, há quem pretenderia tomar “Rubayyat” como expressão do amor divino, quando, a seu ver, era exactamente o amor carnal e a sensualidade que o poeta persa celebrava.

 

Naqueles anos tentávamos atalhar um caminho da poesia lírica, do amor, da sensualidade, que estava nos antípodas do que fora o excurso poético moçambicano desde os primórdios da independência até então. Claro que havia excepções – Luís Carlos Patraquim (“Monção”) ou Mia Couto (“Raiz de Orvalho”), a meu ver, são paradigmas dessa excepcionalidade –, mas o tom geral e os ditames eram esses. Ouvi-lo discorrer assim era uma espécie de lenitivo.  Senti que Fernando Couto, de algum modo, dava-me os argumentos que sustentavam a via que nós, com alguma rebeldia, intentávamos. A esta distância, isto parecerá uma frivolidade, mas à época, o lugar da poesia chamada de combate, ou engajada, ou mesmo revolucionária, o lugar dessa poesia digo, era inequivocamente decisiva. Sendo que nós, alguns de nós, víamos na poesia lírica ou intimista, o percurso que queríamos fazer e, assim, estávamos a libertar-nos de um anátema. Um pesado anátema.

 

Para mim, aquela conversa com o poeta Fernando Couto teve o condão de me animar, ainda mais, a prosseguir esse caminho. Aliás, Fernando Couto, que também coordenara, anos mais tarde, no “Notícias”, em Maputo, um outro suplemento literário, era um homem que prezava a exigência e a qualidade artística, por assim dizer, da expressão literária e não se deixava amarrar aos ditames da revolução. Era um exegeta. Nas páginas daquele diário ele publicou, entre outros, dois jovens promissores que morreram precocemente: Isaac Zita (1961-1983) e Brian Tio Ninguas (1961-1987).

 

Isaac Zita foi a primeira grande revelação na ficção no pós-independência. Morreu com apenas 22 anos quando frequentava a Faculdade de Educação. Nascido em 1961, publicou contos no “Notícias” e na revista Tempo (por iniciativa de Albino Magaia, que escreveu um esplêndido prefácio, anos depois, ao seu livro póstumo “Os Molwenes”). Morreu em 1983. Em Maputo, na zona da Sommerschield, há uma rua, com o seu nome.

 

Fernando Couto: “O Isaac Zita possuía um sentido de contista que considerei e considero espantoso, incomparável por se tratar de um jovem proveniente do ensino técnico, tão tímido quanto modesto, tão inexperiente da vida, tão quedado dos ambientes ditos culturais!”.

 

Brian Tio Ninguas, pseudónimo do jornalista Baltazar Maninguane, pertencia ao quadro do “Notícias” quando morreu prematuramente em 1987. Permanece inédito, há poemas seus publicados por Manuel Ferreira na revista “África” e está antologiado em Moçambique.

 

Este era o Fernando Couto que se revelava de corpo inteiro naquela ocasião. 35 anos depois de Moçambique ele retornava à Portugal. Não foi por muito tempo, felizmente. Em meados dos anos 90, Mia Couto, Manuela Soeiro (do Mutumbela Gogo), Ricardo Timane (perecido, infelizmente) e eu, formamos uma sociedade editorial que se associou à Caminho – a Ndjira. O Fernando regressara de Portugal e juntou-se-nos ao projecto. Quando foi preciso encontrar um editor a tempo inteiro, ali estava ele com toda a sua generosidade, a sua imensa cultura e o seu avisado saber.

 

Tive o prazer de lá editar, sob a sua responsabilidade, anos mais tarde, um livro de poesia, “A Viagem Profana”, título que ele dizia apreciar bastante. Um editor atento e dedicado. Um homem interessado pelo trabalho dos outros. Eu via nisso uma grande generosidade. Ele haveria, no entanto, de acrescentar à sua estante de autor: “Monódia” (1997) e “Os Olhos Deslumbrados” (2001).

 

A 10 de Janeiro de 2013, Fernando Couto apartou-se deste mundo. Tinha 88 anos. Não sei se o celebraram agora por esta efeméride. Felizmente, os seus filhos criaram, em Maputo, a Fundação Fernando Leite Couto, que honra a sua memória e está na origem de uma importante actividade cultural e cívica na cidade. Quanto a mim, guardo-o ciosamente na memória, sobretudo pelas conversas quase secretas e subversivas que tivemos, primeiro na Escola de Jornalismo, nos longínquos anos 80, mais tarde na Ndjira, ou noutros convívios literários, nas quais muito aprendi do ofício e da loucura de ser poeta.

