Se as ruas pudessem votar seria bem interessante. Conheço uma rua da cidade de Maputo, que de tão oprimida, nem na oposição votaria. Essa rua, na verdade uma avenida, é a Ahmed Sékou Touré (o nome de um antigo presidente da Guiné-Conacry), a outrora e colonial Afonso de Albuquerque, o nome de um expansionista português que chegara a Governador/Vice-rei da índia portuguesa. Para quem é/foi morador ou com o local de trabalho nesta avenida não hesitaria em subscrever o presente texto, pois sabe quão a Ahmed Sékou Touré é oprimida por dentro e pelos seus pares vizinhos. Sigam-me.
A partida, as fronteiras da Av. Ahmed Sékou Touré - inicia na Av. Julius Nyerere, antigo presidente tanzaniano, e finda na Avenida da Tanzânia - significam que se está ainda em Nachingwea, o campo de treino militar da FRELIMO na Tanzânia. Logo, não se está independente na Av. Ahmed Sékou Touré. É a primeira opressão. A segunda situa-se no início da avenida e do lado esquerdo para quem dá costas à Nyerere (com todo o respeito). Trata-se de um edifício das finanças que, trocado em miúdos, é o símbolo de impostos (e quem gosta de os pagar?). Na mesma posição e do lado direito está localizada o Palácio dos Casamentos que é a terceira e sinistra (para alguns) opressão. Isto para citar, de memória, alguns exemplos.
A opressão, na Av. Ahmed Sékou Touré, não se circunscreve apenas ao local de nascimento. Existe uma outra, a que me interessa, tão presente, devastadora e sufocante em toda a sua extensão. Falo da opressão movida por duas avenidas paralelas e adjacentes. São a Eduardo Mondlane, 1º presidente da FRELIMO, e a 24 de Julho, o dia das nacionalizações. As avenidas, entre outras e ditas protocolares, por onde passa o poder, soltando ruidosas sirenes que de tanto vociferarem, dos dois lados da avenida, e vezes sem conta em simultâneo, até ameaçam, à milhas, a saúde dos tímpanos dos patronos da rua quer os do presidente guinéu, no sossego do seu túmulo, lá para as bandas de Conacry, a capital da Guiné do mesmo nome, quer os do Governador e Vice-rei da índia portuguesa que anda, suponho, perdido pelas ruas de Lisboa, a capital, por conta do desaparecimento do seu túmulo no Terramoto de Lisboa de 1755.
Dos quatro presidentes de Moçambique, o único que até agora vi a passar pela oprimida Ahmed Sékou Touré, e no exercício das suas funções, foi Armando Guebuza, o “Enfant terrible” de Samora Machel, que cortara, no sentido Este-Oeste, uma boa parte da avenida e creio, terá parado, para uma inauguração ou visita, algures próximo ao Jardim dos “Mandgermans”, o oficial Jardim da Liberdade. Em conversa com um amigo, que também vira e ligara para mim, enquanto o “momento histórico”, a passagem da comitiva presidencial pela Av. Ahmed Sékou Touré, acontecia, comentamos, na altura, de que só ele, o Guebuza, entre os três presidentes até então, compreendia a dimensão da opressão habitada na Av. Ahmed Sékou Touré. Isto porque, na era colonial, na sua trajectória nacionalista, Guebuza “vivera” numa das suas esquinas, concretamente na da funesta, e de má memória, “Vila Algarve”, uma antiga prisão da polícia política portuguesa (PIDE), hoje um edifício em ruínas.
Lembrei-me da Ahmed Sékou Touré, como uma rua oprimida, a reboque do protesto da comunidade afro-americana contra a opressão de que são vitimas, em particular da polícia estado-unidense. Na esteira do exemplo, discordando apenas do recurso à violência, sugiro aos oprimidos da Av. Ahmed Sékou Touré, os antigos e os actuais, que se organizem e movam uma acção pacífica de protesto contra o Estado. No mínimo, um abaixo-assinado e um processo judicial em que se exija o pagamento de uma choruda indeminização, entre outros, por danos na audição e com efeitos nefastos na visão.
Por ora, enquanto decorrem os preparativos organizacionais para o protesto, até que se podia colocar, junto ao murete do Palácio dos Casamentos, uma lápide inscrita “ Rua Oprimida”. É uma ideia e não sei até que ponto seria consensual na futura Associação “Rua Oprimida”. Espero, a fechar, que os da Av. Ahmed Sékou Touré, os de ontem e os de hoje, não levem a sério, e nem a brincar, o escrito neste texto.
PS: Prometera, em finais de Maio, de que só voltaria a publicar no início de Julho. A ideia era a de mostrar ao PR o meu comprometimento em ficar em casa, fisicamente e virtualmente. Ainda não cumpri, sobretudo a nível virtual. Já publiquei um texto. Agora o segundo. Um exemplo de que está difícil cumprir com as medidas do estado de emergência. Não me parece que o facto de ter sido uma das vítimas da “Rua Oprimida” (tipo já não ouço e mal enxergo) seja uma desculpa plausível.