Desculpa, senhor Presidente, mas foi você mesmo que acendeu o rastilho desta dinamite estúpida. Lembra-se? Esqueceu? Agora como é que vem, em pleno Estádio Nacional de Rufaro, perante os holofotes do mundo, pronunciar aquelas palavras sem sentido? Opacas. Você tomou uma atitude retrógrada, senhor Presidente! Você me fez lembrar Tchaka Zulu, que por tudo e por nada, mandava matar, mu bulaleni (matem-no).
A sua posição, meu caro Presidente, é de um primitivo. Porque uma pessoa que incita à violência e à morte de outros seres humanos, e fica insensível perante o sangue que jorra dos corpos desses seres, no mínimo é irracional. E você, senhor Presidente, prometeu, durante a campanha eleitoral, que ira correr com os estrangeiros da África do Sul.
Os seus compatriotas pilharam, destruiram e mataram em nome do Presidente da África do Sul. E o Presidente é você, senhor Ramaphosa, que autorizou implicitamente aquilo tudo. O seu comandante-supremo da Polícia dançou a música que você tocou, ou mandou tocar. Os agentes policiais também, participaram como actores de primeira linha na execução da sinfonia animalesca daquela semana. E depois da tragédia lá vem você, senhor Presidente, pedir-nos desculpas, lembrando-nos um tirano daqui da nossa zona, que mandava matar um companheiro de luta, e depois ia fazer ele próprio o elogio fúnebre exaltando os feitos patrióticos do finado. Veja só!
Se a África do Sul tem problemas, senhor Presidente, o culpado do vosso declínio não somos nós. Você sabe muito bem aonde é que está o busilis da questão. E saiba mais, os tempos de ouro nunca voltarão usando gasolina para incendiar nossos corpos, provocando a risada dos crueis polícias sob sua égide como comandante-chefe. Não é esse o caminho. Não são as facadas que nos decapitam, nem as pauladas por sobre as nossas cabeças que vão trazer a prosperidade para os sul-africanos. Não é toda essa selvajaria. Esse primitivismo.
Senhor Presidente, se você quer, na verdade, uma África so Sul que caminhe à luz do arco-iris, guie-se pela sensatez. Respeite sobretudo a vida do seu próximo. E mais, esse grande país nunca vai crescer sozinho. Aliás, uma boa parte da economia sul-africana foi sempre movida por estrangeiros, por moçambicanos como eu, trabalhando nas minas de onde voltaram doentes para morrer aqui no nosso solo-pátrio. Muito outros morreram aí mesmo, erguendo o grande edifício que acolhe a você, senhor Presidente e a todos os seus compatriotas.
Eu tenho muito respeito por si, como símbolo da Nação, mas deixei de me simpatizar consigo como pessoa, a partir do dia em que incitou à violência, prometendo expulsar as pessoas que não são daí. Ora essa! Vista outra roupa, meu caro Presidente. Roupa nova, e venha nos mostrar que está, daqui em diante, depois das desculpas que pediu em Harare, comprometido com uma África do Sul não vingativa contra estrangeiros. Porque até prova em contrário, você, senhor Presidente, está no mesmo saco dos vingativos. A sua atitude mancha a África inteira.
Senhor Presidente, não se esqueça que você é uma pessoa vulgar. O que está a acontecer é que está investido de poderes invulgares. Mas esse escafandro não é eterno. O seu madato vai terminar depois de alguns anos. E eu não acredito que gostaria de sair e deixar uma África do Sul mais manchada de sangue do que já está. Você é uma pessoa capaz de se mudar a si mesmo, senhor Presidente, e se fizer isso, toda a África do Sul vai lhe seguir e toda a África vai-lhe agradecer.
Por enquanto estarei aqui, deste lado, agora mais do que nunca, aconchegando a lenha na fervura da esperança.