Os irmãos Liphiody já viviam em constante tensão, muito antes da chefe de família perder a vida. Rabeca Liphiody era o nome da mãe, a protectora dos cincos irmãos Liphiody. Desempregados, e apenas uma com formação superior no estrangeiro, sendo que os restantes, quatro, possuem uma vida turbulenta, tanto no amor como financeiramente.
Discussões banais e insultos eram constantes. A dona Rabeca Liphiody, que logo cedo se tornou solteira, e posteriormente viúva, cuidou da educação dos seus filhos, experimentando tudo de mau e bom.
Rabeca Liphiody, natural de Mutarara, situado na região nortenha da província de Tete, é uma mulher guerreira e famosa por ter participado da Luta de Libertação Nacional, de onde viria a ter a patente de capitã, fruto da sua entrega na defesa da pátria durante a sua mocidade. Para além de ser empreendedora e curandeira, a dona Rabeca chegou a dirigir a organização da mulher do Partido Frelimo, no Chiveve.
Na busca pela vida, de burlas sofridas aos problemas de saúde, dona Rabeca caiu doente, e foi parar, primeiramente, em Malawi e, posteriormente, em Maputo, no Instituto do Coração (ICOR). Após recuperar da trombose, por ordem dos médicos, Rabeca acabou fixando sua residência na “Cidade das Acácias”, para dar seguimento ao tratamento médico. Anos passaram, e a família Liphiody vivia em meio a certos dilemas envolvendo alguns dos seus filhos, que mergulharam no mundo da droga e gravidezes indesejadas.
O carácter dos filhos da dona Rabeca levou-os a serem expulsos e acusados de roubar na empresa de construção, em Gaza. O filho mais velho, Jacaranda, envolvido num casamento dedicado a discussões e traições, viu a sua viatura sabotada e incendiada pela esposa, que já não queria continuar no matrimónio.
Além disso, a droga consumia a alma do filho mais novo da senhora Rabeca, o Titino. Ele era um jovem tagarela, confuso, oportunista e sabotador. Estes atributos levaram-no a nunca permanecer em nenhum emprego que conseguiu, mesmo com as especializações em condução de viaturas.
Titino, quando trabalhava na empresa de construção, desviava diariamente quantidades de material de construção da empresa. Em três meses, ele conseguiu comprar uma viatura, passou a vender cocaína, heroína e suruma. Também, ele frequentava os corredores dos grupos vocacionados ao abate e venda de troféus de animais protegidos por Lei. O jovem Titino tinha uma vida boémia. “Gajas boas para ali, mulatas fogosas para acolá”. Vivia uma vida inteiramente de aparência. Nessa altura, Titino havia oferecido 100 mil meticais à sua mãe, a qual pretendia construir uma casa para a família.
Repentinamente, os escândalos dos filhos da dona Rabeca rebentaram. Os dois foram expulsos e caíram no desemprego. Titino tentou ser narcotraficante, mas tudo viria a desmoronar. Sem soluções, a oferta feita à mãe transformou-se em dívida e uma via de extorsão para a dona Rabeca. Mensalmente, dona Rabeca tinha que descontar do seu pargo subsídio de antiga combatente da Luta de Libertação Nacional uma quantia de 5 mil meticais.
A situação prevaleceu durante algum tempo. O jovem, sem alternativas, decidiu mudar para casa da sua mãe, contudo, em pouco tempo, envolveu-se com uma rapariga da zona, engravidou-a, sendo que Titino viu-se obrigado a juntar-se a ela. Sem emprego, e a família da jovem pressionando-o a se juntarem, Titino teve que levar a companheira para a casa da mãe, onde, de choque em choque, teve que procurar por outro abrigo, porque a dona Rabeca já estava farta de tudo que se passava na sua casa.
O tempo foi passando, e a filha da dona Rabeca, a Judite, regressou dos estudos no estrangeiro, onde fizera uma licenciatura em Engenharia de Processos. Com ar refugado, voz aportuguesada e asas levantadas, Judite sentia-se a mais inteligente e o orgulho da família. Contudo, a realidade era diferente com a irmã Alda Liphiody, que estava no lar em Maputo, e a Cisca, a mais nova, que já tinha dois filhos e residia em Tete. Nisto, a vida da família seguia embrenhada de problemas que se acumulavam na cabeça da dona Rabeca, mãe e pai dos cincos filhos, com um neto problemático, ladrão, confuso, drogado e ignorante.