 

O Fernando Couto era um homem de uma grande elegância, de uma incomensurável sabedoria e de uma humildade extrema. Não tinha soberba. Era um homem que amava poetas e partilhava esse amor ineludível pela poesia e pela vida. Era, eu diria até, de uma grande humanidade. Viveu até ao fim fitando a vida com “os olhos deslumbrados”. Também aprendi com ele a deslumbrar-me com os “milagres da vida”, como ele queria neste belíssimo poema:

 

São estes ainda,

os olhos da infância,

deslumbrados,

deslumbrando-se

aos milagres da vida:

a intacta pureza das crianças,

os luminosos rostos femininos,

a limpidez das nascentes,

os cambiantes do fogo...

tudo, tudo quanto é beleza

ou lhe deslumbram beleza

os olhos deslumbrados.

 

(Fernando Couto)

 

Cidade do Cabo, 12 de Janeiro de 2023

quinta-feira, 12 janeiro 2023 12:17

Completamente descabido!

nuno enter

O jornalista Nuno Rogério há vezes que não enxerga direito, fechadinho na sua caixa preconceituosa de lugares-comuns. A propósito do navio russo, Lady R, que cavalga águas territoriais moçambicanas, tendo fundeado na costa beirense e depois atracado no porto de pesca da Beira, proveniente de SimonsTown (Cape Town) e rumando para Tanzânia com material bélico, o jornalista pergunta ao Presidente Nyusi o que faz tal embarcação em Moçambique, uma vez que foi alvo de sanções por parte dos EUA no contexto do conflito Rússia-Ucrânia.


Completamente descabido. Quer se goste quer não, Moçambique não aplicou sanções a ninguém e assumiu uma posição de neutralidade como Estado soberano. De modo que a presença dessa embarcação é coberta por essa neutralidade. O que faz o Lady R na Beira? Imagina que a Rússia não tivesse invadido a Ucrânia? Pois!


Aliás, Maputo já clarificou que todos os 61 navios sancionados pelos EUA podem entrar em Moçambique. (Veja nota embaixo).


Nisto eu destaco a postura corajosa do Governo. Uma afronta soberana aos EUA. Pena é que essa coragem não é usada para sancionar o Israel pela agressão à Palestina ou para dize “Não’ a políticas perversas do Banco Mundial e à corrupção desenfreada encrustada no ADN da classe política local. (Marcelo Mosse)

quarta-feira, 11 janeiro 2023 07:37

Energia Solar: autêntico Luxo!

Adelino Buque min

Há um fenómeno estranho em Moçambique, aquilo que, em princípio, deveria beneficiar pessoas que se encontram fora das zonas urbanas e, por causa disso mesmo, deveria estar a preços bonificados é muito mais caro que se torna autêntico LUXO.

 

Nesta reflexão pretendo reflectir sobre a energia Solar que aos poucos está a ser comercializada em Moçambique, tendo como fonte o nosso parceiro, a República Popular da China!

 

Em 2021, fiz contactos para a instalação, na minha propriedade, desse sistema e, na altura, o maior provedor era o FUNAE. Primeiro, para receber a cotação para instalação, a pessoa deve fazer um curso de Electricidade, as perguntas são tantas e técnicas que eu, Adelino Buque, me vi incapacitado de responder. Na interacção, sugeri a pessoa que me atendia que me poderia dar uma cotação para uma casa de tipo 2 com electrodomésticos básicos, como geleira, congelador, ventoinha e lâmpadas. Entretanto, recusou-se alegadamente porque não era possível. Então desisti!

 

O ano passado “hibernei” e este ano, porque o interesse se mantém, procurei os provedores privados destes serviços e não imagina, o caro amigo, a resposta que obtive deles.

 

Repare que a casa é do mesmo tipo 2, na primeira cotação o valor de instalação, só o material passava dos 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil meticais) isto sem a mão-de-obra, o que excederia 300.000,00 (trezentos mil meticais) de certeza. Olhei para a cotação e ri-me sozinho. A minha sorte é que não apareceu ninguém para observar-me, se não, poderia chamar-me de “maluco”. Mas não, não sou!

