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segunda-feira, 09 agosto 2021 13:28

Prisioneiros de guerra

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Em tempos infantojuvenil era normal que no regresso à casa, vindo das instalações do Grupo Desportivo de Maputo (GDM), e já o dia anoitecera, a malta da minha zona (Bombeiros) entrava sempre em confronto com a malta do Prédio Isolado (PI), paredes-meias com o GDM, e que hoje, face as construções vizinhas, seria certamente a malta do Prédio no Interior. Era um confronto preparado minuciosamente pelas partes, assinalando que nós (Zona dos Bombeiros - ZB) aprofundávamos as tácticas defensivas e eles (PI), grosso modo, as de emboscada. As escaramuças tinham lugar na parte frontal do PI, nas imediações do “prédio 33 andares”, que era, na altura, um pequeno mato de girassol.   

 

Um certo dia, e mais um de confronto, nós, a malta da ZB, conseguimos fazer um prisioneiro - por coincidência frequentava a mesma escola que a minha – encontrado bem escondido, e todo aterrorizado por ter sido descoberto entre a mata de girassol. Lembrar que nesse tempo (anos 80), na Pérola do Índico, os direitos humanos não eram tidos e nem achados. Por algum instinto, talvez pela ligação escolar, intercedi, e com sucesso, junto aos mais velhos para que o perdoassem e o libertassem sem um aranhão. Não fora um exercício fácil, pois entre a malta havia alguns com desejo de vingança face a sevícias sofridas em situações análogas.

 

Uns anos depois, cruzo com o liberto em companhia de seus pais e este fez questão de apresentar-me aos seus pais, destacando que era o tal que participara na sua detenção e intercedera para a sua libertação. Foi um (outro) momento mágico quão o da libertação. Até hoje, eu e “ex-prisioneiro de guerra”, e sempre que nos cruzamos, a par dos cumprimentos, paira no ar a presença indelével desse dia, o da libertação, e creio que tenha sido igualmente o da cessação definitiva das hostilidades, avaliando que as confrontações deixaram de acontecer desde então.   

 

Este episódio veio-me à memória neste final de semana com a tomada de Mocímboa de Praia. Aliás, amiúde tem sido assim quando acompanho as comunicações dos sucessos das forças ruandesas e as moçambicanas (nas palavras de Kigali) - ou os sucessos das forças armadas moçambicanas e as ruandesas (nas palavras de Maputo) - quanto ao avanço contra os terroristas em Cabo Delgado, pois noto apenas o registo de mortes e a completa ausência de prisioneiros (de guerra) do inimigo nas estatísticas/comunicações das duas partes da força conjunta. O mesmo com as comunicações dos terroristas. Aliás, e já agora, fazendo jus a crítica sobre a comunicação oficial da evolução dos acontecimentos no teatro de operações, esta (a comunicação) não deveria estar, em primeira mão, sob a alçada das autoridades de defesa de Moçambique? Ou no mínimo que ela fosse de forma conjunta quer presencial, em conferência de imprensa, quer por outros meios, nomeadamente tecnológicos.

 

Mas é de prisioneiros de guerra de que falava. Do pouco que saiba, o facto de fazer, manter e libertar/trocar prisioneiros de guerra é um sinal de abertura/proximidade (e também, e sobretudo, de humanidade) que, por experiência própria, acredito que seja uma forma de alimentar condições que também possam concorrer para a cessação das hostilidades. Por enquanto, do conflito em Cabo Delgado, o único prisioneiro de guerra que se conheça é o próprio Estado moçambicano, restando apenas que se saiba quem o prendeu, o retém e o libertará? Oxalá um dia, e tal como eu fora, o Estado moçambicano apresente-o aos seus pais, o povo moçambicano. 

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