Entretanto, as confusões não acabavam. Ameaças e expulsões eram constantes. A esquadra do Bairro Jonasse, na Matola-rio, em Maputo, virou um local de constante queixas e resoluções de problemas familiares. Os agentes cansaram-se. As igrejas existentes nas redondezas recebiam visitas da família, de semana em semana, ao ponto de não se saber o que a mesma realmente procurava naqueles espaços de amor e caridade.
Ora, o ano 2020 começou em meio a tanta euforia e projectos. O ambiente aparentava dos melhores. Em Fevereiro do mesmo ano, Alda deu à luz a uma linda menina. Devido ao mau tratamento no Hospital de Mavalane, a jovem teve que fazer confusão para ter alta. A menina nasceu prematura, porém forte.
Tristemente, em Fevereiro, a dona Rabeca Liphiody começou a ter falhas de memória, falando coisas sem sentido e registando sinais de memória invertida.
A situação foi piorando. Consultas feitas diziam que a mesma estava com a tensão alta e precisava de repouso. Mas era um diagnóstico errado! Levou-se para diversas clínicas, em Março, mas o filho mais velho, o Jacaranda, decidiu esconder os resultados dos exames. Um mês depois, diante de tanta pressão das irmãs, Jacaranda apresentou os exames os quais revelaram que ela tinha dois tumores instalados na cabeça.
Diante da situação de saúde deteriorada e a mensagem errada que recebia nos hospitais, em Moçambique, devido à pandemia da Covid-19, e com o estado clínico da dona Rabeca Liphiody, que já padecia de outras doenças complicadas. Durante o Estado de Emergência (EE), a combativa e forte dona Rabeca Liphiody foi perdendo a força, pelo que nem um prato vazio conseguia tirar da mesa. Ela precisava de alguém para que tudo lhe fosse feito. Passando algum tempo, ela já não conseguia levantar da cama.
Nisto, a única solução foi levar a dona Rabeca para o Hospital Central de Maputo (HCM), onde os filhos, em vez de rezar e fazer de tudo para que a saúde da sua mãe melhorasse, passavam a vida a competir, e a gabar-se sobre quem era o melhor filho ou quem melhor cuidava da mãe. De Abril a Junho, o estado clínico da dona Rabeca deteriorou-se, tendo perdido a vida no dia 29 de Junho. Em meio a uma semana turbulenta, a sua filha Alda, viu o seu esposo detido três dias antes de a mãe perder a vida.
Ora, na tarde de segunda-feira, 29 de Junho de 2020, dona Rabeca Liphiody deixou de respirar, após ter “combatido um bom combate”, quanto na vida social, política, económica, cultural e familiar. Entretanto, a tragédia da família viria a recomeçar com o desaparecimento físico da chefe da família. Dias antes, o filho mais novo, Titino, foi, na calada da noite, acompanhado da esposa, na casa da mãe, semear objectos estranhos no terreno da mãe.
Desde a morte da dona Rabeca, a confusão instalou-se. Os cincos irmãos Liphiody já não conseguiam se encarar por muito tempo. Em causa, estavam três casas e terrenos deixados pela dona Rabeca Liphiody, nas cidades da Beira, Matola e distrito de Mutarara, na província de Tete. Enquanto os dois irmãos pensavam em vender tudo e comprar uma frota de viaturas para fazer táxi, as três raparigas pensavam em vender tudo, dividir as moedas para cada uma e seguir com as suas vidas.
A raiva era tanta que, mesmo com um testamento deixado pela dona Rabeca Liphiody, os dois filhos alegaram que o mesmo foi rabiscado num momento em que a mesma não gozava de boa memória. A família Liphiody demonstrou estar dividida, mesmo no momento das cerimónias fúnebres, que foram tão apressadas, não tendo respeitado as vontades da dona Rabeca. No dia da despedida, os ânimos de todos foram tão elevados que terminaram em discussão e promessas de vingança.
Por conseguinte, os irmãos Liphiody destruíram o cordão umbilical.
Semearam o ódio e mataram a irmandade que os unia um com o outro. A fonte de fácil enriquecimento fez-lhes vender tudo que a mãe conquistara a ferro e fogo. Os irmãos Liphiody não pensaram num futuro de continuidade da família Liphiody, e permitiram que o diabo vencesse a vontade divina e o sacrifício de uma grande mulher. (I)