Já ninguém pergunta, “quem é aquele velho de cabelos de prata?” Ele próprio, o Chico, descomplexou-se. Também já não pergunta,”onde é que fica o mercado?”. Conhece tudo isto de ponta a ponta, de olhos fechados. Caminha pelas ruas pacatas da cidade, e em cada aurora vai ganhando novo sangue, recusa-se a ser “viente”. Saúda as pessoas em bitonga, língua que nunca antes sonhara, nem os seus antepassados. E para decifrar todas as parábolas, agora vocaliza em tom baixo, aos poucos amigos, dizendo que a sua vontade é ficar nesta terra. Para sempre.
Já foi enfeitiçado pelo silêncio da poesia das mulheres que o olham de esguelha, pelo sossego. Volta e meia vai, depois torna a voltar, como as águas do mar que enchem e vazam num ciclo sem fim. Mas a “Terra da boa gente”, lugar escolhido pelo “Estúdio Bom dia” para a comemoração do 25 de Setembro, dia das Forças Armadas de Moçambique (FADM), parece ser o último albergue do autor de “Sineta”, um tema musical suave e profundo, criado para ostracizar o mau agoiro e exaltar o amor e a fidelidade. É por isso que Chico não sai daqui, estará cá novamente, como o sol que não se cansa de nascer, mesmo que os poentes se multipliquem.
Desta vez não vem sòzinho. O “Estúdio Bom dia”, que tem na testa o Roland Mudungaze, enloqueceu. Traz uma panóplia de grandes músicos que virão juntar-se aos de Inhambane e fazerem uma festa imprevisível em termos de emoções. Tudo indica que haverá um derramento. Do próprio coração. Há uma grande espectativa, até porque reside neste movimento o desconhecido. Há bandas e músicos que os manhambanas nunca ouviram cantar, nem nunca viram tocar, então será uma oportunidade para outras experiências.
Inhambane tem sede permanente destes eventos, e ainda bem que o Centro Cultural Machavenga, escancarado para um lago com esse nome (Machavenga), existe. Como forma de dar oportunidade a outras sensibilidades, é uma maneira nova que surge. Ou seja, a criação deste lugar projectado por Filimone Mabjaia, vem desmentir que o turismo na cidade de Inhambane sejam só as praias. Por isso a lagoa de Machavenga tem esse condão. De cantamorfosear..
Chico António anda em Inhambane há aproximadamente dois anos. Chegou a estas terras em cumprimento de um projecto que está sendo seguido sem pressa, quer dizer, ele está nos estúdios “Bom dia” para gravar um disco que irá sair a seu devido tempo, quando estiver maduro. É assim que, desde o primeiro dia, tem feito um Up and down (Maputo-Inhambane, Inhambane-Maputo), num processo que vai entranhando os temperos do CD, sob direcção de Roland Mudungaze, um austríaco com tendências profundas de rock-blues, mas que as circunstâncias da vida e da música, levaram-no a trabalhar noutras coisas. E tem feito isso com pragmatisco.
É isso: Chico António tem sempre uma luz fora do túnel, para que todos amanheçam, é por isso que jamais desvaneceu. Desde que entrou para a estrada, nunca parou de andar. “Tenho tropeçado muitas vezes, mas não aceito ser vencido, embora venha perdendo muitas batalhas. E para te mostrar a minha fé e teimosia, estou aqui de novo, para celebrar o 25 de Sertembro com os manhambanas. Isso significa que estou vivo”. E essa vitalidade repetiu-se na homenagem ao Guita Jr e Momed Cadir. No Centro Cultural Machavenga.
É isso: Chico António é rede de emalhar, que se move com propulsão própria!
- * Texto rebuscado da parede da memória (reescrito - publicado em 2022)