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quinta-feira, 12 outubro 2023 17:53

Educação

É o acto de transmitir conhecimento natural dos progenitores e genitores, aos seus infantes, antes que estes atinjam a maturidade.

 

Para o efeito, os progenitores não precisam de formação específica, é conhecimento inato, ou seja, natural. Quem ensina o cabritinho, passarinho, o pinto, acabado de nascer, a comer, andar, berrar ou a piar respectivamente?

 

Da mesma maneira que os animais na selva ou no mar sabem que não devem interferir nos territórios e na alimentação uns dos outros, independentemente do seu volume, força ou capacidade.

 

Se Deus diz nos Livros Sagrados que fez o ser humano à sua semelhança, dotando-o de competências racionais e de livre-arbítrio, só podemos esperar dos seres humanos uma responsabilidade maior na educação dos seus descendentes, comparativamente com os animais ditos irracionais.

 

A Escola era originalmente o local onde os cidadãos, durante o ócio, conversavam, discutiam, trocavam ideias e experiências, cultivando-se mutuamente.

 

Pela sua relevância, decidiu-se institucionalizar a Escola de forma a maximizar a transmissão de conhecimento como forma de dotar os infantes de competências para saber fazer. Para o efeito, seleccionavam-se os melhores missionários entre os cidadãos para se encarregar dessa tão nobre tarefa.

 

Em todas as sociedades do mundo, o professor foi sempre considerado um cidadão Nobre, Digno e Admirado. As virtudes do professor não se limitavam no conhecimento, aliás, na modernidade, os professores estão muito dependentes do programa de ensino oficial.

 

O professor era o Modelo de cidadão a copiar, pelos seus princípios e valores. Através do exemplo de ser e estar, o senhor professor tinha autoridade Ética, Social e Profissional. Os seus alunos estar-lhes-iam gratos pelo resto da vida.

 

Comemoramos a Semana do Professor, com discursos politicamente correctos pela ocasião, numa altura em que o País despertou, de um sonho ilusório, de que bastava tornar a educação obrigatória e acessível, que os cidadãos aprenderiam nas escolas e seríamos uma sociedade a caminho do desenvolvimento. Paradoxalmente, ficamos a saber que, no Ministério da Educação, os responsáveis pela elaboração dos livros e manuais não os liam, nem antes, nem depois da sua produção, confiando as respectivas tarefas a entidades contratadas.

 

Mais grave é que os professores também não leram, de tal forma que alguns erros graves prevaleceram anos.

 

Como foi possível, já que existem dezenas milhares de professores que consomem a maior fatia do OGE. Será que os nossos professores também são iletrados? (sabem ler e escrever, mas não sabem interpretar), ou não cumprem com os requisitos básicos para instruir infantes, nomeadamente Princípios, Valores, Ética e Conhecimento.

 

“Ninguém dá o que não tem, nem mais do que tem”.

 

Como é possível haver inúmeros alunos na sétima classe que não sabem escrever o seu próprio nome?

 

Parafraseando ilustres professores e profissionais de ensino superior, “muitos alunos chegam às universidades iletrados”, de tal sorte que o ensino superior não pode fazer milagres, ou seja, as universidades não podem corrigir as anomalias consequentes de um ensino primário deficiente.

 

É obvio que o professor não é o único responsável nesta calamidade. Os professores ou alguns professores (muitos) são o elo mais fraco desta cadeia da suposta transmissão de Valores, Princípios e Conhecimento de saber fazer. Em última análise, quem gere o Sistema Nacional de Educação é o Governo, cuja maior herança degradativa foi dos Governos após o multipartidarismo.

 

Porque será que as instituições do Estado estão a comportar-se de forma irresponsável?

 

“Quem não sabe é como quem não vê”.

 

Os nossos gestores públicos, apesar de terem licenciaturas, não devem ter princípios, nem valores e muito menos conhecimento para compreenderem a destruição social e económica dos moçambicanos, incluindo os seus próprios filhos.

 

Porque será?

 

Os nossos supostos líderes, governantes, gestores do aparelho estatal, professores, forças de defesa e segurança, magistratura, políticos e, de forma geral, os moçambicanos não são extraterrestres, nasceram numa família.

