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quinta-feira, 09 dezembro 2021 07:35

Os profanos e os profissionais políticos da Pérola do Índico

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Em 1975, Moçambique alcançou a independência política e passou a ter uma representação política legítima e proveniente de uma revolução no verdadeiro sentido Marxista. Os novos representantes políticos construíram um Campo Político descrito por Pierre Bourdieu (1930 – 2002), pensador francês e detentor de uma vasta obra sobre ciências sociais e políticas, entre elas: O Poder Simbólico (1989), mas cujo Campo Político tem similaridades ao neo-maquiavelismo[1].

 

Na obra O Poder Simbólico, Pierre Bourdieu explica: "o Campo Político é entendido como um campo de forças e das lutas que têm em vista transformar a relação de forças que confere a este campo a sua estrutura em dado momento (…)" ou seja, “o Campo político é o lugar em que se geram a concorrência entre os agentes que nele se acham envolvidos (…)" (2007: p.164). Em outras palavras, Bourdieu pretende nos dizer que o Campo Político é um microcosmo que nos permite construir de maneira rigorosa e demonstrar como funciona a arena política, o jogo político e as lutas políticas.

 

Nesta perspectiva, segundo Bourdieu, entende-se por representação política um mundo social onde existem os profanos (o povo/as massas) que reconhecem que não têm competência de governar, dirigir ou gerir a coisa pública e entregam aos profissionais políticos para pegarem o leme do barco e colocarem o barco a navegar.

 

Acredita-se que, devidos às suas limitações epistemológicas sobre como funciona a coisa pública, os profanos prefiram permanecer como "agentes politicamente passivos", enquanto isso, os profissionais políticos, que a princípio devem ser figuras amplamente preparadas e munidas de ferramentas necessárias sobre como funciona o Campo Político e a representação política, possam ser "os agentes politicamente activos".

 

Segundo Pierre Bourdieu, devido a este reconhecimento e entrega do poder dos profanos em relação aos profissionais políticos, estes acabam ganhando a legitimidade e, por consequência, o monopólio da profissão política, uma vez que este tem "condições sociais da constituição da competência social e técnica que a participação activa na política exige" (BOURDIEU, 2007: p.164).

 

Pierre Bourdieu percebe que os profissionais políticos são individualidades altamente preparadas e dotadas de capacidades intelectuais acima da média. São pessoas capazes de fazerem intervenções públicas exaustivas e convincentes. Possuem conhecimentos em diversas áreas que lhes permitem fazer o jogo político e duplo de uma forma sagaz. São profissionais com uma retórica cientificada e com capital político elevado e que marcham dentro de uma estrutura institucional altamente burocratizada ou organizada.

 

Os profissionais políticos são homens polidos para o Campo da Política. Entretanto, na Pérola do Índico, já tivemos e existem alguns profissionais políticos com qualidades aproximadas a que Pierre Bourdieu elenca, mas também existem muitos amadores políticos que, mesmo tendo o aval dos profanos (o povo, o eleitor, os desfavorecidos), demonstram não estarem à altura daquilo que a representação política e o Campo Político exigem.

 

Na Pérola do Índico assistimos individualidades que, mesmo sendo porta-vozes de uma instituição política ou partidária, não possuem um discurso organizacional que o Campo Político emana. Não demonstram que os habitus culturais, sociais e políticos que organizações permanentes orientadas para a conquista do poder exigem. Demonstram que o poder que os profanos ou desfavorecidos lhes concederam para que tivessem um caminho livre de gerir a coisa pública ou mesmo representar-lhe não o merecem.

 

É importante que, na Pérola do Índico, os profanos saibam quem de facto os representa no Campo Político. Quem de facto possui legitimidade consciente para que, de cinco em cinco anos, possa renovar a nossa chama de esperança e contribuir para o nosso desenvolvimento humano, social, económico, cultural colectivo. Os profanos da Pérola do Índico não devem ser apolíticos, mesmo que os homens políticos e jornalistas políticos continuem a emitir opiniões programadas e com um determinado fim.

 

Os profanos da Pérola do Índico precisam de entender que, conforme defendia Bourdieu, "a vida política só pode ser comparada com um teatro se se pensar verdadeiramente a relação entre o partido e a classe, entre a luta das organizações políticas e a luta das classes, como uma relação propriamente simbólica" (2007: p.175).

 

No entanto, o que devemos entender no parágrafo acima é que tudo na política não passa de uma encenação, mesmo quando assistimos aos nossos representantes da "casa da demagogia", aparentemente a contra-atacar-se, devemos entender que, na realidade social, no mundo social que eles representam, aquilo é uma encenação. Tudo está a ser sistematicamente manipulado em função dos interesses dos grupos que os mesmos representam no Campo Político e dos pequenos grupos burgueses que eles incorporam no âmbito da representação política.

 

Os profanos da Pérola do Índico precisam de descobrir donde vem a luz do sol que ilumina a janela desta caverna platónica, para que saibam escolher quem de facto merece ter o monopólio profissional da política e como funciona a representação política e do Campo Político, para que passemos a ser representados por profissionais políticos à altura e com idoneidade, intelectualidade, responsabilidade, integridade e profissionalismo exigido.              

 

[1] Entende-se como o processo que caracterizou os novos políticos que surgiram a partir do ano de 1974 e que passaram a fazer suas carreiras dentro dos parâmetros de um maquiavelismo adaptado as circunstâncias democráticas. Um maquiavelismo com condimentos do realismo moderno, libertário e sem o uso de pressupostos extremos do maquiavelismo originário. Alias como defende Robert Michels (1971: p.299) que acompanha a natureza humana, que usa da apatia das massas e das multidões, permitindo com isso que haja o desenvolvimento das oligarquias. 

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