 

Fiz um outro pedido a uma outra empresa, também provedora dos mesmos serviços. Neste caso, variei o tipo de casa, até porque não queria manter a mesma tipologia de casa. Pedi para casa de tipo 3, a resposta foi de 495.000,00 (quatrocentos e noventa e cinco mil meticais) com mão-de-obra inclusa. Já não dava para rir, fiquei chocado e fiquei a pensar, então, para quem devem servir este tipo de empresas!?

 

É verdade que dizem que é definitivo, mas há que fazer manutenção durante o tempo de vida útil e são custos. Não se para por aí. Pus-me a fazer contas comparando com o provedor EDM – Electricidade de Moçambique, veja as minhas conclusões.

 

No primeiro caso, de tipo 2, fiz as contas baseado em 280.000,00 (duzentos e oitenta mil meticais e considerei que a Electricidade de Moçambique cobra pela baixada, por excesso, até 15.000,00 (quinze mil meticais) e os restantes trinta seriam para outros materiais incluindo o electricista, então ficam 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil meticais, estes divide por 1.200,00 (mil duzentos) factura mensal deu 233,3 meses e isto equivale a 19,5 (dezanove anos e meio).

 

Ora, deixando de fora o serviço indispensável de manutenção, vamos olhar para a casa de tipo 3.

 

Casa de tipo 3, também deduzi os valores de baixada e outros materiais e trabalhei com 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil meticais). O resultado foi o seguinte: considerando a factura mensal de 1.400,00 (mil quatrocentos meticais) vai dar 321 meses (trezentos e vinte e um meses) equivalente aproximadamente a 27 anos de pagamento a Electricidade de Moçambique, estas contas são de deixar “louco” qualquer um.

 

Por outro lado, considerando que é importante massificar o uso de energia e se a mesma for limpa melhor, a questão que se coloca é: quem pode instalar esta energia!?

 

Chegado aqui e longe de acusar seja quem for do que quer que seja, penso que é altura de o Governo abrir mão aos impostos na importação destes utensílios e tendo em conta os objectivos sociais que se pretende atingir.

 

Tenho dúvidas que, mantendo este nível de custos se consiga massificar o uso de energia a favor do meio ambiente, que compreenderia a não desflorestação das matas e a conservação da biodiversidade em Moçambique, vamos sair da teoria à prática!

 

Adelino Buque

segunda-feira, 09 janeiro 2023 08:18

2023: Os Velhos Desafios no novo Ano!

Adelino Buque min

Quando o novo ano inicia, todos nós temos esperança que novas coisas aconteçam, sobretudo, a nosso favor. Na hora de despedida do ano que termina, desejamos sempre o melhor para o ano que vem, mas, em nenhuma circunstância nos propomos a fazer diferente. Muitos de nós dizemos o desejo e nada mais. Ora, para que o desejo se transforme em realidade, precisamos de fazer diferente que o ano anterior, em quase tudo!

Mas também, há um aspecto de que descuramos. Não somos capazes de identificar, com clareza e objectividade, o que correu mal e o que correu bem, de modo a rectificarmos. Limitamo-nos a lamentar que o ano foi mau, não consegui os objectivos a que me tinha proposto realizar, espero que no ano novo tudo seja diferente. Mas tu ou eu continuamos a fazer tudo igual, como será diferente?! Eis a questão!

Para que no novo ano não vivenciemos os velhos problemas, proponho o seguinte:

1)      Faça uma revisão minuciosa daquilo a que se propôs fazer no ano anterior. Veja aquilo que foi conseguido e o que não foi conseguido;

2)      Faça uma introspecção sobre as causas de não ter conseguido, se são meramente causas pessoais ou se são causas externas a si, mas faça como a maior das honestidades porque, se fizer por fazer, acabará por atribuir responsabilidades a quem não tem e tudo ficará na mesma;

3)      Face às constatações do ponto anterior, desenhe uma estratégia que lhe possibilite  cumprir com aquilo que não conseguiu no ano anterior antes de se propor a novos desafios;

4)      Superados os desafios não conseguidos ou pelo menos com ideias claras sobre o que deve ser feito, pode passar a pensar em novas ideias para o novo ano, evitando, deste modo, ser um fracassado eterno. Supere-se a si próprio.