 

Desde 1994, com as eleições multipartidárias, o engajamento político-ideológico dos nossos governos no Neoliberalismo, cujos promotores (Banco Mundial, FMI e ONU) convenceram-nos que desde que houvesse dinheiro o desenvolvimento estaria garantido.

 

Despejaram (endividando-nos) centenas de milhões de dólares americanos, corromperam os nossos princípios e valores, convenceram-nos para cumprirmos com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (2000-2015), a passagem obrigatória na educação primária (apelidaram de acesso à educação) traria a base para uma sociedade evoluída.

 

Resultado: construímos uma sociedade medíocre, de cima para baixo.

 

As nossas famílias ensinam-nos que é preciso termos dinheiro, não importa como, se o conseguirmos, um futuro risonho aguarda-nos.

 

Consequências?

 

Somos cada vez mais empobrecidos e dependentes.

 

Ninguém é responsável, as famílias responsabilizam as escolas, as escolas os professores, os professores o governo e vice-versa, tipo “pescadinha com rabo na boca”.

 

Gostaria de ter escrito um artigo diferente, enaltecer, reconhecer e agradecer os professores, pela Honrosa Missão de educar os nossos filhos, netos e bisnetos, mas esta é a realidade lamentavelmente.

 

Não desanimem senhores professores, vocês são a nossa última esperança, comecem por educar os vossos filhos, eduquem os pais dos vossos alunos que devem cuidar dos seus filhos em casa, partilhem esses ensinamentos com os vossos superiores no Sistema Nacional de Educação e no Governo.

 

Se forem competentes e persistentes, resultados estarão visíveis na campanha eleitoral de 2043, em que teremos candidatos e eleitores letrados, uma oportunidade para invertemos o actual rumo ao abismo.

 

A Luta Continua!

 

Amade camal

terça-feira, 10 outubro 2023 08:28

Quem conta os votos?

Tenho acompanhado a recomendação da oposição ao poder dominante para que os seus potenciais eleitores votem e que fiquem, no local, de vigia no momento da contagem dos votos. Uma recomendação que encontra eco numa fala que é atribuída a Joseph Stalin, líder soviético, a saber: "Quem vota e como vota não conta nada; o que conta os votos é que realmente importa".

 

Será a melhor estratégia? Não sei. Lembrar que na sala de aulas, em dia de teste ou exame, existem também vigias e nem por isso um impedimento para a ocorrência de fraude académica.

 

E tomando o exemplo da vigia em dia de teste ou exame, recordo-me de um meu professor que depois de ficar meia hora na sala, optava por sair e avisava antes que seria por apenas quinze minutos. De regresso a maioria já estava por finalizar as respostas, mesmo os que não tinham ainda respondido a nenhuma pergunta antes da sua saída. Com este professor era sempre assim.

 

Há uma semana cruzei-me com o dito professor - há década e meia que não o via - e soube dele que a saída por quinze minutos era a metodologia que encontrara para que os seus alunos estudassem e que ele tivesse bons resultados.

 

Segundo o admirável professor, o acto de o estudante preparar a cábula e a certeza de que terá uma oportunidade para usá-la durante o teste/exame produzia efeitos tremendos na melhoria da performance dos alunos e a dele. Desta experiência, uma outra máxima: “A vitória prepara-se, a vitória organiza -se”.

 

Não foi Stalin quem disse esta máxima, mas acredito que tenha sido da combinação desta máxima com a do Stalin em que o meu professor, por acaso formado na então União Soviética, tivera a divina inspiração metodológica para os seus bons resultados. Dito isto: quem conta os votos? “É quem prepara e organiza a vitória”, responderia o meu professor.       

 

Nando Menete publica às segundas-feiras

terça-feira, 10 outubro 2023 07:19

Defunto sem rosto

I

 

A vontade de urinar era tão grande que o motorista da camioneta foi freando o seu veículo até esta imobilizar-se completamente a berma da estrada.

 

Saiu e correu para a mata, largou um jato de urina para a moita, já aliviado, quando fechava a braguilha eis que se depara com alguém que o mirava com olhos esbugalhados.

 

Assustou-se, deu um recuo com dois passos, mais movido pela curiosidade voltou a posição inicial, trocaram olhares até que mais uma vez o temor tomar conta de si.

