As notícias que nos chegam da Itália e relativas a pandemia do novo coronavírus, a COVID-19, remexem a minha memória, sobretudo, a que retenho da presença da Itália em Moçambique, concretamente em Maputo. Falo do período que apelido de “Rossi-Roma”, meros marcos e não necessariamente o ponto de partida e o de chegada. O Rossi, Paolo Rossi, foi um jogador da selecção italiana no Mundial de Espanha de 1982 e que levara a sua equipe à conquista do torneio. E Roma, a capital italiana, que fora, em 1992, a cidade anfitriã do Acordo Geral de Paz, mediado pela Itália e assinado pelo Governo moçambicano e a RENAMO. É deste período que me embala a memória abaixo.
Em 82, a Itália - a boa e a má - entrara na casa dos maputenses através da televisão. Em rigor, entrara nos bairros, pois, na altura, a TVE (anterior TVM) era vista ao ar livre nos Círculos dos bairros. E o Paolo Rossi foi um dos responsáveis pela entrada. Dele, fora um bom jogador e grande goleador - o lado bom - ele era um condenado da justiça italiana por conta do seu envolvimento com a máfia - o lado mau - na manipulação de resultados do campeonato italiano. Aliás, um arranjo jurídico oficial tornara possível a redução da sua pena e daí a sua participação no mundial. E assim, menos ou mais, a Itália se apresentou ao país e que o filme “O Padrinho” tratou de aprofundar o resto da apresentação.
Neste diapasão – de boa e má coisa – e entre as várias nacionalidades de cooperantes, os italianos marcavam a diferença na proximidade social, no bom gosto (vestuário e gastronomia) e na “pilhagem” dos recursos femininos nacionais cujos escândalos, à mistura, fizeram manchete social, destacando “o caso dos 33 andares” e de outros, sobretudo, na época da presença militar italiana no quadro da missão da ONUMOZ (1992-1994/5), então liderada por um simpático italiano. Deles, e como professores, também retenho a quebra do “cinzentismo” das regras ao se apresentarem de calças “Jeans”, camisa fora das calças, rabo-de-cavalo e de brinco de ouro na orelha. A outra lembrança é a das farras (festas) nas suas residências cujos “apetrechos de desenvolvimento” atraiam a cobiça de assaltantes.
Da Itália também a lembrança de grandes obras. E delas o ruído irritante de máquinas da empresa SIETTE durante a instalação de cabos telefónicos em Maputo. Desse trabalho, as estradas ficaram tão esburacadas que os maputenses passaram a referir que a sigla SIETTE significava “Somos Italianos Esburacamos Todo o Tipo de Estradas”. Outras obras, para citar algumas, foram as das barragens dos Pequenos libombos e de Corumana, registando que os italianos foram vítimas - na fase de construção - do conflito armado que assolara o país nesse tempo. Um outro tipo de obras foram as do campo social e desportivo, destacando o apoio multifacetado, institucional e individual, em tempos difíceis do país.
Hoje, em tempos difíceis de um mundo abraços com a pandemia da COVID-19, a Itália – tão devastada pela pandemia – ainda se faz presente na vida dos maputenses através de uma das formas de prevenção da COVID-19: lavar as mãos. Aliás, a Itália estará sempre presente enquanto a água que jorra nas torneiras dos maputenses for a proveniente da Barragem dos Pequenos Libombos e de Corumana, um legado do período “Rossi-Roma”. E quem sabe se entre os que partiram da COVID-19 na Itália não esteja um dos que torna(ra)m possível os maputenses lavarem as mãos e assim repelirem a COVID-19. Esta é a Itália solidária que a conheci no período “Rossi-Roma”. À ela, Itália: il mio abbraccio fraterno!
PS: Numa recente visita à cidade de ChóKwè (Gaza) e à conversa numa esplanada, um Cota (mais velho) local contara-me que o presidente Samora Machel manifestara, na altura/anos 80, alguma preocupação com a presença de sul-africanos (em referência aos refugiados do ANC) porque estavam a ensinar o povo moçambicano a fazer candonga (contrabando). Perguntei-o sobre o que os italianos terão ensinado aos moçambicanos. O Cota, depois de passar um olhar de esguelha pelos arredores, respondeu de que os italianos ensinaram aos moçambicanos a fórmula de um país ficar anos sem um Governo em exercício. E quem terá ensinado o pagamento de comissões (os famosos 10%)? “Conto, um outro dia” foi a pronta resposta e final do Cota. Infelizmente, nunca mais eu tive notícias dele.