O recente bate-boca em torno do “saque” ao erário público para remunerar os custos da dignidade do estatuto do deputado (não necessariamente da pessoa beneficiária – um outro assunto) é recorrente. Para os do contra é “um valor altíssimo” e para os favoráveis é “um valor baixíssimo”. Os do contra não concordam que se pague tanto por dormidas no parlamento. Os favoráveis consideram que os ministros (que também dormem quando vão ao parlamento) recebem muito mais e ninguém toca no assunto. Por onde ficamos?
A partida é pacífico que se remunere dormidas em serviço de Estado (e na hora de expediente) desde que não se exagere na remuneração cujo cálculo – ao que parece - é inspirado no das Ajudas de Custo em viagens de trabalho: quanto mais dormidas/diárias fora , maior é o bolo do per diem (valor por dia). Agora, se a dormida remunerada é barulhenta (a dos deputados) ou silenciosa (a dos ministros) depende da manta que é usada. Nas sessões do Parlamento a manta (mais para lençol) é transparente e nas sessões do Conselho de Ministros ela é bem espessa, um autêntico edredom.
Dito isto – sobre quem dorme e recebe mais - talvez o foco do argumento da corrente dos favoráveis, onde pontificam deputados em exercício e fora dele, passasse por defender uma lei que obrigasse que as sessões do Conselho de Ministros fossem públicas a par das do Parlamento. Se assim for, temo que a corrente dos favoráveis tenha razão e uma das evidências são as elegantes dormidas dos membros do Conselho de Ministros nas idas ao Parlamento. Uma outra evidência é a do mobiliário. Baste que repare nos confortáveis assentos da nova sala do Conselho de Ministro que até fazem inveja aos da Business Class das melhores companhias aéreas. E quem já viajou nessa categoria que testemunhe a qualidade da soneca proporcionada. Aliás, os próprios ministros podem certificar a veracidade.
Para a corrente do contra, lembrar que a dormida parlamentar pode também significar um sinal de trabalho árduo. Pois, entendo, que quando o deputado chega às plenárias é o culminar de uma longa caminhada de trabalho nas comissões, visitas ao terreno e ao estrangeiro, trabalhos em grupo, elaboração de relatórios/discursos, entre outros afazeres. O mesmo para a dormida governamental. Contudo, também é válido que a dormida pode significar desorganização/falta de planificação. Que o digam os estudantes (e os docentes que confirmem) que fazem um trabalho de investigação de dois meses no dia anterior ao da sessão de entrega.
Enfim. É a democracia da Pérola do Índico no seu melhor. Avisos não faltaram e por aqui ficamos com um (aviso) deles, e prévio, dado, na altura da introdução do multipartidarismo (anos 90), por Joaquim Chissano, então Presidente de Moçambique. O aviso de Chissano- direccionado ao Ocidente (salvo erro à Margaret Thatcher, a Ex-Chefe do Governo do Reino Unido) – alertava para o facto da democracia ser um sistema extremamente oneroso. E desde então, nunca vi - só para fechar - um aviso a ser levado tão à letra e dolosamente quanto este. E isto é extremamente penoso.