 

O ser desconhecido tinha a cara muito ressequida, com certeza de muitos dias ao relento, o  cabelo crespo estava completamente desgrenhado e pousavam moscas que zuniam imparavelmente, aparentava ter uns vinte e poucos anos. Tinha o rosto oval,  pálpebras descaídas, o  olhar vítreo desarmava quem o mirasse.

 

O olhar estranho continuava impávido a foca-lo, decidiu então, abalar logo dali, voltou a assumir o comando da sua camioneta de quatro toneladas, e afastou-se rapidamente do local.

 

Só voltou a parar na esquadra policial do bairro “floresta” na periferia da cidade para relatar o estranho caso do homem com olhar ameaçador que o espreitava.

 

A policia intrigada com o relato acorreu de imediato para o local explicado pelo motorista, depois da devida perícia recolheram-no e trataram logo de o levar para o hospital central de Quelimane para ter os devidos cuidados que este merecia.

 

O médico de serviço recebeu o estranho trazido pela polícia e orientou os seus colegas no sentido de o proverem de melhores condições que se adequavam ao seu tratamento.

 

Os técnicos da FRIZA Lda, empresa que ganhara o concurso público depois de  evidentemente enluvarem os funcionários do UGEA, apareceram na manhã de segunda-feira no sector de manutenção do hospital para procederem a reparação do sistema de frio da morgue.

 

O pessoal de sector de manutenção haviam garantido aos técnicos da “friza” que as condições estavam criadas para que estes laborassem tranquilamente. Três frigoríficos faziam parte de sistema de conservação de cadáveres dos seres que desencarnavam na cidade e arredores.

 

Compressores, termóstatos foram trocados nos primeiros dois frigoríficos  e os técnicos avançaram para trabalhar no terceiro. O técnico chefe fazia as devidas afinações aos aparelhos reparados, para flexibilizar o trabalho pediu que os seus dois colegas iniciassem com o desmontagem das peças que iriam ser substituídas no terceiro.

 

- Ahhhh! – uma dupla gritaria, bastante estridente foi disparada pelos técnicos quando se depararam com algo bizarro dentro da câmara frigorifica.

 

Os funcionários da morgue que se encontravam nas redondezas a tomar o pequeno almoço acudiram prontamente aos alaridos, chegaram manuseando seus pães e badjias e encontram os técnicos aterrorizados.

 

II

 

Quando a noite adentrava os moradores dos bairros circunvizinhos do cemitério da cidade eram abalados por um ser, que diziam os visados ser um anómalo desprovido de cabeça, que andava acompanhado pelo seu ajudante de campo, este servia de interlocutor entre as reivindicações do homem sem cabeça e os moradores visitados.

 

“Ele quer a cabeça dele” – dizia o seu ajudante de campo.

 

O anómalo falava por gestos furibundos deixando os visados mortos de susto.

 

A empreitado nocturna do estranho ser e o seu ajudante acontecia amiúde logo que escurecesse, o primeiro acto do evento era um assobio emanado em decibéis hipnotizadores, depois ouvia-se um bater na porta do morador que iria receber a visita.

 

O pânico já havia capturado a cidade, e para o cúmulo havia uma crise na rede de distribuição eléctrica da cidade.

 

A recessão económica agredia as contas dos comerciantes da cidade e arredores, os mais prejudicados eram os “barraqueiros”, os seus clientes recolhiam cedo para as suas casas, por conta do terror protagonizado pelo homem sem cabeça e seu ajudante.

 

Uma assembleia geral dos anciãos dos bairros atacados foi realizada numa sala disponibilizada pela autarquia da cidade, um “nyanga” vindo de Inhassunge auxilio-os para averiguações inerentes a solução para o questão que os assombrava.

 

Um decreto para afastamento das incursões malignas do estranho ser foi aprovado por unanimidade, sob comando do “nyanga” devia-se sacrificar uma galinha cafreal e colocar a cabeça do animal na parte interna da porta principal e no chão do principal acesso a casa devia-se fazer um círculo com um “X” no interior.

 

III

 

Depois de recuperam o fôlego os técnicos iam tendo focos de lucidez que lhes permitia usufruir da sua racionalidade. Os funcionários da morgue depois de gargalharem até não puderem mais, recobram a serenidade.

