Um senhor de família que sempre passava pela zona, na época de férias escolares, decidiu parar para as perguntas habituais - de mais velho – a um grupo de miúdos sentados num muro. Um dos miúdos era eu. O “tio” - depois do papo protocolar - quis oferecer um bolo que lhe sobrara. O modo sugerido foi o de fazer uma pergunta e fê-lo questionando quem sabia o nome do presidente dos Estados Unidos da América (EUA). Respondi com toda a certeza do mundo: Ronald Reagan (06/02/11 - 05/06/04). Corria o ano de 1985 e Reagan acabava de tomar posse do seu 2º mandato como o 40º presidente dos EUA.
Veio-me à memória esta cena depois de rever um vídeo de um encontro em 1985 – em solo americano - entre Reagan e Samora Machel (1º presidente de Moçambique). Os dois foram na altura os meus presidentes. Samora Machel (e depois Joaquim Chissano) por razões óbvias e Reagan porque era o presidente dos meus ídolos (do cinema, desporto e música) e da terra das boas coisas (“jeans”, “sapas” óculos e chapéus) logo era o meu presidente. Guardo algumas lembranças dos dois. As da “amizade” com Samora Machel conto em outro momento. Neste texto apenas partilho algumas com R. Reagan.
Na altura da pergunta eu já era “amigo” de Reagan. A amizade foi selada pouco antes. Foi pela TV em Novembro do ano anterior na data do anúncio da sua vitória para o 2º mandato. Desde esse dia a administração Reagan foi parte da minha agenda infanto-juvenil. Até conhecia de cor todos os escândalos e os principais secretários e subsecretários de estado americanos. No mesmo diapasão até o nome e a morada do Director da CIA conhecia (risos).
Por conta desta amizade e da Guerra-Fria tive alguns dissabores. Um deles foi na 5ª 21 (Escola Secundária da Maxaquene). O "Bloco Soviético" ou "Ala do Leste" da turma liderado por um colega mais velho bloqueou o meu acesso ao lanche: sempre que chegasse a minha vez, na fila do lanche, este esgotava. Era algo como a reedição do "Bloqueio de Berlim" (fecho do acesso ferroviário, rodoviário e hidroviário à Cidade de Berlim Ocidental) feito pelos soviéticos contra os Aliados, liderados pelos EUA, que obrigou os últimos a abastecerem Berlim através de uma ponte aérea de Junho de 1948 a Maio de 1949. O mesmo com o meu lanche: durante um ano tive que usar meios alternativos, recorrendo a pontes subterrâneas com amigos da 6ª classe. Mais tarde fiquei a saber que tudo era orquestrado entre "Moscovo" e os seus agentes infiltrados no refeitório da escola. Era o auge da Guerra-Fria (risos).
As notícias por cá eram aterradoras em relação aos EUA: os imperialistas americanos. Salvo erro Moçambique boicotou a sua presença num campeonato mundial de Hóquei, que participaria os EUA, em protesto contra o imperialismo americano. Outros tempos. Quando Samora visitou os EUA fiquei confuso: como assim? Ir ao encontro e em casa do inimigo? Só mais tarde percebi que na arena internacional e entre os estados “não existe amizade, mas sim interesses”. O discurso de Samora foi claro: “queremos uma parceria de longo prazo”. Demorou, mas trinta e poucos anos depois e por outros tantos e indefinidos anos cá estão os americanos de pedra e cal.
Fui crescendo com o "feeling" de um dia estar ao vivo com Reagan. Na primeira metade dos anos 90 ele anunciou que padecia de Alzheimer e a hipótese de estar com ele ao vivo adoecia à medida que ele ia despedindo. Em conversa com amigos eu dizia que iria ao funeral de Reagan.
Em 2004 fui convidado por uns amigos do Brasil para visitar a terra do samba e do futebol. Na manhã do dia 06 de Junho parti com destino à cidade de Porto Alegre. Logo que entrei no táxi, a caminho do aeroporto, pedi ao taxista que sintonizasse a rádio e uma voz bem audível diz: " morreu ontem Ronald Reagan, antigo presidente americano ". Fiquei estarrecido. Parecia que estivesse a receber a notícia da morte de um amigo ou de um familiar próximo. O taxista não entendeu a minha repentina tristeza. O que me confrontou foi o facto de estar a viajar ao continente americano. Estaria próximo de Reagan.
Já em Porto Alegre tive que mudar os planos, pois o meu amigo e hospedeiro ia passar uns dias numa cidade do interior e voltaria depois do dia 12 de Junho, o dia dos Namorados no Brasil. Ele ia bem acompanhado e recusei o convite para segurar a velinha. Já estava triste e outra tristeza não iria aguentar, não! Como alternativa teria que fazer algo para cobrir os dias em branco. A cidade do Rio de Janeiro foi a escolha. Não fazia ideia de que a decisão foi um impulso que me levou ao "encontro" de Ronald Reagan: no Rio, Baía da Guanabara, estava ancorado o porta-aviões nuclear USS Ronald Reagan.
Em 11 de Junho de 2004 foi o funeral de estado de Ronald Reagan. O Presidente George Bush (filho) declarou que seria um dia de luto nacional. Na data e por todo o mundo foram feitas homenagens. No Rio foi no porta-aviões Ronald Reagan. Presenciei a singela e sentida homenagem – dirigida pelo capitão Andres Brugal, segundo na linha de comando do navio - com outros fãs e mirones.
“Cremos firmemente no que Ronald Reagan acreditava: paz, paz através da força e isso é o que representamos como seu legado, levando o nome de Ronald Reagan” disse o capitão, no fim da breve homenagem, conforme noticiado pela agência Reuters no mesmo dia. Na minha despedida, enquanto atravessava a ponte de Niterói, acenei para o “Ronald Reagan”: um Herói dos tempos infanto-juvenil.
PS (i). Para o actual contexto em que se encontra a política moçambicana nada melhor que partilhar uma frase de Ronald Reagan sobre a política: “Eu achava que a política era a segunda profissão mais antiga. Hoje vejo que ela se parece muito com a primeira”. Outra: “ A política é como o show business: você desliza por algum tempo e termina num inferno.”
PS (ii). Não tanto a propósito do texto: conhecemos tão bem a Casa Branca, palácio presidencial dos EUA, em detalhe (exterior e interior), incluindo a famosa sala oval, mas não conhecemos a nossa Ponta Vermelha, palácio presidencial. Será isto um detalhe ou indicador do nível democrático (de transparência) de cada país?