Passei a minha infância nos belíssimos distritos de Quelimane, Mocuba e Pebane (Zambézia) e Namuno e Balama (Cabo Delgado), onde sempre ouvia falar sobre James Bond. O meu falecido avô, Mussa Impuessa, sempre se referia a este nome, quando contava acerca da sua longa aventura de vida – ele era um Marinheiro de mão-cheia, que girou pelos quatro cantos do mundo. Mas, como eu era miúdo, não entendia a amplitude e universalidade do nome – James Bond.
Eu apenas começaria a entender sobre o nome, quando passei a residir efectivamente na Cidade de Quelimane – capital provincial da Zambézia. Lá, em conversas com amigos e professores, fiquei a saber que se tratava de uma pasta de mão. Eis que, nas brincadeiras, sempre que tivesse uma pasta do género, era, constantemente, apontado pelas pessoas da zona. Por isso, nesta altura, comecei a procurar saber mais sobre a origem do nome. Devido à nossa realidade social moçambicana, entre os finais dos anos 90 e a metade da primeira década dos anos 2000, só foi possível chegar ao âmago do problema já no ensino secundário, quando viajei para Milange.
Em Milange, a casa onde me hospedara tinha uma colecção de filmes que ainda não havia assistido em Quelimane. Entre os filmes, constava a saga 007, o código do Agente Secreto fictício do serviço de espionagem britânica MI-6, criado pelo Escritor Ian Fleming, em 1953. Na altura, o papel era desempenhado por Pierce Brendan Brosnan, o actor e produtor irlandês que actuou em quatro filmes da saga do Agente 007, hoje interpretada por Daniel Craig.
A partir daquele momento, a concepção que tinha sobre o nome James Bond mudou. Percebi que se tratava de um super agente operativo que defendia, a todo o custo, os interesses britânicos em diferentes partes do mundo. E como a saga é meramente fictícia, com o tempo, a idade, a escolaridade e a compreensão da complexidade do funcionamento do mundo, aprendi que existem, no mundo, vários , inclusive na minha própria terra. São homens que dão tudo e carregam vários segredos dos seus países. Portanto, matam e morrem por eles!
Quando vejo a saga cinematográfica 007 e o papel de James Bond, eu percebo que existem homens cujas vidas se resumem em defender a sua bandeira e fazem-no a todo o custo. Entretanto, devido à liberdade de actuação destes homens, às vezes, eles acabam por atropelar várias linhas de funcionamento social, político, jurídico, económico, entre outras.
Por natureza, os James Bonds são cavaleiros das realezas. Defensores ocultos e acérrimos dos Estados. Investigadores criminais e combatentes do bem de todos e estão dispostos a darem a sua vida pela dos outros. Portanto, os James Bonds devem ser incorruptíveis e guardiões dos segredos mais sombrios das estruturas máximas das suas nações.
Estranhamente, numa fase em que o meu entendimento sobre o papel de um James Bond é maior e profundo, numa altura em que quase todos nós temos a televisão em casa e, literalmente, nas mãos, eis que ficamos a aprender como os James Bonds se infiltram nas nossas vidas e nas instituições públicas e privadas. Ficamos atentos à tela a aprender técnicas de espionagem. Gratuitamente, somos brindados com uma formação intensiva sobre como ser James Bond. Tudo isso porque os nossos James Bonds da Pérola do Índico esqueceram-se da sua função e venderam as coordenadas das nossas fronteiras marítimas, aéreas e terrestres para supostos parceiros comerciais.
Os nossos James Bonds viraram-se contra o próprio povo que juraram defender. Deixaram o importante papel que desempenhavam em defesa da nossa soberania e ficaram apenas com as famosas pastas/malas James Bonds que, nos tempos da minha linda infância, acreditávamos tratar-se simplesmente disso. Hoje, estamos diante de uma realidade triste – ver os nossos James Bonds a serem julgados numa tenda, sentados e vestidos com o uniforme de errantes: o uniforme da desonra.
Metódica e religiosamente, alguns dos nossos James Bonds, quando falam para o Meritíssimo Juiz, dizem que estavam a agir em representação do povo. Queriam operar em segurança do Estado moçambicano pescando atum e endividando o País. Eles pretendiam ser, simultaneamente, homens de negócios e Agentes Especiais da secreta moçambicana.
Esses nossos James Bonds inverteram o papel e agora querem ser políticos ou revolucionários. Já falam, acreditando que estão a informar o povo. Quando são questionados, em sede do Tribunal, respondem dizendo que o povo precisa de saber. Eles ainda pensam que são os nossos James Bonds, embora queimados pela imprensa, como eles mesmos reconhecem. Eles ainda acreditam que podem voltar a fazer mais uma actuação no Casino Royal ou mesmo No Time to Die (Sem Tempo Para Morrer). Entretanto, eles, agora, devem suportar as perguntas “inocentes” do nosso Ministério Público (MP), o dono da acção penal e o representante do nosso Estado que, hoje, julga os nossos James Bonds – espiões que não revelam nada em nome da soberania e segurança do Estado – caricato, né!?
Contudo, apesar de o Tribunal estar a julgar os nossos James Bonds, a realidade está a provar que não é fácil interrogar alguns deles, porque estes foram formados para esquecer e ter argumento para tudo. Esse facto fez desmoronar a esporádica popularidade do juiz do processo, que chegou a explodir quando um dos James Bonds, durante o interrogatório, atirou-lhe uma “banana bomba” que veio quebrar aquela máscara que se aparentava robusta e cercada de uma prova de bala diferente e de outro mundo!
Por conseguinte, o País precisa de novos James Bonds, que não se confundam com empresários ou lobistas. Que sejam homens que nos protejam de verdade. Que garantam a nossa segurança e soberania, sem ferir a pátria que dizem amar. Que a sua abnegação não seja mais corrompida – porque não queremos ver mais James Bonds a serem julgados na Pérola do Índico!!!