 

Então um dos técnicos que vivia no bairro da periferia do cemitério afirmou:

 

- O dono dessa cabeça esta a sua procura! – afirmou aliviado.

 

Nos dias que se seguiram foram de procedimentos para encerrar o inédito caso que engolia a periferia e já se arrastava para a cidade.

 

A burocracia para exumação  foi prontamente atendida, a vereação dos cemitérios da autarquia, sabia da porção de terra que guardava o corpo.

 

Numa tarde lúgubre de sábado, procedeu-se a reconstituição do corpo e o reenterro.

segunda-feira, 09 outubro 2023 12:52

Textáfrica: o mito de Chimoio

O desmoronamento do Textáfrica de Chimoio jamais será um caso isolado, está inserido num contexto em que todo o futebol moçambicano perdeu o entusiasmo dos tempos. Ou seja, nos primórdios da independência nacional, o nosso país era um imenso alfobre futebolístico, com tendência a inesgotável, mas é reduntante dizer isso. Era um transbordante estendal com jogadores de topo, talhados naturalmente para grandes exibições em qualquer parte do mundo, e eles mostravam esse talento nos campos sempre abarrotados, e assim, todos nós acreditávamos que na senda de Eusébio, Coluna, Matateu, Vicente, Matine e outros tantos, seriam estes a embarcar em outros voos. Enganamo-nos!

 

Jogadores como Orlando Conde, Ângelo Jerónimo, Chababe, Luís Siquice, Terezo, Chinguia, Guiló, Cifrónio, Babarriba, Lóngwè, Marcos I, Marcos II, para citar apenas alguns exemplos dentro de um manancial vibrante sem fim que Moçambique já teve, terão sido injustiçados pela história, impedidos de brilhar noutras galáxias. Fecharam-lhes as portas da luz, então não tiveram outra saída que não fosse a resignação, mesmo assim sem perder a dignidade. Levantaram, em ocasiões infinitas, o Estádio da Machava e muitos outros campos espalhados pelo país, até que as pernas sossobraram. Deixando para trás o seu labor indelével, que será recordado para sempre.

 

Porém, o que nós não sabíamos e nem esperávamos, era que esses “craques”  seriam a última carrada, pois, depois deles os dias de sol começaram a fenecer, até hoje que não temos certeza do futuro, a não ser que Reinildo Mandava reacenda a chama da nossa esperança e fazer-nos acreditar, novamente, que Moçambique é um país de grandes jogadores de futebol.

 

Nesse tempo de ouro nem sequer precisávamos de televisão, não tinhamos. Bastavam-nos os relatos de João de Sousa, Anuar Mussagy,  Saíde Omar e o Domingos Naene para que, na impossibilidade de estar no terreno, acompanhassemos tudo em grupos de amigos, gritando em delírio como se também estivéssemos lá. Eram tempos de glória, corporizados por finas coqueluches. Conheciámos a todos pelos nomes e acreditávamos nas suas capacidades de tornar as partidas em poesia que será declamada do Rovuma ao Maputo. Para gáudio do próprio futebol.

 

Não haverá nenhum jogo no Estádio da Machava que não seja precedido de romaria. As pessoas, na falta de transporte, iam a pé, ocupando literalmente as bermas das estradas que vão dar ao vale do Infulene. A festa era exalada antes de o jogo começar, numa postura de pátria nunca vista. A Federação Moçambicana de Futebol tinha os seus “sócios” com “bancada-sol” reservada para que o remoínho ressurgisse. Outros, que não terão acesso ao recinto, vão se pendurar nos postes de electricidade lá fora. Mas esse é o resultado da força que o futebol tinha nesse tempo.

 

Depois, provavelmente a partir dos finais de oitenta e princípios de noventa, a euforia que dava sentido à nossa vida começou a esboroar-se. Fomos ficando sem  a quem seguir como ídolo. Os campos foram perdendo o chamaris. Mesmo com a construção do Estádio Nacional do Zimpeto, não haverá motivo para lá ir, salvo em pouquíssimas ocasiões, mais por aliciamento da publicidade, do que propriamente pela crença de que teremos os nossos jogadores a cintilarem. Não é o “Zimpeto” que joga, são os jogadores. Que entretanto já não nos fazem acreditar no futuro.