Para uma melhor compreensão do que digo, vou propor aqui um exemplo. Estamos perante alguém que pretende empreender num negócio novo e a questão que se coloca seria:

a)      Está identificado o negócio em que pretende enveredar?!

b)      Que capacidade interna criou para que o negócio a iniciar tenha sucesso? Valor mínimo para iniciar, meios básicos para o início, formalização do negócio e;

c)       Se sim, qual são os passos que deve dar para a formalização desse mesmo negócio!

d)      Sabes que existe o chamado “Balcão único” onde podes obter toda a informação que pretendes para abrires esse seu empreendimento! Fizeste o contato e quais foram os resultados desse contato!

e)      Na conversa com amigos,  ficaste a saber que seria necessário muito dinheiro para iniciares e não tens. Confias nesses teus amigos? Porque não se informa com pessoas que estão na mesma área e que estão associadas ou em cooperativas para não correr riscos de desinformação!

f)       Para iniciares a empreender, não inicie confiando algo que não tens, ou algo emprestado aos agiotas porque, se isso acontecer, não conseguirás sequer tirar o pé do chão. Inicie o negócio com algo seu, da família ou de pessoas que não te exigirão retorno com juros acima daquilo que o mercado oferece;

g)      Depois de analisares o comportamento do mercado é que deverás recorrer a outras fontes, no entanto, deves ter muito cuidado com essas fontes alternativas;

h)      Dê o primeiro passo e verifique o que não corre de feição e só assim poderás corrigir. De contrário, todos os anos serão maus para você!

Outro exemplo é de carácter social, aplicável a um homem ou uma mulher que diz: “este ano pretendo ter filho”. Ora, todos sabemos que, para se ter um filho, é preciso se ser homem. Vamos à equação filho:

1)      Sabes que o ano tem 12 meses e a gravidez dura nove meses. Não me debruçarei de anormalidades aqui;

2)      Sendo o ano com 12 meses, significa que, nos dois meses anteriores, deve conhecer e acordada com a contraparte as intenções que tem, conhecendo-se melhor;

3)      Se nessa relação falhar um mês, o seu propósito também cairá por terra. Mas ainda que conheça alguém em tempo útil, é importante saber da sua capacidade de gerar filhos, não basta a compleição física de homem ou mulher, pode ser estéril. Tudo isto precisa de ser pensado para a materialização dos seus propósitos;

4)      Se o teu propósito é ter filho este ano, precisas de verificar se tens namorado ou namorada. Se concorda consigo em engravidar, se é fértil ou não e fazer acontecer, de contrário, será mais um ano falhado, ou seja, para que o novo ano seja diferente, a tua atitude deve ser diferente das atitudes anteriores, não podes ficar na zona de conforto e esperares algo diferente, faça diferente que os resultados serão diferentes e os anos subsequentes serão de sucesso!

Adelino Buque

sábado, 07 janeiro 2023 07:54

FONSECA AMARAL

No dia 5 de Janeiro de 1993, passam hoje 30 anos, Noémia de Sousa ligou-me, com voz embargada, a dar-me a notícia da morte, em Queluz, do poeta moçambicano Fonseca Amaral. Eu vivia, à época, em Lisboa, e não era incomum encontrar-me com Noémia de Sousa, Rui Knopfli, Eugénio Lisboa, Fonseca Amaral ou Ruy Guerra. Aliás, uma vez chamei atenção do Ruy para o facto de ele ser vizinho do Knopfli e da Noémia, seus companheiros de adolescência, nos anos em que o cineasta viveu em Lisboa. A última vez que vi o Fonseca Amaral foi numa tertúlia em casa do Lisboa, em finais de 1992. Estavam todos esses nomes ínclitos da nossa literatura, à excepção de Guerra.

 

A primeira vez que ouvi falar do Fonseca Amaral foi num texto evocativo do Rui Knopfli, no caderno de poesia “Caliban”, número 2, de novembro de 1971, que ele fazia editar, na companhia do poeta Grabato Dias. Escrevera o autor das “Mangas Verdes com Sal”: “Fonseca Amaral é, por direito e mérito próprios, um dos nomes mais altos e representativos da Poesia em Moçambique e, simultaneamente, por desleixo ou abulia, um dos menos conhecidos e apregoados, espécie de grande ausente nos vários certames em que vamos acrescentando pátina às nossas acanhadas glórias caseiras.” Assim começavam as “Notas para a recordação do meu mestre Fonseca Amaral”, nas quais se acrescentava: “Tímido, reservado, inseguro de si próprio, que não da sua poesia, membro daquela família de criadores que, cumprindo-se embora, se apagam e auto-anulam não se sabe bem porque estranhos caprichos da vontade, é o poeta em larga medida responsável pela pouca, ou nenhuma, divulgação de uma obra merecedora da mais vasta audiência”.

