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segunda-feira, 04 fevereiro 2019 11:45

A disputa por Manuel Chang

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O debate sobre a extradição do até aqui deputado da Assembleia da República, Manuel Chang, continua a alimentar muitos comentários e prognósticos sobre o seu futuro. Essencialmente, as posições que mais vingam são duas: extraditar Chang para os Estados Unidos da América ou para Moçambique. A manutenção de Chang na África do Sul seria uma terceira, mas não tem sido muito considerada, pois é generalizada a ideia de que África do Sul tem pouco ou nenhum interesse na sua prisão. Os que advogam que Manuel Chang deve ser devolvido para Moçambique o fazem partindo do princípio de que é em Moçambique onde estariam localizados os bens de Chang e que a recuperação desses seria melhor conseguida se o processo correr aqui; que foram instituições Moçambicanas que foram prejudicadas, que ele é moçambicano, e que toda a trama fora realizada em Moçambique, e tantas outros argumentos que, quanto a mim, fazem pouco sentido, se não apenas as últimas tentativas de segurar o vento pelas mãos.

 

Para começo de conversa, qual é a instituição moçambicana que foi burlada? Quem são os tais bondholders? A favor de que moçambicano se pretende recuperar os bens que Chang e os seus camaradas adquiriram com o dinheiro das dívidas? Até onde eu percebo este processo, Chang e os seus amigos não roubaram dinheiro de Moçambique e nem transferiram valores ou coisa alguma para o exterior que se possa pretender recuperar. O que se sabe é que ele e os amigos montaram um esquema fraudulento, protegidos pelo regime de então, e enganaram algumas instituições e indivíduos lá do hemisfério norte, dizendo que estavam a fazer negócio em nome dos moçambicanos.

 

Portanto, aqui não há que se falar de recuperação dos bens de Chang que estão em Moçambique para pagar aos moçambicanos. O que os moçambicanos revindicam é que o seu nome seja retirado desta tramoia ou maracutaia (como diria Lula da Silva, quando também era do povo) e não aceitarem pagar uma dívida da qual não viram se quer de que cor era o tal dinheiro. Se há alguém que tem direito a revindicar que os bens sejam recuperados e lhes sejam pagos os dinheiros roubados, são as instituições e indivíduos que compraram esta dívida montada na calada da noite em algum lugar que só eles podem explicar. Das dívidas ocultas, Manuel Chang não deve dinheiro aos moçambicanos, deve sim aos gringos e é por isso que estão a trás dele para cobrar o lhes deve.

 

O dinheiro que Chang, e outros que governaram nos tempos da outra senhora, nos deve é do Tesouro, do Banco Austral, do BCM e outros dinheiros dos quais ainda não nos esquecemos. Sobre esse os moçambicanos ainda vão cobrar. Em relação às dívidas ocultas, os moçambicanos não pretendem receber dinheiro nenhum, apenas não querem ser obrigados a pagar nenhuma dívida ilegal e inconstitucional que em nada contribuiu para as suas vidas e, por isso, dizem EU NÃO PAGO!

 

Parece estar claro que os maiores interessados em que Chang seja de facto julgado, e bem julgado, são aqueles de quem ele e os seus camaradas roubaram dinheiro, aqueles que compraram a dívida oculta. Os moçambicanos querem apenas tirar o nome do país deste imbróglio e ficarem longe destas dívidas, e assegurarem-se que não haverá nenhuma possibilidade de serem obrigados a pagar o que não devem. O esforço titânico de trazer Chang para Moçambique, que conta com o apoio incondicional do seu partido, da PGR e do Tribunal Supremo, não mais é que uma tentativa de evitar que Chang e os outros enfrentem a justiça Americana e, de facto, paguem o que devem a quem é devido. 

 

É sintomático que, depois de vários comentários indicando que o TS citou leis revogadas, que o pedido formulado à Assembleia da República não é o mais adequado para o caso; que a anuência da AR para que Chang seja preso sem que lhe tenha sido retirada a sua imunidade viola a lei e a Constituição da República, nenhum destes órgãos tenha reagido a estes comentários nem se mostrado pronto a corrigir tais erros. Esta indiferença pode revelar uma desorganização desorganizada para favorecer Manuel Chang e, por via dele, os restantes camaradas na lista. É muito estranho que o Juiz Conselheiro do TS, Dr. Sebastião Rafael, conhecedor profundo das leis, em particular as criminais, com larga experiência em vários sectores da administração da justiça do nosso país, formador, docente universitário e estudioso do Direito, não tenha visto estas incongruências que, como diria o saudoso presidente Afonso Dhlakama, “até os passarinhos viram”.  Se Manuel Chang for, por uma eventual hipótese, extraditado para Moçambique (como alguns já vaticinam) poderá se considerar um homem livre. O mesmo tribunal que pediu a anuência da AR para permitir que Chang fosse preso, será o mesmo tribunal que vai mandar o cidadão e Deputado Manuel Chang ir em paz e em liberdade, por a sua prisão se mostrar ilegal e inconstitucional. Para a defesa de Chang bastará citar o Estatuto do Deputado e a Constituição para dizer que, como Deputado Manuel Chang não pode ser detido, salvo em caso de flagrante delito, e indicar que as leis que fundamentam a sua prisão foram revogadas. Mantendo-se o status quo Manuel Chang regressaria a Moçambique com a sua im(p)unidade ainda intacta.

 

Se a nossa justiça quiser recuperar alguma dignidade, é chegada a altura de parar com as manobras para inviabilizar a extradição de Chang para os Estados Unidos da América; se a AR, ou melhor a bancada que apoia a extradição de Chang para Moçambique, quiser se reconciliar com o povo, é melhor fazer o que é de lei, retirar-lhe primeiro a imunidade parlamentar para vermos a seriedade com que pretender lidar com este assunto. Por enquanto, o meu parecer é de que Chang deve ser julgado nos EUA e o povo moçambicano deve ser liberto de qualquer responsabilidade em relação às dívidas.

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