Pode ser que os procedimentos de justiça na vara comercial do Tribunal Superior de Londres estejam a ser transparentes para as partes envolvidas – juiz Robin Knowles conferencia com todos sobre o avanço do processo e é assertivo nas suas decisões quando as comunica aos directamente interessados –  mas o Tribunal Superior de Londres, dizia, não está a ser transparente para a sociedade moçambicana, a principal vítima do calote de 2 mil milhões de USD – com custos estimados para Moçambique na ordem dos 11 mil milhões de USD (ver Custos e Consequências das Dívidas Ocultas para Moçambique Edson Cortês, Aslak Orre, et. al – 2021- Bergen & Maputo: Chr. Michelsen Institute/CIP).


Os efeitos colaterais do calote podem ter custado a Moçambique USD 11 biliões – quase todo o PIB do país em 2016 – e quase 2 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza, diz o estudo.


O que está em causa em Londres são os interesses (e o futuro) de milhões e milhões de moçambicanos, e não apenas os interesses e o futuro de uma meia dúzia das elites políticas locais envolvidas na trama. E, em certa medida, os interesses da sociedade moçambicana não estão representados em Londres. 


O juiz Knowles devia saber que nem sempre os interesses imediatos dos representantes do nosso Estado correspondem aos interesses estruturantes da sociedade moçambicana. Há um desfasamento entre Sociedade e Estado. O Estado representa, muitas das vezes, uma pequena minoria elitista virada para a acumulação e enriquecimento à custa da sociedade. Foi o que aconteceu com o calote.

 

De como que a sociedade moçambicana não está necessariamente representada em Londres. 


A nossa PGR ainda precisa de mostrar que pratica a transparência, pois a mesma PGR que convocou uma conferência de imprensa há dias, onde disse quanto já gastou com escritórios de advogados em Londres, nunca convocou uma conferência de imprensa para dizer quanto gastou com o escritório Mabunda Inc. em Joanesburgo, para tentar trazer Manuel Chang para Moçambique. Quanto foi? 


A PGR foi assertiva quando anunciou o acordo entre o Estado e o Credit Suisse (UBS), mas agora parece que voltou a cobrir-se do mesmo véu de secretismo que sempre vestiu. 


Ontem, de Londres chegou um despacho da Reuters dizendo que Moçambique desistiu de uma parte significativa da sua reclamação contra o construtor naval franco-libanês, Privinvest, citando o advogado Jonathan Adkin (Serie Court), que representa a PGR no caso contra a turma do Iskandar Safa. Jonathan Adkin disse que Moçambique desistia da reivindicação de mais de 800 milhões de USD da Privinvest por “perdas macroeconómicas”. 

 

Mas Moçambique abdicou porquê mesmo? Qual foi o racional? Quais os ganhos? No caso do Credit Suisse, o ganho foi um extensivo cancelamento da dívida, de cerca de 600 milhões de USD. E no caso vertente? Qual foi o quid pro quo? Isto não foi ainda explicado detalhadamente nem por Adkin e muito menos pela nossa PGR.

 

A Reuters citava, também ontem, o advogado da Privinvest, Duncan Matthews, dizendo que Moçambique abandonou o caso contra a Privinvest porque era "inútil" e teria levado a um interrogatório "profundamente embaraçoso" das testemunhas arroladas pela PGR.

 

Quem são as testemunhas de Moçambique no caso contra a Privinvest?

 

Das incidências de ontem, o mais espantoso foi o que veio vertido num despacho da Lusa, que rezava assim: o grupo naval Privinvest prescinde de chamar o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, como testemunha no julgamento sobre o caso das dívidas ocultas de Moçambique no Tribunal Comercial de Londres. “Concluímos que não vamos envolver o Presidente Nyusi”, afirmou Duncan Matthews, advogado da Privinvest, falando ao Tribunal.

 

O que se está a passar em Londres? Moçambique prescinde da Privinvest e esta prescinde da sua obsessão de arrastar o Presidente Nyusi? Como assim? Há um acordo secreto em curso entre a PGR e a Privinvest? Se há, onde é que ficam os interesses da sociedade nesse eventual acordo? Este acordo é uma consequência directa do acordo com o Credit Suisse? Terá o Credit Suisse exigido que assim fosse?

