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terça-feira, 11 fevereiro 2020 07:40

Quando o Estado o faz chorar

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Espero que o leitor  não chore no final do texto. E já adianto que o assunto não são os impostos e muito menos os últimos acontecimentos políticos do país. Aí vai:  guardo lembranças  da luta cívica do Reverendo  Desmond Tutu ,  o primeiro Arcebispo negro  da Igreja Anglicana da cidade sul-africana  de Cabo.  Ainda guardo de outras  do tempo em que ele - também  Prémio Nobel da Paz em 1984 -  chefiara  no período pós-apartheid a Comissão da Verdade e Reconciliação da África do Sul. Nesta comissão o relatado pelos agentes ao serviço do Estado sul-africano e respectivas vítimas na época do apartheid, levara com que  Desmond Tutu  chorasse. Abaixo volto ao assunto depois de contar dois episódios intramuros.    

 

O primeiro: um dia e na temporada da revolução dei de caras com uns polícias no cruzamento da Vladimir Lenine com a Rua da Rádio. Foi do lado do Jardim Tunduru. Não portava comigo  o BI e como alternativa o polícia procurou saber onde eu  morava. Apoiado com um  caniço de uns 50 centímetros indiquei a direcção de casa que  por coincidência foi na exacta direcção do brasão da república cravado no  chapéu do polícia. Foi  um 31 cujo desfecho foi graças a uma   intervenção solidária  de solícitos  transeuntes. Não me recordo dos argumentos do polícia, mas creio que o único mal tenha  sido a “coincidência” dos aposentos: o meu e O do Estado. Do episódio  retenho a lembrança da choradeira de menino em direcção à casa. 

 

O segundo: há uns dias contei o episódio acima  a um amigo de Nampula. E este disse que tal não foi nada e que o polícia apenas  excedera no zelo. Segundo ele, muito grave  e desagradável foi o dia em que ele vira um polícia, em Nampula, a exceder  na falta de zelo e sentido de estado. Um 31 de avesso: um 13  da sexta de Agosto em pessoa. Nesse dia e numa  acção rotineira (de saque) de um  polícia este interpela um cidadão estrangeiro – a partida oriundo da África ocidental ou dos Grandes Lagos -  que farto de ser interpelado pela polícia e quiçá pelo mesmo polícia desobedece a ordem de paragem e continua a sua caminhada. O polícia insiste e o forasteiro, uns bons metros distante , vira e com elevado desprezo  atira ao ar uma moeda, provavelmente de cinco meticais, caindo a bons passos de distância do polícia.  

 

 - O que fará o polícia? cutucava curioso o meu amigo. Em seguida o polícia – imbuído com as insígnias do Estado -  caminha lastimosamente em direcção do local da queda da moeda e  agacha  vergonhosamente para apanhá-la.  Segundo o meu amigo:  foi horrível e arrepiante ver o Estado moçambicano  (território, poder político e população)   a ser vulgarmente humilhado e espezinhado em praça pública por conta de  uns  míseros cinco meticais jogados ao ar  e com altivo desdenho.  Nem  que o polícia tivesse tirado o chapéu – como o fazem ao entrar num bar -  ou que fossem milhões  de dólares atirados à rua  tal acto é inaceitável e imperdoável para a dignidade de um  Estado que se preze e queira ser  respeitado.

 

Enquanto o meu amigo  contava o episódio fúnebre  à rodos decolavam lágrimas nos nossos olhos. E aqui aterra de regresso o Reverendo  Desmond Tutu. Sobre ele é contado que no tempo da Comissão de Verdade e Reconciliação a dada altura ele  fizera questão de reservar uma bacia no gabinete anexo ao de trabalho.  E cada vez que ele ouvisse um relato funesto dos  tempos do Apartheid era em tal gabinete em  anexo que se refugiava  e chorava aos prantos. Consta que a bacia chegara até a transbordar de tanta lágrima.

 

Aposto que se a mesma ou semelhante bacia estivesse diante de nós   –  do meu amigo e eu no dia do relato das exéquias do Estado  e  hoje, adicionando o leitor depois da leitura deste texto - transbordaria do mesmo jeito  que transbordara com Desmond Tutu.

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