 

A geração que desponta para a literatura nos anos ulteriores à II Grande Guerra muito lhe deve. Esta geração (à falta de melhor termo, di-lo Knopfli) incluía José Craveirinha, Noémia de Sousa, Ruy Guerra (e Rui Guedes da Silva, Rui Nogar e o pintor António Bronze e o próprio autor daquela homenagem.

 

Todos me falavam do Fonseca Amaral. Todos diziam bem do Fonseca Amaral. O Craveirinha, a Noémia, todos. Em Janeiro de 1990, munido de um gravador e um bloco de notas, levado pela mão do meu amigo Álvaro Belo Marques, fui bater-lhe a porta. Sabia que era um homem de certo modo sibilino, esquivo, tímido.

 

A conversa que mantive com ele foi espantosamente agradável. Emocionante até, eu diria. Nascido em Viseu, em 1928, João da Costa Fonseca Amaral fora para Moçambique com apenas três anos de idade. A sua infância – e por aí iniciamos a nossa conversa – fora passada no Xipamanine, nas terras do “Ka Amaral” (seu avô) –, com amigos negros com quem falava Ronga. Também tinha amigos de outras origens e que se misturavam naquelas periferias: muçulmanos, indianos, chineses. Passará pelo Chamanculo e, depois, a ascensão social levá-lo-á ao Alto-Maé, ao Bairro Central e à Polana. Na adolescência foi vizinho do Eugénio Lisboa, que irá, muitos anos mais tarde, prefaciar o livro “Poemas”, editado postumamente em 1999, pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda.

 

Falámos da infância, da juventude, sobretudo da juventude literária. Pus-lhe, entre muitas questões, uma que também pusera à Noémia: por que razão é que eles haviam colaborado na revista da Mocidade Portuguesa?  Fonseca Amaral: “Por ingenuidade, por sacanice”. Disse-me ele: “Era uma sacanice ingénua”. Julgavam que poderiam tomar de assalto a publicação. Tinham o ideário oposto ao defendido pela Mocidade, tanto mais que alinham com o MUD-Juvenil e, mais tarde, são presos: ele, Rui Knopfli, Ruy Guerra, os mais jovens; ou aqueles que ele chamaria de “os trutas”: Henrique Beirão, Sofia Pomba Guerra, Sobral Campos ou João Mendes, todos eles deportados para Portugal, presos em Caxias.

 

Sem provas, seriam libertados após o julgamento, mas o João Mendes segue degredado para Cabo Verde. João Mendes, é preciso lembrá-lo, irmão de sangue de Orlando Mendes, irmão de coração da Noémia de Sousa, que lhe dedicará Sangue Negro. Influenciados pelos neo-realistas, irão estes jovens lançar “os tentames de uma literatura de raiz marcadamente moçambicana”, como assinalará Knoplfi. Não é alheia, no entanto, a figura de Augusto dos Santos Abranches, que traz a Moçambique a experiência do “Novo Cancioneiro” de Coimbra e que divulga, com Fonseca Amaral, autores neo-realistas, da “Presença” e do “Orpheu”. Uma verdadeira agitação cultural.  Aliás, Amaral começou a publicar poemas na página literária “Sulco” do jornal “Notícias”, dirigida justamente por Augusto dos Santos Abranches. Isto nos anos 40, na companhia do poeta Alberto de Lacerda.

 

Foi funcionário dos Caminhos de Ferro. Há, na história da nossa literatura, da nossa cultura e da nossa inteligência, muitas figuras que passaram pelos Caminhos de Ferro. Um dia tenho que me atardar sobre o Caminhos de Ferro na vida de escritores, jornalistas ou intelectuais, que tiveram um papel activo na história cultural e política de Moçambique. Há uma importância simbólica que precisa de ser melhor escrutinada.  