 

A Privinvest confessou ter subornado (se bem que eles falem em taxa de sucesso) funcionários do Estado moçambicano e do Credit Suisse (estes confessaram em sede de justiça americana que receberam subornos). Ou seja, a Privinvest esteve no centro do calote. Ora, ao abdicar do processo contra a Privinvest, não estaria a PGR também retirando toda a substância ao caso local das “Dívidas Ocultas”?

 

Se o principal caloteiro, corruptor activo, é perdoado por Moçambique, por que razão quem recebeu suborno, esteve na planilha do Boustani, comprou carros e casas, vai ser mantido em prisão? Falo dos Ndambis, dos Nhangumeles desta vida e companhia.

 

Ou, depois das eleições autárquicas, vai todo o mundo ser liberto por seus prazos de prisão preventiva estarem precludidos há demasiado tempo? E de repente fica todo o mundo impune, mas nada muda na vida dos milhões de moçambicanos que foram as principais vítimas deste calote. Abdicamos de cobrar a Privinvest, mas continuaremos a pagar milhões e milhões de uma dívida odiosa. Será este o nosso fim? Afinal, o que está a acontecer em Londres?

quarta-feira, 04 outubro 2023 13:02

De 1992 até cá, quem já se humildou?

Assinaram-se os acordos gerais de paz, em 1992, e até hoje nunca ouvi uma mínima voz humildando-se e pedindo desculpas pelos horrores dessa estúpida guerra. Ninguém, até hoje, já procurou mediadores para preparem os acordos de pedido de desculpas às milhares de famílias destruídas e fuziladas em nome do desenvolvimento, democracia e marxismo. Ninguém!

 

Quem já pediu desculpas ao Rogério Dimande, meu antigo professor, que foi higienizado as duas mãos por uma catana, enquanto assistia aos seus pais sendo deslocados vivos por uma corda para as profundezas de uma latrina? Quem já pediu desculpas a mim, pelos setenta e tal familiares meus fuzilados no Massacre de Homoíne?

 

Não falo da Frelimo, da Renamo, do Governo, falo do pedido de desculpas que nunca ouvi, falo das acusações que todos trocam sem se dar um minuto para arrancar a dentadura do silêncio e colocar entre as gengivas uma simples frase: “pedimos desculpas a todos pelas mortes”.

 

De 1992 até cá, quem já se humildou, quem já condecorou com um pedido de desculpas a milhares de crianças, que hoje são pais, que cresceram sem saber o peso, a doçura das palavras pai, mãe na boca? Como alguém que nunca teve um pai pode ser um pai?

 

Em outros feriados, assistimos condecorações, distribuição de medalhas de mérito e coragem, graduação infantil de heróis. E hoje, 04 de Outubro, quem merece tudo isso? Haverá coragem de chamar todas as vítimas dessa guerra, sacudi-las o peso da morte e enchê-las de condecorações, medalhas e certificados? Haverá coragem de reconhecer que são heróis as crianças que cresceram sem pais, as viúvas que envelhecem sem saber dos corpos dos maridos e as famílias que até hoje tentam ter paz?

 

Haverá coragem de pedir desculpas a milhares de crianças que foram armadas e obrigadas a matar, aos massacrados e queimados vivos que nem em Roma foram chamados para pelo menos dizer: “vamos pensar no vosso pedido de desculpas”. Podia falar dos massacres, das mulheres estupradas e assassinadas, das mulheres que hoje criam filhos que fizeram nas matas em troca de um naco de segurança, mas falo de um simples pedido de desculpas.

 

A guerra civil acabou, mas quem já confessou que matou e pede desculpas? Quem, dos fazedores da guerra civil, já parou um minuto para confessar um pecado, um crime e apontar uma vala comum qualquer que ajudou a cavar? Quem desses chefes já parou um instante para orar, não pela democracia, não pelo desenvolvimento, não pelo marxismo, mas pelas pessoas que matou. Quem, embezerrado de arrependimento, pediu desculpas pelas minas que serraram pernas e transformaram em pó a vida de muitos moçambicanos? Quem já se humildou?

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