A actual tensão no médio-oriente é ruim para o mundo mesmo que não resvale em guerra aberta. As consequências das tensões e guerras nesta região do globo são familiares. Algumas das consequências têm sido a reconfiguração territorial, as mudanças de correlação de forças e os realinhamentos de alianças estratégicas. Existe uma outra consequência não tão importante mas interessante: a reconfiguração do vocabulário.
Quando foi da segunda guerra do Iraque (2003) despoletou um debate ou a curiosidade em se saber se os americanos entrariam por ar ou terra em Bagdade, capital Iraquiana. Creio que um General americano - e a propósito da preocupação - tratou de esclarecer, referindo que “O Objectivo é Bagdade” e que não interessava se era por terra ou via aérea. E assim encerrou o assunto. Uma vez tomada a Cidade de Bagdade e o resto do Iraque, num (Tikrit) e outro local (Faluja) aconteciam alguns ataques dos iraquianos que os americanos apelidaram de “Bolsas de Resistência”.
A “Tribo Lazer” (grupo de confraternização) a que pertencia tratou na altura de acomodar os novos termos no vocabulário corrente, aliás no vocabulário líquido. Certo dia - desenrolava a preparação de um evento de pretexto para uns “Copos & Papo” – e um assunto aflige o “Grupo de Contacto (GC)”, equipe responsável pela organização da festa. Existia a dúvida se o GC compraria um barril de cerveja 2M ou de Laurentina Clara. Não havia dinheiro para dois barris. O impasse foi sanado quando um dos membros do GC disse “não interessa, seja Laurentina Clara ou 2M, o objectivo é Bagdade”.
No dia da festa, chovia na Matola (o local do evento). O mais próximo do GC da casa anfitriã - preocupado com a chuva, pois a estrutura e toda logística estava montada - ligou para um dos membros do GC, a manifestar alguma apreensão se a tribo iria comparecer. O anfitrião ficou descansado quando do outro lado da linha ouviu que ficasse relaxado que a chuva era apenas uma “Bolsa de Resistência” e que não atrapalharia o objectivo traçado e lacrado com a chancela de urgente e inadiável.
Vêem-me lágrimas de saudades só de lembrar as grandes batalhas cognominadas de “O Objectivo é Bagdade” ou “O Assalto à Bagdade”. Nesses tempos eu era polígamo - assim como tantos outros – e talvez a razão das saudades. Eu participava nas batalhas se as minhas três namoradas lá estivessem ou se permitissem que eu as levasse. Era inegociável: Os quatro ou ninguém.
Actualmente e por razões alheias a minha vontade não tenho marcado presença. Uma ou duas vezes ao ano participo em algumas cerimónias de exaltação de heróis anónimos de antigas batalhas (um dia conto algumas das batalhas mais emblemáticas). São cerimónias comparadas ou ao nível das realizadas por ocasião da celebração de mais um aniversário do “Desembarque da Normandia”, o famoso dia “D”, que determinou o final da 2ª Guerra Mundial.
A razão da ausência é uma e única: As minhas três namoradas ( e sem exclusividade) já não fazem parte deste mundo. Foram sumariamente executadas. Corre um inquérito para averiguar o “Modus Operandi” da execução e apurar responsabilidades. E também, em paralelo, corre um outro inquérito para se apurar a veracidade de informações que sustentam a possibilidade delas terem sido induzidas a uma situação de coma cerebral. Amiúde - nas redes sociais - circulam versões que defendem esta hipótese, pois nunca foi exibido a certidão de óbito das três e inesquecíveis namoradas: A Laura, Tina e a Clara. Até que tudo seja esclarecido, confesso: Tenho muitas saudades de ti, Laurentina Clara!
Por estes dias que Trump, presidente norte-americano, ora ameaça apertar o gatilho, ora decreta sanções ou diz que está aberto ao diálogo com Teerão ( capital do Irão), tenho pensando nas batalhas que se travam por cá por conta da entrada de um novo “player” no xadrez alcoólico da Pérola do Índico. E venho imaginando os Departamentos de Guerra (DGs) das duas companhias - eufemisticamente denominados “Departamentos de Marketing”- a traçarem os respectivos objectivos estratégicos com recurso a frases do tipo: “O Objectivo é Jardim” ou, para a contraparte, “O Objectivo é Bobole”.
A terminar, o apelo para que o vocabulário não seja actualizado por conta de uma nova guerra no médio-oriente: Que “O Objectivo é Bagdade” não necessite que passe para “ O Objectivo é Teerão” (e por arrasto, que as “Bolsas de Resistência” sejam de resiliência para outros desafios da humanidade); E no que estiver omisso, que esclareça ou decida o leitor.
- PS (i): Há sensivelmente dez anos, soube - através de um cidadão estrangeiro que geria a pequena e agradável casa de pasto que funcionava no local onde foi erguida uma das cervejeiras – que a Laurentina Clara seria descontinuada. Não levei a sério e pensei que o gerente desejasse pregar um susto a mim e ao resto da “Tribo Lazer” que ali recomponha as forças depois de batalhas travadas, sobretudo na Praia do Bilene. Desde então, e pelo tempo, infelizmente o gerente tinha razão.
- PS(ii): Em momentos que me cruzo com outros enlutados se aventa a hipótese de constituição de uma coligação a fim de persuadir a companhia a resgatar a eterna namorada. A médio prazo, em caso de fracasso, far-se-á o possível para que seja erguido um monumento de preferência no local onde foi instalada a concorrência, coincidentemente o mesmo do anúncio precoce do desaparecimento físico da Laura, Tina e a Clara. O monumento, uma espécie de “Bolsa de Resistência/Resiliência”, servirá para manter viva a memória e a pressão pelo reaparecimento – por quem de direito - da minha, tua e nossa: Eterna Namorada, Laurentina Clara!
- PS (iii): Pelo fim-de-semana que se aproxima e mais um sem a Laurentina Clara, dedico este texto a todos que tiveram nas inseparáveis irmãs e amigas, o ombro companheiro em momentos tristes e alegres. Aproveito dedicar com especial apreço a um primo (“Kenteê”, seu nome de guerra) que completou anos redondos no passado mês de Maio, cuja celebração é hoje, 28 de Junho de 2019, numa das badaladas casas de pasto da Cidade de Maputo, outrora Lourenço Marques, o pai das irmãs Laura, Tina e a Clara. Saravá, Kenteé!