 

Contou-me o Fonseca Amaral que foi o Augusto dos Santos Abranches que levou muitos dos jovens a desenhar, entre eles, o Rui Knopfli. É curioso: não me lembro de termos falado de Cassiano Caldas (que também foi funcionário dos Caminhos de Ferro), uma figura decisiva para a geração da Noémia e do Craveirinha. Não só pelas leituras emprestadas, mas também pelo magistério político. Aliás, Noémia irá também dedicar a Caldas o seu livro. Seria, aliás, ela que me levaria a conhecê-lo. Infelizmente, não o entrevistei. Mas aí está outra grande figura irrefutável para a nossa nacionalidade, que fazemos questão de obliterar.

 

Em 1955, Fonseca Amaral vai para Portugal onde permanece 20 anos. Escreve para a “Voz de Moçambique”. Traduz. A sua produção própria é, a despeito, avara. Regressado nos alvores da independência, entre o Ministério da Informação ou o Instituto Nacional do Livro e do Disco (INLD), em tarefas sempre urgentes e agitadas, num tempo que avulta a falta de quadros, onde é preciso fazer tudo, Amaral também não escreve. Sente-se, no entanto, esgotado.

 

A sua poesia se constituíra numa linha de cota do que viria a ser a nova poesia produzida em Moçambique. Mesmo assim parecia-lhe datada, não lhe apetecia reuni-la. Insisti com ele: “Fonseca Amaral, eu quero lembrar-lhe isto que você sabe melhor do que eu: os seus textos, mesmo datados, revestem-se de importância histórica e documental. As gerações presentes não têm à disposição a sua poesia em livro.” Ao que ele irá retorquir-me: “Nelson, eu sempre fui um homem de produção muito escassa. Os poemas, alguns, são dolorosos; doem muito. Para já não quero sofrer. Os poemas custam-me muito. Não é o acto, a caneta, o papel e a máquina. Doem muito. E agora devo fugir à dor. Sofri muito”.

 

Lembro-me como se fosse hoje. Foi uma confissão pungente. Vi, na sua revelação, um homem sincero e honesto. E não quis escavar mais a sua dor. Porém, ainda quis saber se ele escrevia. Disse-me que sim, às vezes, por catarse: “Para me equilibrar. Não tem interesse. São coisas muito pessoais. Tem que ver com a vida afectiva”. Divergimos, então, do tema que lhe doía, falamos dos extenuantes 5 anos que vivera em Moçambique no pós-Independência, das suas frustrações, do seu esgotamento, do regresso a Portugal, onde a mulher tinha uma carreira que lhe garantiria a reforma. Foi muito amável e senti que tinha sido muito sincero ao lembrar as suas memórias da sua já longa trajetória.

 

A última vez que o vi seria no aludido convívio em casa do Eugénio Lisboa. Eu tenho na memória de que o jantar, no qual estavam a Noémia e o Knopfli, aconteceu em casa do Lisboa. O poeta Eduardo Pitta, que também participou do convívio escreve no seu livro de memórias de que a nossa pândega literária ter-se-á dado em casa do Knopfli. Estou dividido entre a lenda e a realidade. Vou manter para mim que foi em casa do Lisboa. Pouco importa agora isso. Recordo-me, sim, do Fonseca Amaral, ali, pela última vez. Ele subscreveria o mito: com aquele seu ar mefistofélico acompanhou, discreto e elusivo, aquele jantar festivamente moçambicano.

 

Hoje já ninguém fala do Fonseca Amaral. Os seus companheiros estão quase todos mortos. A nossa memória literária ou cultural é dolorosamente maniqueísta. Falta-nos parcimónia e critérios de valoração que tenham empatia e critérios de abertura. Falta-nos, no fim, uma memória que não seja assaz tribal. Temos a noção de que tudo é fruto de geração espontânea. Quis recordá-lo hoje, quando passam 30 anos sobre a sua morte, creditando-lhe, nesta brevíssima evocação, como o fizera Knopfli, e alguns outros, a importância capital que ele tem na construção do nosso cânone literário – do cânone literário moçambicano. Devemos-lhe isso. O magro espólio que deixou, e que felizmente se encontra reunido em livro, é dos mais significativos nos anos que marcam o nascimento daquilo que hoje chamamos literatura moçambicana, entre os anos 40 e 50 do século XX. Ele é um dos seus fundadores e merece o nosso preito.

 

Cidade do Cabo, 5 de Janeiro de 2023

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