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terça-feira, 20 outubro 2020 06:26

Um buquê de flores à minha porta

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Há uma semana que havia saído de casa, e como vivo sòzinho, a música dos pássaros vai ficar sem auditório. A diarista vinha, na escala combinada, e sentia falta de mim. Abria a porta do quintal e não tinha a quem dizer bom dia. Ela tem as chaves da casa. Conquistou a minha confiança e já não há limites, dentro dos limites que a boa convivência e respeito mútuo aconselham.

 

Chama-se Hambvu e gosto muito dela. Mesmo assim não sei como é que está aqui comigo este tempo todo. O meu carácter é irrecomendável. Fervo em pouca água e sou capaz de pegar no ouro que me deram com amor e atirá-lo na pocilga. Já fiz isso, aliás venho fazendo isso na minha vida inconsequente. É por isso que as pessoas aproximam-se de mim, e logo no dia seguinte vão-se embora. Decepcionadas.

 

Hambvu é ouro puro. Sinto medo dela, todos os dias, não sei porquê. Por vezes sou impelido a ajudar em qualquer coisa e ela diz assim, deixa, tio, eu vou fazer. É uma mulher transformada numa obra grandiosa de arte pela minha imaginação. Pelos meus sentimentos humanos. Não se toca num quadro belo pendurado na parede, e Hambvu é um quadro belo que se move na minha casa. Fazendo tudo para que eu me sinta bem.

 

Nunca fui pessoa apaixonada pela comida, mas a comida da Hambvu mudou o meu paladar. Ando limpo, com roupa bem lavada, e tudo isso deve-se a esta mulher delicada, que merece muito mais do que aquilo que lhe pago. Aliás, sempre que chega o fim do mês, sinto que é um insulto dar-lhe aquelas migalhas, mas não posso fazer mais porque eu também recebo migalhas, então divido as minhas migalhas com Hambvu.

 

No quinto dia após eu ter saído de casa ela ligou para mim e perguntou, tio quando é que volta? E eu repondi, no domingo.

 

Na verdade eu sentia saudade da minha casa. Da Hambvu. Queria voltar para onde o meu coração bate em liberdade. Onde nas noites, depois de acompanhar os noticiários, desligo tudo, e deixo o reflexo da luz da varanda gotejar no meu quarto. E será nesse momento que vou fazer o exame da minha consciência, e o resultado é que não fiz nada de extraordinário. Sou uma mbila desafinada.

 

Domingo é dia do meu aniversário, e eu vou comemorar sòzinho, sem champanhe e sem ninguém para me abraçar. Mas isso não importa, o que eu quero é voltar para casa, mesmo metido neste pequeno autocarro barulhento, com gente a beber e a ouvir música em volume alto, desrespeitando as recomendações sobre a Covid-19.

 

Cheguei à casa exausto, são vinte e trinta. E neste estado não quero mais nada a não ser um banho e uma soupa quente que Hambvu preparou e deixou na geleira. Mas antes de abrir a porta,  vejo um buquê de flores no chão. Fiquei assustado. Peguei no presente e reparei que não havia nenhuma mensagem a identificar a pessoa que me oferecia. Então o que me restava era guardar a surpresa esperar.

 

À noite, enquanto dormia, pensava em quem podia ser a pessoa que me trouxe as flores, mas não encontro a resposta até hoje, e já passam seis meses. A mulher mais recente que me visitava com alguma regularidade, morreu há dois anos, e de lá para cá nunca tive ninguém. Perguntei a Hambvu se tinha chegado alguém durante a minha ausência e ela respondeu assim, mas tio, aqui eu nunca vi nenhuma mulher, nem pegadas. Afinal o que é que se passa, tio?

Sir Motors

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