A primeira coisa que fiz, ao entrar no pequeno autocarro que vai-nos levar a Massinga, foi olhar para o condutor no sentido de tentar avaliar a sua compostura global. Estou sentado no banco da frente, lado a lado com o dito cujo, do qual ainda não tirei nenhuma ilação. Ele tem a cadeira reclinada, com os dois braços a servirem de almofada, mas logo que se apercebeu da minha presença, mudou de posição. Endireitou o encosto, levando de seguida as mãos ao voltante de uma viatura que está inerte, à espera de completar a lotação.
Virou-se para mim e saudou-me cordialmente, transmitindo a imagem de uma pessoa educada. É um velhote que já deve ter passado, de algum modo, a fasquia dos sessenta, porém nota-se ainda nele, a robustez física de alguém com capacidade para enfrentar o asfalto e seus perigos. Mas essa é apenas a minha impressão, aliás, ainda nem sequer estamos em movimento, para aferir se tudo aquilo que sinto deste personagem, vai entrar em consonância com a realidade, quando estivermos por sobre as pedras do caminho.
Estamos na Terminal da Maxixe, um lugar de bulício como toda esta urbe em alucinante crescimento. Lá fora não faltam os vendedores ambulantes que não páram de bater à nossa janela propondo-nos qualquer coisa para comprar. A canção dos cobradores, vulgo “mangueme” em bitonga, não tem pausa enquanto as pequenas viaturas não estiverem lotadas. É uma linda canção cantada por várias vozes joviais, que estão ali na luta pela vida: Massingaaaaa! Vilankulooooooo! Inhassoroooooo! Chicuqueeeeee! Morrumbeneeeeee! E a imagem dos veículos perfilados, também é bela. Parece a arrumação dos versos que vão compor uma quadra para Rosa Chicuachula, de Amin Nordin.
Já estamos a partir, como uma aeronave que rola lentamente até ao fim da pista, para de lá convocar a força máxima dos motores. Dentro do carro há um silêncio, e se esta manifestação não se chama silêncio, então é um agradável sussurro. Parece o murmúrio do próprio mar que se estende aqui à nossa frente, com a cidade de Inhambane do outro lado. Isto é uma levitação.
O condutor apela-me ao aperto do cinto de segurança, e já livre do frenesim, próprio das cidades moçambicanas onde todos vendem e todos querem comprar, eis que liga o aparelho de música, que não vai, mesmo assim, perturbar o silêncio que reina aqui dentro. É Gimo Remane que canta para uma plateia em movimento, levada por um velhote sereno, como tudo o que está a sua volta. A música de Gimo não abalroa, quanto mais não fosse, ela sai de um volume quase imperceptível, como as próprias vozes dos utentes deste pequeno autocarro que desliza suave. Ou seja, há três silêncios audíveis neste interior, o do motor do carro, dos passageiros, e de Samukhela, a música desse makhuwa que nos embala.
Naquele ambiente as palavras serão supérfluas. Para quê as palavras, se elas estão completas nesta música! Para quê as palavras, se o silêncio já nos chega, como o próprio amor, que não se faz com palavras, mas com o silêncio e o doce gemido! O resto foi uma viagem leve, que terminou com a nossa chegada ao lugar mais efervescente da província de Inhambane, ouvindo Sibongile Khumalo, no seu retumbante Mountain shade.