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segunda-feira, 22 julho 2024 14:05

As desconcertantes carnes da mulher

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Mas a vida é assim, como as marés que vibram numa época, e baixam na época que vem. As flores também. Acordam vigorosas nas manhãs com os cheiros perfumados da noite, e ao picar do sol  cedem. Perdem a graça, e ninguém as quer. É o interminável recomeço do ciclo. Que nos faz acreditar na força interior da utopia.

 

Eu também sou assim, sigo, ou sou levado a seguir pelos espíritos, esse caminho do sol que nasce  no esplendor do amanhecer, exubera em todo o dia, porém vem o anoitecer e apaga essa luz que supera todas as estrelas. É por isso que não tenho medo, aliás perante as pedras do caminho visto o escafandro da música dos bitongas, para ver se amanhã acordo outra vez, com as mesmas azagaias. Com os mesmos ritos.

 

É o mar a minha prancha para os voos da imaginação, então volto sempre a este lugar para ouvir a ressonância das ondas que se esbatem na areia. E hoje cheguei a meio da manhã com a maré vaza e, para minha surpresa, está no meu lugar habitual uma mulher desconhecida deitada de barriga, deixando as fartas nádegas ressurgindo do fio do bikini, e eu ainda me perguntei: mas o que é isto?!

 

Sentei-me ali mesmo, ao lado dela, baralhado pela sensação de alta voltagem que me percorria por inteiro, não sabendo bem se por causa de uma mulher deitada no meu lugar, deixando as nádegas cheias de carne em exposição, ou porque sou fraco. Esqueci-me completamente de contemplar os pernilongos dos flamingos que dançam na esgravatação dos moluscos, e já estou em ebulição, sou feito de carne também.

 

Bebi um gole da cachaça que sempre levo no bolso à praia para que a harmonia entre mim e a natureza se aclare, mas este gole foi longo demais. Os meus olhos não saem das nádegas livres de uma mulher que está deitada na areia da praia, sòzinha, ainda por cima no meu lugar onde implantei uma sombra de folhas de palmeira para estar sozinho na minha solidão, e eu jamais imaginei que isto podia acontecer num retiro que ainda perserva os tabus.

 

Bebi outro gole numa altura em que ela se revirava, deitando-se agora de costas com as pernas estendidas, meio afastadas uma da outra, para gáudio da loucura. Os seios são perenes, oprimidos porém no soutean, e o bikini só protege a parte mais macia de um corpo esculpido por mãos invisíveis, o resto está fora. E essa mostra não será propriamente um problema, estamos na praia.

 

A maré está a encher e os flamingos vão bater as asas em liberdade, rasgando os céus em fila para outros  poisos, mas eu estou hipnotizado por um ser feminino deitado no meu lugar, na minha sombra. Na sombra das minhas lucubrações.

 

Então ela agora levanta-se. Espreguiça-se.  Olha para mim despreocupada.

 

- Oh, desculpa, o senhor é o dono desta sombra?

 

- Sim, sou eu.

 

- Avisaram-me uns miúdos que passaram por aqui, disseram-me que é um sítio privativo, desculpa pela invasão.

 

- Você não invadiu o meu lugar, você adornou a minha sombra.

 

Afinal somos conhecidos. Estudamos na mesma escola primária, e depois o tempo separou-nos, cada um para o seu destino. Mas, como o próprio mar, voltamos para a nossa terra, depois de muitas escalas pela vida, com muitas alegrias e derrotas até hoje, que recusamos ser vencidos.

 

Abraçamo-nos longamente. Bebemos juntos a cachaça, e eu disse assim para ela, a vida dá-nos sempre um espaço para recomeçar! E ela respondeu: é verdade!

Sir Motors

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