“O Moçambicano é laborioso e tem capacidade para assegurar para si e para os seus dependentes um conjunto de condições básicas mínimas para a sua subsistência e bem estar , o que lhe falta é a oportunidade para o realizar (RAP, 2004:7)”. A citação é uma fotografia histórica da normalidade de Moçambique. Uma normalidade caracterizada pela luta diária do cidadão, famílias, associações e de empresas, e pela dificuldade e/ou impossibilidade do Estado em prover “o acesso às condições que lhes permitam satisfazer as suas necessidades básicas e perspectivar o seu crescimento e desenvolvimento no mais breve período de tempo possível (RAP, 2004:25) ”. Estes trechos - do Relatório Anual da Pobreza (RAP/2004), coligido pelo Grupo G20, um fórum da sociedade civil moçambicana -, tomaram a minha memória/consciência por conta de uma outra fotografia: a da actual anormalidade decorrente da pandemia da Covid-19.
Por acaso já teve a oportunidade de ver uma fotografia da nossa (a)normalidade? Depois do discurso do Presidente da República (PR), o da 3ª prorrogação do estado de emergência, encontrei uma, mas referente a realidade portuguesa. Foi numa leitura de uma crónica de João Miguel Tavares, Jornalista português, que à dada altura, e citando uma outra pessoa, dizia mais ou menos o seguinte: “Na reacção à epidemia, a única coisa bem-sucedida foi aquilo em que era preciso não trabalhar. Em tudo aquilo em que seria preciso trabalhar, falhou-se.” A partida, ocorreu-me que já vira uma fotografia semelhante, mas com alguma diferença e a retratar a Pérola do Índico. A diferença foi a falha em tudo: no que era preciso não trabalhar e no que seria preciso trabalhar. E esta é a fotografia responsável, conforme a justificativa presidencial, pela 3ª prorrogação do estado de emergência, pois, o país, no domínio do que era preciso não trabalhar, falhou como foi o caso da medida do confinamento. No que respeita ao que seria preciso trabalhar, o país também falhou, tomando de exemplo os sectores sociais (educação) e económicos (indústria, comércio e serviços), sobretudo no que tange a medidas que permitissem o seu funcionamento e com uma certa normalidade e em segurança.
Contudo, nem tudo está perdido. Existem sinais positivos que contrariam a onda e o exemplo vem do comércio informal vis-à-vis autoridades públicas, lê-se Município de Maputo. Os vendedores informais, e fazendo jus da qualidade laboriosa dos moçambicanos e dos imperativos de sobrevivência, não se confinaram perante os riscos da pandemia e pressionaram que a sua actividade não fosse encerrada. Por sua vez, e diante dos riscos e fazendo jus do seu papel de provedor das condições necessárias, o Município encetou uma ofensiva de organização dos mercados informais, adaptando-os aos ditames da pandemia cujo grosso das medidas não passa de pura urbanidade. No lugar de fechar, o Município optou por organizar os mercados informais para que a sua actividade decorresse em melhores condições sanitárias e em segurança. E este é um exemplo, nosso e local, de resposta aos problemas e desafios, tanto em relação aos dos tempos da dita anormalidade quanto, em parte, aos da suposta normalidade. Agora a pergunta: e nos restantes sectores? O da educação, por exemplo, fora continuar encerrado, não é possível algo de diferente e funcional?
Em reacção da decisão do PR, a do regresso faseado do ensino, algumas vozes já se levantaram contra, registando, a propósito, de que o contrário - pressionar o regresso às aulas -, nunca foi posto à mesa, fora, e para o ensino privado, a questão do pagamento ou não de propinas. O argumento do não regresso é o de que o país não está ainda preparado. Sobre isto, e com todo o respeito, pergunto se em algum momento o país já esteve preparado? E o que nos leva a cruzar os braços na educação e a levantá-los no comércio informal? Certamente que a resposta será a de que no comércio informal são adultos e na educação é diferente (ou indiferente?) porque são crianças, no caso dos subsistemas mais abaixo. O que é (in)diferente é o facto de não se estar a capitalizar a pandemia – que veio de repente e pelos vistos não partirá de repente e nem tão já –, no sentido de operar as mudanças e melhorarias que se impõem no sector da educação e afins ao seu funcionamento. Assim sinaliza ou acontece(u) com o comércio informal no Município de Maputo e um pouco por outras partes do país, o que me impele a defender de que a saída passe por se pensar em que termos e condições podem ser ponderadas e sempre reavaliadas o regresso às aulas, e de que é esta a pauta do debate e não, necessariamente, a do fecho definitivo do ano lectivo.
Neste contexto, o cruzar de braços, o que contraria com a laboriosa particularidade dos moçambicanos, cola com a nossa fotografia da (a)normalidade, a referente a 3ª prorrogação do estado de emergência, decorrente ou não da Covid-19, mas, porventura, também decorra de uma outra pandemia, a da apatia em pensar e fazer diferente. Felizmente, esta última, embora preocupante, o seu contágio é facultativo. Para terminar, quero acreditar de que os defensores do NÃO, quer o do regresso às aulas quer o do fim ou alívio de outras proibições e restrições, e em segurança, não estejam a pensar que o SIM, em particular o do regresso às aulas, só será possível com o fim da pandemia. E por acaso: quando é que será o fim da pandemia?